Escultura de Lamarca retirada por Salles em 2017 é reinaugurada em SP

Homenagem aconteceu na cidade de Cajati na data de 50 anos da morte do guerrilheiro. Há quatro anos o busto foi retirado a pedido de Ricardo Salles, então secretário de Alckmin e ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro

Nesta sexta-feira (17/9), integrantes de diversos movimentos sociais, incluindo parlamentares, se reuniram no Parque do Rio Turvo, em Cajati, cidade do Vale da Ribeira, interior paulista, para homenagear Carlos Lamarca, guerrilheiro e capitão do Exército que foi assassinado por agentes da ditadura em 17 de setembro de 1971 no interior da Bahia. Um novo busto de Lamarca foi colocado sobre uma pedra, coberta por uma bandeira com a frase “Lamarca Vive!” estampando o tecido verde.

O ato simbólico ocorreu no mesmo local em que uma primeira estátua foi colocada em 2012, uma decisão do Conselho do Parque, integrado por membros do poder público e da comunidade, que seguiu todos os trâmites administrativos e públicos. Posteriormente, em 2017, Ricardo Salles, então secretário de meio ambiente do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e ex-ministro de Bolsonaro, mandou que a Polícia Militar retirasse o busto de Lamarca do local, após uma visita ao Parque do Rio Turvo.

Um painel que narrava a passagem de Lamarca e outros 18 guerrilheiros por aquela região em 1970, onde estabeleceram um campo de treinamento, também foi retirado, segundo informações do manifesto público no site lamarcavive.com.

No ato, a ativista do Movimento Mundial das Mulheres de Eldorado Yvi Wiens ressaltou a importância da luta das mulheres durante o período da ditadura militar. “Eu queria homenagear não só o capitão Lamarca, mas também todas as mulheres que tombaram, que foram torturadas, que foram assassinadas durante esse período da ditadura”, afirmou. “Não podemos deixar os fascistas tomarem o que é nosso, inclusive a narrativa, a memória, então por menos estátuas de Borba Gato e por mais bustos de Lamarca, Lamarca vive, Lamarca presente”, declamou.

Leonardo Pinho, do Unisol (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários) Vale da Ribeira alertou para as tentativas de apagamento da memória no Brasil praticadas por outras figuras políticas. “O direito à memória violado ilegalmente por Salles não é apenas aqui, estão acabando com todas as estruturas inclusive de responsabilização de garantia de memória e verdade no Brasil, estão atacando os espaços de participação e controle social, os conselhos no Brasil todo”, diz.

Nesse sentido, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) apontou que Lamarca organizou a resistência à ditadura. “Logo após o AI-5, quando não era mais possível fazer política no Brasil, Lamarca nessa região organizou a resistência.”

https://ponte.org/artigo-secretario-de-seguranca-na-ditadura-coronel-erasmo-dias-foi-um-bolsonarista-precoce/

A retirada dos patrimônios do parque provocou indignação nos integrantes do Conselho do Parque e de movimentos sociais. Com isso, em agosto de 2018 o promotor de Justiça Nilton de Oliveira Mello Neto ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) alegando a prática de ato de improbidade administrativa ambiental cometida por Salles. O documento afirma que o ex-ministro não era autorizado a mandar remover o busto e os painéis,  já que a instalação havia sido autorizada pelos gestores do local. Também indica que, com a remoção, Salles causou dano ao patrimônio público: na época, a instalação do busto e painéis custou R$ 639 mil.

A ação ainda tramita sem um desfecho na Justiça. Além disso, o busto original nunca mais foi encontrado. Caso condenado, Salles deverá pagar R$ 64 mil de indenização e ainda pode ser preso por um período de seis meses a dois anos. Em abril de 2020 a juíza Ana Carolina Gusmão Souza Costa deu provimento a ACP.

A luta contra a ditadura militar fez parte da vida de Lamarca, que com outros 17 membros da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) treinou técnicas de guerrilha em meio à Mata Atlântica, onde hoje fica o parque. O guerrilheiro atuou no Exército ainda jovem, mas desertou e foi expulso da corporação em 1969, com isso ingressou na luta armada e deixou as forças militares. 

Em 1971, Lamarca foi para o sertão da Bahia. Já desligado da VPR, passou a integrar o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e permaneceu no município de Brotas de Macaúbas para instituir uma base da organização naquela região. Em 17 de setembro de 1971, aos 34 anos, o guerrilheiro foi fuzilado por integrantes da “Operação Pajuçara”, em Ipupiara, no interior da Bahia.

De acordo com o manifesto “Lamarca Vive”, essa operação, iniciada em agosto de 1971, “entrou para a história como uma das mais violentas, sobretudo em Buritis, que se tornou à época um verdadeiro campo de concentração, com torturas e assassinatos em praça pública, diante da população.”

Outro lado

A reportagem questionou Ricardo Salles sobre os motivos da retirada do busto de Lamarca em 2017 e o paradeiro da escultura, mas não teve respostas. O MPSP e o Tribunal de Justiça de São Paulo não deram informações sobre a tramitação do processo contra Salles.

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