Processo contra 18 jovens presos no CCSP deve ouvir "major Balta"

    Em maio, MP arquivou, por falta de provas, inquérito contra adolescentes do caso que citava Kim Katiguiri e Reinaldo Azevedo

    Botelho, o Balta, no dia da prisão dos 18 do CCSP

    O major de inteligência do Exército Willian Pina Botelho, que, com o nome falso de Balta Nunes, participou de uma operação que culminou na detenção de 18 jovens no Centro Cultural São Paulo, em 4 de setembro do ano passado, deve ser ouvido no processo que acusa os jovens de associação criminosa e corrupção de menores.

    O processo, que a partir desta sexta-feira (22/9) entra na fase de instrução – em que a juíza Cecília Pinheiro da Fonseca, da 3ª Vara Criminal do Fórum Criminal da Barra Funda, passa a ouvir os réus e as testemunhas – vinha até então ignorando a atuação do major, como a investigação da Polícia Civil também havia feito. O nome de Balta/Botelho não apareceu no inquérito do delegado do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), Fabiano Fonseca Barbeiro, responsável pela prisão dos jovens, e também não deu as caras na denúncia do promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza, aceita pela Justiça.

    Juíza marca audiência de manifestantes presos com capitão do Exército
    Promovido e inocentado, espião do Exército encara novos desafios na Amazônia
    Delegado que prendeu manifestantes pede restrições a protestos
    Promotor usa vinagre como prova de crime e omite espião do Exército
    “Infiltrado do Tinder” que espionava manifestantes é capitão do Exército
    Governo Alckmin infiltrou PM em Tinder para prender manifestantes, dizem vítimas
    Jovem é preso pela PM de SP ao estudar para TCC
    Policiais são suspeitos de manipular provas para criminalizar manifestantes

    O major, contudo, foi lembrado pelos advogados dos réus, que pediram o seu arrolamento como testemunha no processo. Como Botelho passou a viver no Amazonas desde que foi promovido “por merecimento” a major, no Natal do ano passado, o militar deve ser ouvido à distância, por meio de carta precatória, no Fórum Ministro Henoch da Silva Reis, em Manaus, segundo os advogados relataram à Ponte. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não confirma a informação, já que o processo corre em segredo de justiça, a pedido da juíza Pinheiro.

    Dos réus, 17 eram manifestantes que se preparavam para participar de um protesto contra o presidente Michel Temer (PMDB) na Avenida Paulista, junto com mais três adolescentes. Um outro é um estudante que havia ido à biblioteca do CCSP para pesquisar um livro sobre vinil e acabou preso junto com os demais. Segundo a denúncia do MP, os jovens haviam se reunido com o objetivo de destruir patrimônio público e privado e de ferir policiais militares.

    Entre as provas apreendidas pela Polícia Civil com os 18 jovens e as três adolescentes, estão equipamentos de primeiros socorros, vinagre, máquinas fotográficas, celulares, um chaveiro do Pateta, um disco metálico e uma barra de ferro – que os manifestantes afirmam ter sido “plantada” por policiais militares.  O papel no episódio do major Botelho, que há mais de um ano vinha atuando como infiltrado em manifestações populares e encontros de movimentos sociais e partidos de esquerda, foi alvo de investigações do Exército e do Ministério Público.

    Movimentos sociais, estudantes secundaristas, sindicatos e artistas prometem se reunir hoje diante do Fórum Criminal da Barra Funda, em protesto contra as acusações, que consideram uma “criminalização do direito de manifestação”. Ao longo da semana, o processo contra os 18 do CCSP recebeu críticas de políticos, como o deputado federal Paulo Teixeira e o vereador Eduardo Suplicy, ambos do PT, e de grupos como o Fórum Municipal da Educação, que chamou o processo de “risco enorme para a nação brasileira”, a Juventude da CUT e os artistas do Dolores Boca Aberta, que gravou um vídeo sobre os 18, com o mote “podia ser eu, podia ser nós, podia ser você”.

    Falta de provas

    As acusações contra os manifestantes já sofreram dois reveses na Justiça. O primeiro ocorreu na audiência de custódia, em 5 de setembro do ano passado, quando o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo considerou a detenção dos jovens ilegal e determinou o relaxamento da prisão, comparando o comportamento da polícia no episódio à ditadura militar.

    A segunda decisão judicial que questionou a fragilidade das provas apresentadas pela polícia partiu da promotora Mariana Apparício de Freitas Guimarães, da 1ª Vara Especial da Infância e da Juventude da Capital, em 4 de maio deste ano. A promotora, que analisou as acusações levantadas pelo Deic contra três adolescentes detidos junto com os 18, determinou o arquivamento do inquérito por falta de provas.

    O procedimento também correu em segredo de justiça, por envolver adolescentes, mas a Ponte teve acesso à decisão. No texto, a promotora faz referência às evidências apresentadas pelo delegado Barbeiro, que no relatório encaminhado ao Ministério Público listava os objetos apreendidos com as adolescentes e inseria, anexado ao inquérito, um histórico das manifestações populares a partir de 2013 e um texto intitulado “Movimentos sociais e ações de vandalismo”, que “traz considerações sobre essas manifestações populares, o Movimento Passe Livre e sobre os ‘Black Blocs’, de autoria não identificada, culminando com artigos dos colunistas Reinaldo Azevedo, da Revista Veja, e Kim Kataguiri, do jornal Folha de S.Paulo”.

    Nada disso convenceu a promotora. Segundo ela, “os elementos constantes dos inquérito policial não apontam que as adolescentes faziam parte de alguma organização criminosa, já que não há prova de que elas possuíam uma relação estável e permanente entre si e com os imputáveis [os 18 adultos presos com elas], com a finalidade de cometer crimes”.

    A promotora prossegue afirmando que “o só porte dos objetos apreendidos” não permite concluir que as meninas estavam reunidas para destruir patrimônio ou atacar policiais. Para isso, segundo Guimarães, seriam necessárias outras provas, que a investigação não trouxe. “Mas o que se tem nos autos é que o grupo foi abordado por policiais militares, não em razão de uma investigação que teria identificado o grupo como uma ‘célula’ do grupo ‘Black Blocs’ ou outra organização criminosa destinada à prática daqueles crimes, mas sim após singela indicação de um popular de que havia um grupo de pessoas vestidas de preto no local, que portavam máscaras e gorros”. O arquivamento foi homologado em 5 de maio pela Justiça.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas