Indígenas relatam espancamentos e prisões após ataque da PM no MS

Lideranças indígenas afirmam que feridos na ação da Polícia Militar em Amambai são presos quando procuram ajuda médica. Governo liga indígenas à plantação de maconha do Paraguai

Local onde aconteceu ataques a indígenas, em Amambai (MS) | Foto: Reprodução/Instagram

O indígena Vitor Fernandes morreu durante uma ação da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra povos Guarani Kaiowá em um território no município de Amambai, no interior do estado, na noite da última quinta-feira (23). Pelo menos outras 11 pessoas ficaram feridas, incluindo duas adolescentes, na incursão violenta da PM na região, segundo lideranças indígenas.

Conforme informações da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), os ataques aconteceram nos territórios da Comunidade Guapoy, em Amambai, e Tekohá Kurupi, que fica em uma área rural do município de Naviraí. A área é reivindicada por povos originários, e os indígenas vivem disputas com fazendeiros e grileiros.

De acordo com um representante da Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani, a Aty Guasu, além do guarani kaiowá assassinado, os feridos passaram a ser espancados e presos por policiais. Segundo ele, pelo menos três indígenas foram detidos e levados para a delegacia do município após procurar por assistência médica.

Em um dos casos, uma testemunha relata que sua cunhada foi ferida por disparos de arma de fogo, sendo que um dos tiros acertou no joelho. A vítima foi rapidamente levada para o hospital, acompanhada de outros indígenas, e na unidade de saúde passou a ser escoltada por policiais civis. 

“A polícia estava o tempo inteiro como se fôssemos criminosas. Quando saímos, tiraram ela [a vítima] de nós e começaram a nos torturar. Não nos deixaram mais acompanhá-la. Perguntei o motivo de estarem fazendo isso com ela, e os policiais disseram que iam fazer boletim de ocorrência”, conta a cunhada da vítima, em um vídeo gravado pelos próprios indígenas.

Ainda segunda a testemunha, os policiais civis e militares que estavam na unidade hospitalar trataram os acompanhantes da vítima de forma violenta e não atenderam os pedidos para liberar para atendimento médico a mulher vítima de tiro na ação da PM.

“Seguimos ela com a Polícia Militar. Eles deixaram a gente sentar com ela, mas não podíamos conversar. Os três feridos foram levados para o hospital e depois voltaram para a delegacia. Então começaram a tratar as vítimas com brutalidade, mesmo elas estando debilitadas por causa dos ferimentos. Trataram com muita violência”, afirma a testemunha.

Viatura da Polícia Militar do MS em ação contra povos indígenas | Foto: Reprodução/Instagram

De acordo com um antropólogo e líder indígena da região, após os ataques, “há muita insegurança para a comunidade massacrada, pois as polícias estaduais civil e militar estão prendendo quem vai procurar por assistência médica”. Segundo ele, “policiais estão tentando criminalizar os indígenas, e isso dá muito medo”.

A criminalização dos povos indígenas que ocuparam o território em Amambai está no posicionamento oficial do Governo do Mato Grosso do Sul, sob gestão do agropecuarista Reinaldo Azambuja (PSDB).

Em entrevista coletiva após as ocorrências, o secretário estadual Antônio Carlos Videira, da pasta de Justiça e Segurança Pública, disse que a PM agiu no local para combater indígenas que trabalham com plantação de maconha no Paraguai.

O secretário disse que a ação policial não foi de reintegração de posse, mas para atender uma denúncia de crime contra patrimônio e contra a vida em uma fazenda próxima da aldeia do município. Ainda segundo Videira, povos indígenas teriam ido para aldeia tentar destituir a liderança local.

A versão do governo é contestada por líderes da região. “É tudo mentira, isso não existe. O pessoal do Paraguai não vai para Amambai, é muito longe. A divisa com o Paraguai fica, no mínimo, 300 km dali. O governo fala isso porque fez um massacre e agora quer tirar o dele da reta”, conta um guarani kaiowá.

O antropólogo indígena também diz que a acusação do governo é falsa. “Nós sabemos que existe o problema de tráfico de jovens e crianças para trabalhar com plantação de maconha, existe até investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, mas esse de Amambai não tem nada a ver com isso, não existe nenhum tipo de ligação, porque é um movimento pela terra, pela demarcação territorial de ocupações tradicionais”, explica.

O antropólogo, que também é voluntário na investigação de casos de tráfico humano de jovens indígenas, afirma com convicção que não procede essa informação do governo, e ressalta que “caso existisse alguma coisa relacionada a esse tráfico, deveria ser investigado de outra forma, e não atacando toda uma comunidade”. 

Indígena atingido por bala de borracha | Reprodução/Instagram

Por meio de nota, a assembleia Aty Guasu exige a responsabilização do Governo do Mato Grosso do Sul, do comandante do Batalhão de Operações Especiais da PM e do secretário de Justiça e Segurança Pública pelo ataque. Também aponta possível envolvimento de dois servidores da Funai, um de Amambai e outro de Ponta Porã, município vizinho que faz fronteira com Paraguai, e de um capitão reserva da PM da região, por terem “coparticipação e facilitação do massacre”.

Em comunicado feito à comunidade internacional, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil destaca que a ação da PM na última quinta-feira não é um caso isolado. “A Polícia Militar do Mato Grosso do Sul tem o histórico de atuar, sem ordem judicial e sem observar as determinações legais, como verdadeira milícia privada dos fazendeiros da região”.

A Apib diz que “é indispensável que a Relatoria Especial para os Direitos dos Povos Indígenas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e o Mecanismo de Peritos da Onu sobre os Direitos dos Povos Indígenas exijam do estado brasileiro a observância do respeito aos direitos humanos e dos povos indígenas, especialmente no que tange ao direito à vida, integridade física e territorial”.

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Por outro lado, o Governo do Mato Grosso do Sul diz que “os casos foram registrados na Polícia Civil para investigação”, e afirma que a segurança foi reformada para garantir a ordem pública. Segundo a Secretaria de Justiça e Segurança Pública, três militares foram feridos nas pernas e braços.

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