Coronavírus: 121 agentes que poderiam ajudar prisões em SP não foram nomeados

    Aprovados em concurso não foram nomeados pelo governo Doria; déficit no sistema prisional é de 8 mil servidores, segundo sindicato

    Técnica de enfermagem ouvida pela Ponte trabalhou em Araraquara em 2012 | Foto: reprodução SAP

    Mais de 400 pessoas querem trabalhar, mas aguardam a nomeação há dois anos para trabalhar no sistema prisional do Estado de São Paulo. Mesmo classificados no concurso público da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) de 2018. Dos 416 aprovados, 121 são da área da saúde, entre enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e oficiais administrativos, que não sabem quando poderão assumir suas funções.

    Atualmente, há um déficit de quase 8 mil servidores nas mais de 170 unidades prisionais de SP, segundo o Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo). O prazo final para nomeação dos servidores é em julho de 2020, quando se completam dois anos do concurso.

    É o caso de uma técnica de enfermagem, de 38 anos, que pediu para não ser identificada para não sair prejudicada em eventual nomeação, ouvida pela Ponte. É a segunda vez que ela passa no concurso para trabalhar no sistema prisional. Na primeira vez, em 2011, foi chamada em menos de seis meses.

    A distância, porém, impediu que ela continuasse no trabalho. A servidora mora em Araçatuba, interior de São Paulo, e foi nomeada para exercer o cargo em Araraquara, uma distância de 290 km. Diante disso, ficou apenas 3 meses no posto de trabalho.

    No concurso de 2018, que foi homologado pelo então governador Márcio França (PSB-SP), ela foi uma das primeiras colocadas, mas ainda não tem previsão de quando será chamada para exercer a sua função. Nesses dois anos de espera, a preocupação é conseguir moradia perto do local onde pode ser nomeada.

    Mais do que nunca, aponta a técnica em enfermagem, as nomeações da área da saúde são fundamentais para o funcionamento do sistema prisional diante da pandemia mundial da Covid-19.

    “O profissional da saúde no sistema prisional age de forma preventiva, com ações que minimizam ou até mesmo eliminam as doenças numa população que vive a maior parte do tempo aglomerada em uma área restrita”, explica.

    “Dentro do sistema, a saúde não tem sido prioridade. Faltam muitos profissionais e programas de prevenção e incentivo”, completa.

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    A demora nas nomeações acarreta em acúmulo e desvio de funções dentro das unidades prisionais. É o que afirma o oficial administrativo, que também pediu para ter a identidade preservada, e que foi aprovado no mesmo concurso da auxiliar de enfermagem, em 2018. A pontuação o classificou para o cargo.

    “Com o déficit nas funções administrativas, quem acaba fazendo o serviço é o agente penitenciário. Em vez de fazer a segurança do presídio, ele faz o serviço administrativo”, aponta.

    “A falta de funcionários tem comprometido a segurança do sistema penitenciário. Meu concurso, chamado de atividade meio, faz o papel administrativo, responsável por fazer a máquina do sistema funcionar”, explica.

    Fábio Jabá, presidente do Sifuspesp, aponta que o governo do Estado de São Paulo comete um crime ao não nomear os concursados. “Ele [governador João Doria] está lidando com vidas e, mais uma vez, o sistema prisional é abandonado”.

    “Essa pandemia só evidencia o abandono, tanto para os servidores quanto para os presos. O governador não fez uma nomeação na SAP desde que assumiu o governo. E cobranças não faltaram”, critica Jabá.

    O presidente do sindicato conta que uma das lutas do Sifuspesp é justamente a nomeação dos aprovados. “Uma das ações que mais cobramos é pelo fim do desvio de função, em que muitos policiais penais fazem trabalhos burocrático e em muitas vezes fazem trabalhos na área da saúde”, aponta.

    Nesse momento de pandemia, aponta Jabá, os profissionais de saúde são fundamentais para o funcionamento do sistema prisional. “Se tivéssemos uma equipe médica em todas as cadeias, não só para atender os presos, teríamos apoio para fazer a avaliação de saúde dos servidores que chegam na unidade prisional, que muitas vezes é feita pelos policiais penais”.

    Com o afastamento dos servidores que fazem parte da área de risco, explica Jabá, a sobrecarga de trabalho aumentou. “Já existia um grande déficit e agora, com cerca de 30% dos companheiros afastados, precisamos de reforço, tanto o pessoal da área da saúde quanto os demais servidores”.

    Decreto de Doria suspende nomeações

    Nesta terça-feira (14/4), o governador João Doria suspendeu as nomeações dos concursos. A publicação foi feita no Diário Oficial. O decreto nº 64.937, afirma que, enquanto durar o período de calamidade pública, ficam suspensas “as nomeações para cargos públicos e as admissões em empregos públicos, quando vagos”.

    No decreto, apenas a Secretaria da Saúde, o IAMSPE (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual), e a Secretaria da Segurança Pública podem realizar nomeações.

    Outro lado

    No dia 7 de agosto de 2019, o coronel Nivaldo Restivo, secretário de Administração Penitenciária, foi recebido em uma reunião na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

    Na ocasião, Restivo afirmou que o documento para enviar à Casa Civil, com as nomeações para o concurso de 2018, estava pronto. Oito meses depois, porém, nenhum candidato foi nomeado.

    “Esse concurso foi homologado no ano passado e está em cima da minha mesa o papel para enviar à Casa Civil e nomear os 416 candidatos”, disse Restivo na época, que também afirmou que esses são os profissionais que “fazem a máquina funcionar”.

    A Ponte questionou a SAP-SP sobre a demora nas nomeações, o decreto do governo do Estado e o déficit de funcionários, mas, até o momento, não obteve retorno.

    A assessoria de imprensa do Governo Doria também foi questionada sobre o decreto, uma vez que há profissionais de saúde na lista de aprovados, mas não obteve retorno até o momento de publicação.

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