Presa, Maria ainda luta por justiça para a morte do filho

    Mãe de Lucas, que sumiu após abordagem da PM, segundo a família, falou à Ponte na Penitenciária de Santana, na zona norte de SP

    Os últimos dois meses deixaram cicatrizes irreparáveis na dona de casa Maria Marques Martins dos Santos, 40 anos, mãe de Lucas Eduardo Martins dos Santos, morto aos 14, depois de desaparecer após uma abordagem policial, segundo a família. “Todo dia que lembro dele eu choro. Eu tenho pesadelo com ele pedindo socorro. Pedindo para eu ajudar ele”, desabafa Maria, que tem vivido seus dias à base de remédios.

    Ao mesmo tempo, tudo que aconteceu trouxe uma força imensurável para ela provar sua inocência e assim deixar a cadeia, além de conseguir a punição dos culpados pelo desaparecimento e morte de seu filho caçula. 

    A Ponte acompanha a história de mãe e filho desde a manhã do dia 14 de novembro do ano passado, um dia após Lucas Eduardo desaparecer, depois de sair de casa para comprar um refrigerante Dolly e um pacote de bolachas em uma quitanda dentro da Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia de Santo André, na Grande São Paulo. O adolescente morava em um casa simples com a mãe, o irmão mais velho e a cunhada.

    Maria Marques é mãe de Lucas, que, segundo ela, despareceu após ser abordado por PMs; alguns dias depois, o corpo dele foi encontrado | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Familiares e vizinhos afirmam que Lucas desapareceu após ser abordado por policiais miliares ao sair da vendinha. Seu corpo foi encontrado boiando num lago no Parque Natural Municipal do Pedroso, também em Santo André, na manhã do dia 15 de novembro.

    Passados exatos dois meses, o caso segue sem solução. Um IPM (Inquérito Policial Militar) que investiga os policiais militares Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos, ambos do 41º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), segue em andamento, em paralelo às investigações do Setor de Homicídios de Santo André, chefiado pela Polícia Civil. O processo corre em segredo de Justiça.

    Por ironia do destino, a única pessoa presa até o momento é a mãe de Lucas. Testemunha do desaparecimento do filho, Maria Marques cumpre pena de cinco anos por tráfico de drogas na Penitenciária Feminina de Sant’ana, no Carandiru, zona norte da capital desde 22 de novembro, devido a um mandado de prisão expedido em 2017. A Ponte apurou que nem mesmo funcionários da unidade prisional acreditam que a mulher seja traficante, “no máximo uma usuária”.

    Ela foi detida ao prestar depoimento sobre o sumiço de Lucas. Seu relato era um dos mais aguardados, já que a mulher afirma ter escutado a voz do filho dizer “eu moro aqui”, no mesmo instante em que PMs em duas viaturas pararam em frente a sua residência e a pediram autorização para acessar cômodos da casa. Segundo a mulher, um dos agentes utilizava uma touca que cobria todo seu rosto. 

    Fachada da penitenciária feminina onde está Maria, que fica na zona norte de São Paulo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Maria nega ser traficante e acusa dois policiais civis que faziam campana na Favela do Amor em busca de drogas de ter armado sua prisão.
    “Eu fui forjada. Eu não estava traficando. Os próprios policiais disseram (em depoimento) que eu não estava com a droga. Jamais ia vender drogas com meu filho (Lucas) do meu lado”, afirmou.

    Na ocasião, a mulher ficou três dias em uma delegacia em Santo André e outros 12 dias no CDP (Centro de Detenção Provisória) Franco da Rocha até ser colocada em liberdade, situação em que permaneceu até o final do ano passado.

    Para que pudéssemos contar toda a história de Maria Marques, desde sua detenção com a suposta droga em uma viela, passando pelo desaparecimento de seu filho e sua prisão atual, foi necessário percorrer um caminho que teve início após um pedido de entrevista junto a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária). O juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, do Deecrim (Departamento Estadual de Execuções Criminais) autorizou a entrevista e negociamos uma data com a direção da Penitenciária Feminina de Sant’ana, unidade que comporta 2.696 mulheres e que tem população de 2.249 pessoas.

    No dia 9 de janeiro, a equipe de reportagem chegou ao local às 14h. Após uma breve checagem dos dados na portaria da unidade localizada na avenida General Ataliba Leonel, 656, percorremos uma área arborizada até a triagem. No local, enquanto era realizado um cadastro para nossa entrada, outros funcionários da SAP atendiam familiares de detentas que haviam chegado com os “jumbos” (alimentos e materiais de higiene), que eram minuciosamente analisados. 

    Após passar pelo scanner corporal, que substituiu a revista manual dos visitantes de presídios, a equipe de reportagem foi recebida pela direção de disciplina da unidade e um assessor de imprensa.

    Celulares, carteiras e relógio tiverem que ser deixados num armário, sendo permitido a entrada dos equipamentos listados previamente, como máquina fotográfica, microfones, tripés e iluminação. No trajeto até a sala de reunião, local da entrevista, também foi explicados que não se poderia gravar imagens do lado de fora da sala, em que era possível avistar parte de um dos pavilhões e as janelas das celas.

    Nem cinco minutos na sala e Maria Marques chega acompanhada da diretora de disciplina vestindo camiseta branca com as inicias do Presídio Feminino de Sant’ana e calça marrom. Disciplinada nos afazeres diários da casa de detenção, Maria foi “abraçada” e ganhou o respeito das outras presas.

    Com unhas dos pés e mãos feitas, Maria nos dá boa tarde e começa a contar sobre o dia em que foi presa. Procurando não deixar escapar nenhum detalhe, ela diz que vive na Favela do Amor desde 1997, que nunca havia se envolvido em crime e que afirma saber de quem era droga a ela imputada, mas, devido ao temor em sofrer represálias dentro da própria comunidade, optou por não contar e acabou condenada por tráfico.

    De fala mansa e firme, Maria se mostra uma mulher forte, mas conta que temeu por sua vida ao acusar policiais militares de terem sumido com seu filho. Para ela, a evidência da participação dos PMs está no fato de eles terem ido até sua casa poucas horas depois do sumiço fazendo diversas perguntas.

    Segundo a mulher, o medo fez com que inventasse que era madrasta do menino e que se chamava Teresa. “Fiquei com medo dos policiais. Se eu soubesse [da ordem de prisão] não teria colocado a cara. Eu ia me esconder. Fiquei com medo dos policiais”, revela.

    Sobre a motivação para a morte de Lucas, a mulher crê que os PMs estariam atrás de seu filho Vitor, 16, irmão de Lucas, que havia sido apreendido, meses antes, por um dos PMs afastados, após estar próximo de uma motocicleta roubada.

    Outro ponto até então que não era de conhecimento da reportagem, mas que foi dito por Maria Marques, é de que Lucas havia sido abordado por policiais militares no interior da favela um dia antes de sumir. De acordo com Maria Marques, o garoto chegou em casa assustado após a ação. “Ufa, mãe. Acabei de sair de um enquadro”, contou o menino.

    Já presa, Maria Marques teve apenas 15 minutos para se despedir do filho, enterrado em 30 de novembro no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, na Vila Curuçá, em Santo André. Algemada e com uniforme do presídio, o mesmo modelo em que nos concedeu a entrevista, ela foi escoltada por agentes fortemente armados. Ela conta que sua maior tristeza foi encontrar “o caixão lacrado”, já que “não deu nem ao menos para tocar na mão dele”.

    Agora, além de buscar justiça para ela e seu filho, só pensa em receber a visita de seus familiares, que passados quase dois meses de sua prisão, ainda não conseguiram autorização para a visitar por problemas na confecção da carteirinha para acesso ao presídio. Além dos parentes, Maria Marques está ansiosa para receber notícias sobre seus cães.

    Ao se despedir, depois de cerca de 50 minutos de gravação, a mulher ainda encontrou forças para manifestar solidariedade a outras mães que passaram por casos semelhantes ao seu e que se sentem desamparadas pelo Estado. 

    “Queria deixar um recado para todas as mães que perderam os filhos para a polícia. Vamos dar a mão uma a outra e vamos em busca de Justiça. Porque é isso que a gente quer. Justiça por nossos filhos que foram arrancados de dentro de nossas casas, arrancados de bar, que saíram de casa simplesmente para comprar bolacha e refrigerante e não voltaram mais, através de policiais que sequestraram, sequestram e matam”.  

    A advogada Maria Zaidan informou à Ponte que pretende entrar com pedido de revisão de pena no STJ (Superior Tribunal de Justiça) no dia 20 de janeiro.

    Procurada, a SAP não se pronunciou sobre a demora na confecção das carteirinhas para que familiares de Maria Marques Martins dos Santos possam visitá-la.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas