‘Eu e meu pai tínhamos acabado de entrar em casa. Quem ficou na rua morreu’

    Jonas Almeida Sousa, irmão e tio dos dois jovens assassinados no Jardim Conceição, em Osasco (SP), conta que escapou da morte por um triz; em um ano, três ataques a tiros mataram oito pessoas no bairro

    Jonas mostra a foto com o irmão Jhonatan (à esq.) e o sobrinho Vitor | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Ficar à noite nas rua do Jardim Conceição, no extremo sul de Osasco, na Grande São Paulo, se tornou perigoso. Em um ano, uma chacina e dois ataques a tiros transformaram em alvos quem estava andando ou conversando nas calçadas do bairro. Oito pessoas foram assassinadas dessa forma. Os dois casos mais recentes na sexta-feira (4/5), quando Jhonatan Jacó Almeida Sousa, o Dendê, de 18 anos, e Vitor Henrique da Silva, de 13, foram mortos em frente à casa em que moravam. Jonas Almeida Sousa era irmão de Jhonatan e tio de Vitor e conta que, por pouco, não foi a terceira vítima.

    “Estávamos eu, meu pai e os dois sentados na calçada em frente à nossa casa. Eu entrei antes, meu pai resolveu ir no banheiro. Foi nessa hora que ouvimos os tiros”, relembra, mostrando onde estavam o irmão e o sobrinho e as marcas deixadas pelos tiros na calçada, parede e portão da casa. “Meu pai saiu correndo e conseguiu ver o carro, foi atrás e ficou uns três metros deles, mas eles fugiram. Era um Toyota Corolla preto, desse modelo novo, todo filmado [vidros escuros]. Quem estivesse lá ia morrer junto”, continua.

    A morte de Jhonatan liga um alerta para a Ouvidoria das Polícias de São Paulo pelo fato dele ser um sobrevivente de uma chacina no bairro, menos de 300 metros de onde ele morava e local deste ataque. Em 11 de abril de 2017, uma chacina matou quatro pessoas e somente o jovem de 18 anos saiu vivo, como a Ponte apontou em primeira mão. Os assassinos usaram uma Parati cinza na ação. Até agora, não há registro de pessoas presas ou investigadas pelas quatro mortes. Uma semana antes, em 4 de abril, outras duas pessoas foram mortas nas proximidades, na Rua Projetada, distante 1 km de onde os quatro morreram, um deles, Fernando de Moraes, de 35 anos, primo de Jhonatan.

    Rosimeire Aparecida de Almeida era tia de Fernando. O luto do ano passado pelo sobrinho morto se transformou agora em uma dor ainda maior. Dessa vez, o filho, Jhonatan, e o neto, Vitor, morreram assassinados. “É muito comum as pessoas ficarem na rua conversando por aqui. Eu mesma faço isso. Agora não consigo nem ver mais o meu portão, sair no quintal. Só de pensar… É difícil, bate uma angústia. Ficaram quatro marcas no portão, pedi para o Jonas mexer porque não consigo ficar olhando. Foi execução, uma maldade sem tamanho”, conta à Ponte, sentada na cozinha da casa, ainda visivelmente abatida pelas mortes.

    Marcas dos disparos da última sexta-feira no portão da casa de Meire | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Recaída no alcoolismo

    Rosimeire não é a única afetada pelo luto. Seu companheiro, Jacó, sentiu o impacto do golpe como se fosse nele – e, por pouco, não foi. “Minha mãe não consegue mais ver a porta de casa e meu pai voltou a beber. Há uns quatro meses ele tinha decidido parar por causa da diabetes, ele tem problemas com álcool e voltou a beber porque ele viu os dois caídos e perseguiu o carro. Está muito abatido”, explica Jonas, ainda sem saber se a família continuará morando no bairro. “Minha mãe veio para cá há 30 anos, era só barro e nem tinha ônibus. Caso decida sair, vai ser para um lugar pior, porque uma casa custa muito caro”, diz.

    A família é de pedreiros. Jacó passou sua experiência para Jonas e começava há um ano a ensinar Jhonatan, que estava desempregado e precisava de dinheiro para sustentar o filho. “Ele começou a ganhar um dinheiro, deixou de estudar para trabalhar mais e conseguir dinheiro para o filho dele de um ano e quatro meses. A mãe não trabalha, era ele que garantia o sustento”, conta o irmão, que era inspiração para o sobrinho Vitor, também executado no ataque feito pelos atiradores do Corolla preto.

    “O Vitor era um menino bom. Às vezes, levava ele para trabalhar comigo nos serviços mais leves e dava um troco, uns R$ 50. Só por isso, ele dizia que queria ser pedreiro igual a gente. Estava no oitavo ano da escola, estudava aqui perto. Era um menino tranquilo, fazia tudo quanto é favor que a gente pedia, não tinha maldade. Gostava de jogar uma bola, amava o Corinthians”, relembra, sobre o menino que estudava em uma escola distante menos de 1 km da casa dividida com quase toda a família.

    Jonas revela descaso no atendimento ao irmão e ao sobrinho na UPA (Unidade de Pronto Atendimento). “Eu e um amigo pegamos meu irmão no colo e saímos correndo pra UPA, um pastor resgatou o Victor, mas eles morreram antes de serem atendidos. Lá, nos trataram mal, nem médico tinha e não queriam socorrer”, relembra, também relatando pouco caso feito pelos PM acionados para atender a ocorrência. “Depois, os policiais que vieram atender a ocorrência ficaram rindo da desgraça da família, xingaram, nos desrespeitaram”, afirma Jonas.

    Jardim Conceição se mobiliza

    As duas mortes levaram o bairro às ruas. Na quarta-feira (9/5), um grupo de aproximadamente 50 pessoas se reuniu para protestar contra as mortes de Jhonatan e de Vitor. Uma grande faixa pedia o fim do genocídio da juventude negra, cartazes com os nomes do tio e sobrinho tomaram conta da praça em frente a um campo de futebol society do bairro. Uma foto em que os dois aparecem foi impressa e colada nas camisas de quem estava ali protestando.

    Grupos como a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, membros de partidos políticos e de grupos de jovens estiveram presentes e fizeram falas, assim como moradores do Conceição. Um desses moradores questionou o fato desses grupos e da imprensa só irem ao local quando tragédias acontecem e não realizarem ações práticas para dar fim às mortes. “Sou educador voluntário, sei a força que a educação tem para melhorar a vida de todos”, disse.

    Da praça na Avenida Juvenil, o grupo se reuniu e caminhou até a casa onde moravam Jhonatan e Vitor, distante cerca de 1 km. Mostravam os cartazes e cantavam músicas que os dois gostavam. Pouco antes, um carro parado no outro lado da rua chamou a atenção de parte do grupo. Um veículo prata, “filmadão”, como dizem, parecia analisar o que acontecia na praça. “Não tem registro esse carro”, falou uma das pessoas, após pegar a placa e verificar seu histórico. Porém, o momento de tensão, ao menos nesta quarta-feria, terminou ali. A passeata passou pelo veículo e nada aconteceu.

    A Ponte procurou por e-mail a Prefeitura de Osasco para perguntar sobre as críticas de atendimento da UPA do Jardim Conceição, inclusive com denúncia de falta de médicos. Até o fechamento da reportagem, a assessoria de imprensa havia informado que remeteu as questões ao setor responsável, que por sua vez não havia retornado.

    A Polícia Civil continua investigando o crime e até o momento nenhum suspeito foi preso. A investigação está no 5º DP da cidade, que conta com o apoio do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Nenhuma hipótese para os crimes está descartada.

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