Em um único fim de semana, PMs matam 10 jovens somente na cidade de São Paulo

    Vítimas, que tinham entre 15 e 23 anos, resistiram às ordens de prisão, segundo os policiais

    Somente em uma ação, PMs da Rota mataram três jovens na zona sul da capital de SP – Foto: Reprodução

    Policiais militares foram responsáveis por ações que resultaram na morte de dez jovens, todos moradores de bairros da periferia da capital de São Paulo, em um intervalo de 51 horas e 30 minutos — entre o início das madrugadas de sábado (4/02) e segunda-feira (6/02) deste mês.

    O mais velho dos jovens mortos pelos policiais militares tinha 23 anos e, em seis dos sete casos que resultaram nas dez mortes, a justificativa foi padrão: os jovens estariam cometendo crimes contra o patrimônio.

    Os PMs disseram ter perseguido veículos roubados nos quais os jovens estariam e que todos eles resistiram à prisão com uma suposta troca de tiros. Um militar foi ferido por um tiro na perna em um dos casos.

    São Paulo X Estados Unidos

    No mês de dezembro de 2016, 86 pessoas foram mortas pelas polícias dos Estados Unidos nos 51 estados do país, de acordo com o jornal The Guardian. Média de 2,77 mortes por dia para uma população de 320 milhões de habitantes.

    Apenas na cidade de São Paulo, com cerca de 11,6 milhões de moradores, foram dez mortos em pouco mais de dois dias (51 horas e 30 minutos). Média de cinco mortos por PMs ao dia.

    Caso 1 (Perus) – Atrás do carro

    A série de mortes de jovens em ações da Polícia Militar do Estado de São Paulo começou na Vila dos Palmares, região de Perus, zona oeste da capital paulista, à 0h40 do sábado (4/02).

    Na versão da PM para a morte de Bruno Henrique de Sousa Mateus, de 15 anos, o jovem estaria em um Palio Weekend, vermelho, com placas do Rio de Janeiro, quando o veículo passou em alta velocidade por um carro da PM.

    Renato Pereira, 26 anos, Celso Rodrigo de Oliveira Ferreira, 27, e Elaine Patrícia da Silva Costa, 31, os três PMs do carro nº 49.124, do 49º Batalhão, resolveram ir atrás do Palio, mas o veículo logo bateu contra uma cerca e parou de funcionar.

    Bruno e um segundo passageiro do Palio, ainda segundo os PMs, teriam descido do carro já atirando contra os militares e começaram uma tentativa de fuga a pé. Os soldados Celso (seis disparos) e Patrícia (três disparos) disseram ter atirado contra Bruno e o acompanhante dele, mas esses primeiros tiros não os teriam acertado.

    Os PMs Celso e Renato relataram que Bruno e o acompanhante teriam se separado durante a tentativa de fuga a pé e que ambos decidiram ir atrás do jovem de 15 anos porque ele estaria mais próximo, escondido em um terreno baldio.

    Quando teria tentado se esconder atrás de uma Pajero, Bruno foi atingido por três tiros disparados pelo PM Celso e caiu morto. Na versão narrada pelos PMs, Bruno estaria armado com um revólver calibre 38.

    Caso 2 (Pedreira) – Arma de brinquedo

    Apenas 1 hora e 5 minutos após a morte de Bruno, PMs do 22º Batalhão foram responsáveis por uma operação no bairro da Pedreira, extremo sul da periferia de são Paulo, resultante nas mortes de Edson Henrique Bicalho Silva, 16 anos, e de Pedro Henrique Silva Santos, 15.

    Os PMs Hugo Leonardo da Silva Santana, 26 anos, e Jailton Francisco Marques, 42, patrulhavam o bairro da Pedreira quando um Celta, verde, com seis jovens, passou por eles. O veículo havia sido roubado no dia 1º de fevereiro, em Diadema, no ABC paulista.

    Os PMs teriam dado ordem de parada para o veículo, que, após uma breve tentativa de fuga, bateu contra um muro da rua Dorival Ferraz da Silva.

    Na narrativa dos PMs, assim que o Celta parou, o jovem que dirigia o carro desceu e atirou contra os militares, antes de fugir a pé. Edson estava no banco dianteiro do passageiro e, ao desembarcar, portaria uma arma.

    Os PMs atiraram contra Edson e ele caiu. Ao se aproximar do Celta para obrigar os outros jovens a descerem e para constatar o estado de Edson, os militares teriam notado que ele estava com uma arma de brinquedo.

    Do banco traseiro do Celta saíram quatro garotos (três deles com idades de 12, 13 e de 15 anos). O quarto, Pedro, desceu do carro e passou a reclamar que “estaria passando mal”. Levado para o Hospital de Pedreira, Pedro morreu com um tiro nas costas.

    O jovem que estaria ao volante do Celta e teria atirado contra os PMs do 22º Batalhão não foi preso. Os três garotos que acompanhavam Edson e Pedro foram apreendidos.

    Caso 3 (São Mateus) – Arma desaparecida

    Ainda na madrugada de sábado (4/02), às 3h47, Saulo Matias Siqueira, 23 anos, foi morto por PMs do 38º Batalhão, em outra suposta troca de tiros e resistência à prisão em São Mateus, zona leste de São Paulo.

    Os PMs Carlos Gonçalves, 40 anos, e Carlos Souza Lourenço dos Anjos, 37, disseram que Saulo participou da tentativa de roubo contra um caminhão e que ele teria atirado contra os militares, que faziam patrulhamento a pé pela avenida Ragueb Chofi, a principal de São Mateus.

    A arma supostamente usada por Saulo, atingido pelos tiros dos PMs no abdômen e na região lombar, ainda na versão dos dois militares, desapareceu da cena do crime. Para os soldados, ela teria sido levada pelos outros suspeitos pela tentativa de roubo do caminhão.

    Caso 4 (São Mateus) – Sargento ferido

    Ainda no bairro de São Mateus, PMs do 28º Batalhão mataram Abner Alves Benedito, 20 anos, às 21h20 de sábado (4/02), também na avenida Ragueb Chofi.

    Abner foi morto, de acordo com os PMs Cristiano Wirthman, 43 anos, Evandro Cesar Miguel, 40, Renato Luís de Souza, 26, e Sidnei Marque de Barros, 47, porque tentou tentar roubar um Voyage preto.

    Abner estaria acompanhado de outros homens durante a tentativa de roubo. Todos eles conseguiram fugir da abordagem policial, mas antes feriram o sargento Barros com um tiro na perna. O militar foi internado e operado.  Abner morreu pouco depois de ser levado para o Hospital Cidade Tiradentes.

    Caso 5 (Parada de Taipas) – Viela sem saída

    Sete horas após a morte de Abner, PMs do 18º Batalhão mataram Diego Maggi Rosário, 19 anos, na travessa Bananeiras, no bairro Parada de Taipas, zona norte de São Paulo. Os militares afirmaram que ele estava envolvido na tentativa de roubo de um Toyota Corolla, preto.

    Ao narrar como Diego foi morto, o tenente Thiago Andrade de Miranda, 30 anos, disse que o carro da PM em que estava passou pelo Corolla e ele decidiu persegui-lo. Em uma viela sem saída, o carro bateu contra um muro e, quando o militar se aproximava da janela traseira esquerda do veículo, um passageiro atirou contra ele, que revidou.

    Mesmo ferido pelos tiros dados pelo tenente Thiago, o passageiro que estava no banco traseiro, ao lado de outros dois homens que também estariam no Corolla, fugiu a pé.

    Em uma outra viela, ainda segundo o militar, Diego ainda teria atirado outras vezes contra ele. Na nova suposta troca de tiros, Diego foi baleado mais vezes e caiu. Ele estaria com um revólver calibre 38. Levado para o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, Diego morreu.

    Um segundo acusado pelos PMs do 18º Batalhão pela tentativa de roubo do Toyota Corolla, Caio Henrique Veríssimo da Silva, 18 anos, foi preso.

