Imigrante da Gâmbia é morto pela PM em bairro rico de SP

    Abalado por estar desempregado, Bubbacarr Dukureh passou a correr à noite para ‘aliviar a cabeça’. Acabou morto nos Jardins. Na mochila, levava dois currículos e uma faca de cozinha comprada a pedido da esposa

    Bubbacarr Dukureh com seu filho no colo, hoje a criança tem 3 anos | Foto: Arquivo pessoal

    No início da noite de 15 de setembro deste ano, Fernanda de Souza Almeida, 34 anos, pediu para que seu marido, o imigrante gambiano Bubbacarr Dukureh, 28 anos, não saísse de casa. Horas depois, já durante a madrugada, a auxiliar de cozinha descobriria que o companheiro havia morrido, baleado por um policial militar.

    Segundo a viúva, Buba, como era conhecido pelos amigos no Brasil, estava atravessando um momento difícil nos últimos meses. Vivendo no país desde 2014, estava desempregado desde dezembro do ano passado. A esposa afirma que a falta de perspectiva mexeu com o estado psicológico do marido.

    “Ele estava muito diferente. Ele sempre foi uma pessoa tranquila e isso mudou nos últimos tempos. Começou a falar sozinho dentro de casa, a ver coisas, escutar vozes. Ultimamente ele tinha criado o hábito de andar ou correr sozinho pelas ruas à noite para, segundo ele, aliviar a cabeça”, conta.

    Em uma dessas saídas, na noite de 15 de setembro, Buba foi abordado por policiais militares na Avenida 9 de Julho, no bairro dos Jardins, região rica da zona sul da capital paulista. Em depoimento no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, os PMs, identificados apenas como soldado Luiz Muller e soldado Gabriel, afirmaram, sem entrar em detalhes, que o imigrante teria resistido à ação dos policiais e tentado agredi-los com uma faca. Por isso, o soldado Mazotti teria atirado com uma pistola .40 em Bubbacar.

    De acordo com o boletim de ocorrência, Buba carregava uma mochila que continha dois currículos de trabalho, uma faca de cozinha, duas estacas de madeira unidas por um segmento de corda e dois relógios, um deles quebrado.

    Segundo Fernanda, a faca que o marido carregava tinha sido um pedido dela. Bubbacarr também era auxiliar de cozinha e o casal se conheceu quando trabalhavam juntos em um restaurante no bairro de Moema, na zona sul paulistana. “Eu tinha pedido para ele comprar uma faca nova para mim. Eu não sei qual era o estado psicológico dele no momento que a polícia parou ele, mas não justifica atirar nele”, diz a viúva.

    Uma das principais queixas de Fernanda foi a demora para o socorro ao seu marido, além da falta de informação para a família. No documento da Polícia Civil, consta que o Bubbacarr morreu às 20h50, mas que a ocorrência só foi comunicada à 0h59 do dia seguinte. Ela conta que por pouco o marido não foi encaminhado ao Instituto Médico Legal como pessoa não identificada.

    “Eu liguei diversas vezes para o telefone do meu marido. Estava chamando. Eu mandei várias mensagens preocupada com a hora e ele não voltava. Até que fui em uma delegacia atrás dele e disseram que tinha uma ocorrência de um homem com as mesmas características dele e que tinha sido morto pela polícia.”

    No boletim, os peritos da Polícia Civil atestam que o local onde Buba foi morto é rodeado de lojas e condomínios que contam com câmeras de segurança e que as imagens seriam solicitadas para análise. Passado quase um mês da morte do marido, Fernanda diz que não teve acesso ao material que poderia mostrar o momento e as circunstâncias exatas em que o companheiro foi morto.

    “Eu mesma cheguei a ir lá pedir os vídeos para alguns comerciantes e no prédio que fica em frente onde ele morreu. Eles parecem estar acuados e não querem me falar nada. Só dizem que a polícia já pegou as imagens”, denuncia.

    Bubbacar Dukureh foi enterrado em 3 de outubro na Gâmbia, país da África ocidental, após a família conseguir fazer o traslado do seu corpo. Além da viúva, o auxiliar de cozinha também deixou um filho de três anos. “Meu filho está traumatizado, não consegue fazer nada”, conta Fernanda.

    O caso está sendo acompanhado pela organização Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC). Em um comunicado nas redes sociais, a entidade afirma que está prestando apoio à família e esperando o resultado das investigações feita pela polícia.

    Ajude a Ponte!

    “Nós do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante) lamentamos profundamente a morte de Buba, que se soma a uma longa lista de situações violentas, algumas delas fatais, vividas por migrantes no Brasil no passado recente. Estamos prestando atendimento psicológico à viúva e vamos acompanhar o caso de perto, na expectativa de que os fatos sejam elucidados, a justiça seja feita e os culpados sejam punidos”, diz um trecho da nota.

    Outro lado

    A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo com as seguintes perguntas?

    1 – Qual a linha de investigação do DHPP?

    2 – Qual o nome do policial que efetuou o disparo?

    3 – O PM utilizava câmera em seu uniforme? Se sim, podemos ter acesso as imagens?

    4 – A Polícia Civil está de posse de imagens feitas por câmeras de segurança dos arredores?

    Em resposta a pasta emitiu a seguinte nota:

    O caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pela 2ª Delegacia da Divisão de Homicídios do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A equipe da unidade já realizou a oitiva de testemunhas que possam auxiliar no esclarecimento dos fatos. As diligências prosseguem

    (*) Atualizada em 13/10, às 14h45, para acrescentar o posicionamento da Secretaria da Segurança Pública

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