Penitenciária de SP usa até menstruação como desculpa para barrar visitas, segundo familiares

    Depois que uma visita passou por revista íntima, presos da P2 de Franco da Rocha se revoltaram e fizeram um dia de greve; em represália, segundo familiares, presídio impediu a visita de 90 mulheres

    Local onde as comidas são entregues no dia das visitas na Penitenciária II de Franco da Rocha | Foto: arquivo pessoal

    Aos domingos, às 6h da manhã, a entrada da Penitenciária II Nilton Silva, a P2 de Franco da Rocha, localizada a 40 quilômetros da cidade de SP, já está cheia de familiares para realizar visita. Atualmente, 921 presos estão no local. No domingo (8/3), não foi diferente. A diferença, desta vez, foi que mais de 90 mulheres não puderam realizar a visita e tiveram as suas carteirinhas retidas pela administração da unidade prisional.

    Os motivos alegados foram diversos, segundo o relato de algumas dessas mulheres à Ponte. O tecido da calça, a estampa ou tamanho da camiseta e o volume dos potes de comidas são alguns deles. As familiares que procuraram a reportagem pediram para não serem identificadas por medo de represálias.

    Tudo começou, segundo contam as mulheres, depois que uma familiar de um dos presos passou por revista íntima, proibida no estado de SP desde 2014, por força da lei 15.552. Na última segunda-feira (2/3), os presos decidiram, então, fazer um protesto pacífico e parar as atividades: quem trabalha ou estuda, não realizou as funções naquele dia. A “greve” durou 24 horas.

    Dois dias depois, na quarta-feira (4/3), o GIR (Grupo de Intervenção Rápida), a tropa de choque dos presídios, foi acionado. Todos os objetos e alimentos dos presos foram jogados fora naquele dia, segundo relato das famílias, e muitas agressões também teriam acontecido durante a ação.

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    O terceiro passo foi a suspensão das visitas para alguns familiares, segundo relatos, escolhidos aleatoriamente e sem uma justificativa convincente. Cerca de 90 mulheres não puderam entrar e tiveram a carteirinha retida. A promessa da direção da penitenciária é que os documentos de acesso ao presídio serão devolvidos nesta quinta-feira (12/3).

    “Para cada mulher, eles inventavam uma desculpa. Eu também voltei e alegaram que era a camiseta, mas eu sempre entro com ela. Era uma camiseta lisa, vermelha, folgada e comprida”, contou à Ponte uma operadora de telemarketing de 40 anos.

    Uma monitora escolar de 56 anos conta que só conseguiu visitar o filho porque comprou uma nova calça. “Eu até brinco que é meu uniforme, porque eu sempre vou com a mesma roupa. Só consegui entrar às 13h, sendo que cheguei lá às 7h30. Eu passei mal, me deu dor de cabeça”, relata.

    A mãe conta que, depois da ação do GIR, seu filho ficou sem nada. “Os presos vão se revoltar com isso, a impressão que dá é que eles estão incitando uma rebelião. Tudo que ele tinha foi jogado fora. A gente manda [alimentos e objetos de higiene pessoal] com muita dificuldade”, conclui.

    A alimentação dos presos na P2 de Franco da Rocha não é saudável. É o que aponta a esposa de um deles. Uma cuidadora de idosos de 28 anos conta que o cardápio do presídio é arroz, ovo e macarrão alho e óleo.

    A cuidadora afirma que também não pode entrar na visita, porque os agentes disseram que a camiseta que ela estava usando era “muito transparente”. “Teve mulher que não pode entrar por estar menstruada. Não teve conversa, eles falaram que não íamos entrar e tomaram nossas carteirinhas”, relata.

    Uma professora de 33 anos, que visita o irmão na P2 de Franco da Rocha, detalhou como funciona a revista. “Eles revistam a gente com as mãos, apalpando, depois passam o scanner”, delata.

    Ela denuncia que os pacotes com alimentos e itens de higiene pessoal, conhecidos como “jumbo”, não puderam entrar na última quarta-feira (4/3). “A gente mandou jumbo na quarta passada, essa semana não pudemos deixar porque o GIR tava lá. Não é barato comprar tudo, a gente ainda tem gasto com gasolina para ir até lá e eles fazem isso”, critica.

    “É desumano. Meu irmão errou, mas ele está pagando. Aí a gente vai lá e é humilhado dessa forma? A minha mãe passou mal. Muita mulher grávida e idosa não pode entrar”, continua a professora.

    As revistas também têm irregularidades, segundo afirmaram as familiares à Ponte. “Além de a gente passar no scanner, eles passam a mão na gente. Até criança recém-nascida tem que tirar a roupa para revistar. E eu sei que isso não é o procedimento certo”, denuncia a cuidadora de idosos.

    A esposa de outro detento também conta como foi o domingo de visitas: “Teve visita que voltou por causa de um prendedor de cabelo, por causa de um bolo”.

    Uma estudante de fisioterapia de 24 anos, esposa de um detento, afirma que os agentes penitenciários sempre tratam os presos com “muita desumanidade”. “A água é racionada, eles não têm luz, não comem direito”, afirma.

    “Eles erraram sim, estão pagando, mas eu não entendo. Se eles são reeducandos, estão ali para reeducar, por que são tratados dessa forma? Eu não concordo com isso. É muita falta de amor. Eu entrei, vi o meu marido, mas me solidarizo com as mulheres que não entraram”, aponta a estudante.

    A Pastoral Carcerária e a Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos) acompanham o caso.

    Outro lado

    Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária informa que as denúncias não procedem.

    “A Secretaria da Administração Penitenciária informa que no domingo, 8/03, 659 visitas acessaram o presídio para encontrar um total de 530 presos na Penitenciária “Nilton Silva” II de Franco da Rocha, sendo revistadas mecanicamente por meio de escâner corporal e detectores de metais. A checagem manual se limita apenas nas blusas, chinelos, roupas excedentes, fraldas, comida entre outros artigos que também passam por raio-x. As regras para ingresso na penitenciária estão expostas em quadros de aviso instalados no rol de visitas”, diz trecho da nota.

    A pasta informa que houve casos pontuais de pessoas com roupas inadequadas que foram impedidas de entrar.

    “O fornecimento de água, especialmente em dias de visita, é ininterrupto. No fim de semana especificado pela reportagem, o diretor da unidade esteve no plantão e não presenciou qualquer tipo de agressão verbal, inclusive conversou e tirou dúvidas de visitantes”, continua a nota.

    A SAP também confirma que visitantes barrados têm a carteirinha retida e que não há devolução coletiva.

    “No último dia 4, o Grupo de Intervenção Rápida (GIR) foi acionado para apoio na segurança durante revista realizada na unidade”, concluiu.

    Reportagem atualizada às 18h25 do dia 15/3 para inclusão da nota da SAP

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