     

    Caramante
    Walker Borges, 17 anos, Nathan Melo e Reinaldo Barbosa, ambos de 18 anos, foram mortos na avenida Cupecê, no bairro Americanópolis, às 17h20 de domingo (5/02) – Foto: Reprodução

    Caso 6 (Americanópolis) – Três mortos, 12 perfurações

    Integrantes da Rota (considerada pelo governo de São Paulo como a tropa de elite da PM) foram responsáveis por três das dez mortes cometidas por policiais na capital paulista no último fim de semana.

    Walker Almeida Borges, 17 anos, Nathan Costa Vieira Melo e Reinaldo Tadeu de Souza Lopes Barbosa, ambos de 18 anos, foram mortos na avenida Cupecê, no bairro Americanópolis, às 17h20 de domingo (5/02).

    Os três jovens, de acordo com a versão dos militares da Rota, estavam em um Ford Fiesta Sedan, preto, roubado, quando passaram pelos PMs. Eles teriam tentado fugir da abordagem policial, bateram o carro contra um poste e teriam descido atirando.

    Nathan foi morto pelos PMs da Rota com três tiros (peito, axila esquerda e mão esquerda, o que pode indicar tentativa de defesa); Reinaldo foi ferido quatro vezes (costas, região lombar, peito e abdômen); Walker, cinco (nádega esquerda, dois no abdômen, região lombar e perna direita).

    Os responsáveis pela operação que resultou nas três mortes são os PMs da Rota Luiz Antonio Valillo, 46 anos, Fábio Rogério Miguel, 36, André Teixeira de Oliveira, 37, e Rafael Alexandre Gomes, 31.

    Câmeras de segurança instaladas ao longo da avenida Cupecê são investigadas pela Corregedoria (órgão fiscalizador) da PM para tentar descobrir se a versão dos PMs da Rota para as três mortes é verdadeira.

    Aos investigadores da Polícia Civil e peritos da Polícia Técnico-Científica que estiveram no local das mortes, parentes dos três mortos pela Rota disseram que moradores do bairro ouviram gritos dos jovens indicando que eles teriam se rendido e não atiraram contra os militares.

    Caso 7 (Sapopemba) – Espingarda de pressão

    A décima morte cometida por PMs na cidade de São Paulo no último fim de semana ocorreu também em uma viela da periferia, no bairro de Sapopemba, zona leste da capital.

    John Weslley da Silva, 20 anos, foi morto pelo PM Bruno da Conceição Soares, 24 anos, na viela Paulo Rosa. A versão do militar, integrante do 19º Batalhão, para a morte John é a de que ele estaria com dois socos-ingleses e uma espingarda de pressão. O jovem foi morto com dois tiros (peito e costas), às 3h30 de segunda-feira (6/02).

    Segundo o PM Bruno, John empunhava a espingarda de pressão na direção dele e não obedeceu à ordem para baixá-la. John foi levado para o Hospital Sapopemba pelos bombeiros, mas morreu.

    As dez mortes de jovens cometidas por policiais militares na cidade de São Paulo, apenas entre os dias 4 e 6 de fevereiro, são investigadas pela Corregedoria da PM e também pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil.

    Gestão Geraldo Alckmin

    A reportagem solicitou, nesta quarta-feira (8), ao secretário da Segurança Pública da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), Mágino Alves Barbosa Filho, e ao comandante-geral da PM, coronel Ricardo Gambaroni, esclarecimentos e entrevistas sobre as dez mortes cometidas por policiais militares.

    Por meio da CDN Comunicação, empresa contratada por Alckmin para fazer a assessoria de imprensa da pasta, as autoridades não se manifestaram sobre possíveis entrevistas sobre a letalidade da PM paulista. A mesma assessoria de comunicação não atendeu também ao pedido de entrevista com um representante da Corregedoria da PM.

    Em nota, a Segurança Pública de Alckmin afirmou:

    “A SSP esclarece que todos os casos registrados como ‘morte decorrente de oposição à intervenção policial’ são investigados tanto Polícia Civil, por meio do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa, quanto pela Polícia Militar, por meio dos batalhões. A Corregedoria da PM informa que acompanha todos os casos, podendo assumir a investigação de casos que apresentem alguma suspeita de desvio de conduta.

    Para mais dados sobre casos específicos, é necessário que o jornalista informe detalhes como datas, locais e as delegacias onde as ocorrências foram registradas”.

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