Polícia chama jovem preso de 'ladrão e vacilão' em boletim de ocorrência

    Ruan foi detido em flagrante após tentativa de furto na Grande SP; no registro, foi identificado como ‘ladrão e vacilão’ por causa da frase que teve tatuada na testa em 2017 por vingança

    Ruan em março do ano passado, quando ainda estava internado em uma clínica, em entrevista à Ponte | Foto: reprodução

    Na madrugada desta quinta-feira (14/2), Ruan Rocha da Silva, 18 anos, foi preso após tentativa de furto a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), na avenida Doutor José Fornari, em Ferrazópolis, São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. No boletim de ocorrência, assinado pelo escrivão Vitor dos Santos Coutinho e pela delegada Renata de Souza Muassab, no espaço em que é possível colocar o apelido do suspeito – chamado no jargão policial “vulgo” – as autoridades definiram Ruan como “ladrão e vacilão”.

    Delegada e escrivão faziam referência a um episódio que tornou Ruan conhecido, em maio de 2017, quando, ainda adolescente, tentou furtar uma bicicleta e acabou sendo torturado por dois homens que tatuaram na sua testa: “Eu sou ladrão e vacilão”. A agressão foi gravada em vídeo e depois compartilhada em aplicativos de mensagens, causando exposição e humilhação.

    Os agressores de Ruan, o tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis e o pedreiro Ronildo Moreira de Araújo foram condenados em fevereiro do ano passado a mais de 3 anos de prisão por lesão corporal gravíssima e constrangimento ilegal. As marcas em Ruan não saíram totalmente até hoje, mesmo após dezenas de sessões a laser.

    Nesta quinta-feira, Ruan entrou na UPA e foi até o armazém de produtos de limpeza que fica nos fundos da unidade. No local, funcionários também guardam seus pertences. De acordo com o B.O., ao notar que estava sozinho no local, o jovem teria furtado pouco mais de R$ 20 em dinheiro, um celular e um moleton, quando foi flagrado por uma funcionária que gritou por socorro. Um vigilante foi ao local e acionou também a Guarda Civil Municipal de São Bernardo, que conduziu Ruan até a delegacia.

    A delegada arbitrou fiança de um salário mínimo, contudo Ruan acabou ficando detido por não ter o dinheiro.

    Dependente químico, Ruan contou, em março do ano passado, seus dramas e sonhos à Ponte, em entrevista concedida nas instalações da clínica Grand House, onde estava internado em tratamento para conseguir parar de usar drogas. Era lá também que passava pelas sessões de remoção da tatuagem na testa. Na ocasião, Ruan disse que, assim que estivesse livre do vício em drogas,  pensava em terminar os ensinos fundamental e médio e, depois, se matricular em um curso técnico ou universitário na área da saúde, pela qual passou a nutrir grande admiração devido ao tratamento. Algumas semanas depois da conversa, Ruan teve uma recaída e foi detido suspeito de furtar desodorantes em um supermercado localizado em Mairiporã, perto da clínica.

    A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública para questionar sobre a conduta das autoridades policiais em registrar o vulgo como sendo “ladrão e vacilão”, fazendo com que Ruan rememore as humilhações sofridas em 2017. Em nota*, a pasta afirma que foi o próprio Ruan quem disse que era “ladrão e vacilão”.

    “A Polícia Civil de São Bernardo do Campo esclarece que em todo e qualquer registro de ocorrência com prisão é solicitada ao infrator a informação do seu apelido (vulgo). Indagado, o indiciado afirmou ser ‘ladrão e vacilão’, termo que foi reproduzido no boletim de ocorrência. O rapaz teve a prisão em flagrante convertida em preventiva após a audiência de custódia. O Núcleo Corregedor da Seccional de São Bernardo do Campo apurará eventual irregularidade cometida pelos policiais”, diz a nota na íntegra.

    *Reportagem atualizada às 10h26 do dia 15/2

     

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