Exílio de Jean Wyllys é sintoma de contexto de violações de direitos, apontam ONGs

    Human Rights Watch e Anistia Internacional cobram responsabilidade do Estado brasileiro e apontam ataque à democracia; no Twitter, cantor Lobão sugere que saída de Wyllys tem a ver com facada em Bolsonaro e gera ataques virtuais ao deputado

    Jean Wyllys abriu mão do mandato por medo de morrer | Foto: Reprodução Facebook

    O deputado federal Jean Wyllys (Psol) anunciou nesta quinta-feira (24/1) que vai abrir mão do mandato e sair do país. O anúncio gerou repercussão internacional e também nas redes sociais. Em nota, a Anistia Internacional afirmou que as instituições brasileiras devem assumir suas responsabilidades na proteção das liberdades e dos direitos humanos no país. “A decisão de abrir mão do terceiro mandato como deputado federal e deixar o país por temer pela sua vida é sintomática do atual contexto brasileiro de supressão do dissenso, de aumento da violência baseada na discriminação de gênero e orientação sexual, de restrição para a atuação de defensores de direitos humanos”, diz um trecho da nota, que trata e aponta outras violações que têm se agravado no país nos últimos meses.

    Ainda no texto, imputa parte dessa onda de intolerância ao atual presidente Jair Bolsonaro, que, segundo a Anistia, foi eleito com um discurso completamente contrário aos direitos humanos. “O cenário que se desenha quando a mais alta autoridade de um país tem esse tipo de discurso público e agenda política é de enorme risco para povos indígenas e quilombolas, pessoas LGBT, jovens negros, mulheres, ativistas e organizações da sociedade civil”.

    A Human Rights Watch também se posicionou ainda na quinta-feira. Assinada pelo diretor executivo para as Américas, José Miguel Vivanco, a nota diz que a decisão de Jean Wyllys é compreensível, mas uma “grande perda para todos os brasileiros, que têm o direito de ouvir opiniões diferentes e de expressá-las sem medo de represálias”. “O Congresso do Brasil perdeu uma voz importante para os direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) no momento em que ela é mais necessária: Jean Wyllys, um membro abertamente gay do Congresso, anunciou a desistência do mandato para proteger sua vida. Nenhum político, da esquerda ou da direita, deve se sentir forçado a abandonar sua cadeira no Congresso por causa das ameaças à sua vida”, escreve Vivanco.

    Para a HRW, o assassinato de Marielle Franco foi, de fato, um ponto de virada para o aumento dos discursos de ódio contra a figura de Jean Wyllys e o que ele representava, já que tinha como principais bandeiras os direitos de grupos minorizados, especialmente LGBTs.  Apesar disso, conforme a Ponte mostrou em dezembro do ano passado, as ameaças contra Wyllys acontecem há muito tempo e principalmente as recorrentes tentativas de assassinar a reputação do deputado, inclusive com extensa produção de fake news, como a história do Kit Gay – a preferida dos bolsonaristas -, envolvendo o nome dele. “Ele sofreu um dilúvio de falsas acusações nas mídias sociais – que ele manteve refutando em sua página na web – e relatou ter recebido várias ameaças”, aponta Vivanco.

    E as acusações sem qualquer embasamento continuam. Nesta sexta-feira (25/1), a partir de um post no Twitter, o cantor e compositor Lobão sugeriu que a decisão de Jean não tem nada a ver com proteção à vida e sim uma tentativa de fugir do país por temer ser descoberto no caso de ataque a faca contra Bolsonaro ainda na fase de campanha. Por causa da acusação feita sem base alguma por Lobão contra o deputado, a hashtag #InvestigarJeanWillis (desse jeito com a grafia incorreta, já que o nome do deputado é com y) ficou nos TTs (Trending Topics) do Twitter.

    O PSOL reagiu aos ataques contra a idoneidade do integrante do partido criando a hashtag #ForçaJean e informando que vai acionar judicialmente todas as pessoas que levantaram falsas acusações contra Jean Wyllys, além de recuperar um tweet do deputado na época da facada em Bolsonaro, lembrando que ele manifestou total repúdio ao ataque. “Terão que sair do conforto do Twitter e encarar a Justiça”, diz publicação do partido, que ainda pede que todas as denúncias de ataques ou falsos conteúdos ligados a Jean devem ser enviados ao e-mail [email protected].

    Em novembro do ano passado, durante visita no Brasil, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos cobrou do Estado brasileiro responsabilidade sobre o caso das ameaças ao parlamentar. Na época, a CIDH concedeu medida cautelar em caráter emergencial e definiu “situação de gravidade e urgência”. A exigência do órgão internacional vinculado a OEA (Organização dos Estados Americanos) atendeu ao pedido apresentado pelo próprio deputado. Segundo a comissão, as provas apresentadas ““demostram que o senhor Jean Wyllys  se encontra em uma situação de gravidade e urgência, posto que seus direitos à vida e à integridade pessoal estão em grave risco”.

    Nesta quinta-feira, a imprensa divulgou que alguns minutos após o anúncio da desistência do mandato do deputado, Jair Bolsonaro, bem como seu filho, Carlos, teriam comemorado a notícia nas redes sociais. O presidente, contudo, negou que isso fosse verdade e afirmou que as comemorações nas redes sociais tinham a ver com o Fórum Econômico Mundial em Davos.

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