‘Justiça foi feita. Agora é seguir no sonho do meu pai’, diz filha de Mestre Moa do Katendê

    Jasse Mahi Reis da Costa comemora condenação de assassino de seu pai, fala sobre resistência e o legado de transformação social deixado pelo capoeirista

    Mestre Moa durante apresentação no Samba do Sol, evento que ocorre periodicamente em São Paulo | Foto: Reprodução/Facebook/Mestre Moa do Katendê

    Foram cerca de 13 horas até a sentença ser lida no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, na quinta-feira (21/11): o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36 anos, foi condenado a 22 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato de Mestre Moa do Katendê, 63, em outubro do ano passado, após o 1º turno das eleições.

    A família e amigos do capoeirista, que era símbolo da cultura baiana, lavaram a alma. “A gente ficou muito feliz com a condenação. Foi uma felicidade para a família toda, para os alunos, para os mestres de capoeira. Em muitos momentos, ficamos preocupados com o desfecho disso, se ia mesmo ter o julgamento, se ele seria condenado. A gente ficou com o pé atrás porque a Justiça aqui do Brasil nunca dá para saber, a gente vê vários absurdos acontecendo, né? Ficamos felizes por saber que foi feita a justiça”, afirmou à Ponte Jasse Mahi Reis da Costa, filha de Mestre Moa e presidente do Instituto que leva o nome de seu pai.

    O assassinato do capoeirista acabou ganhando grande repercussão porque se tornou símbolo de resistência e evidenciou a escalada da polarização política, intolerância e racismo. Paulo Sergio atacou Mestre Moa com 12 facadas depois que eles tiveram uma discussão após o resultado do 1º turno das eleições do ano passado, que dividiu o país ao colocar de um lado o atual presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL, atual Aliança Pelo Brasil) e do outro, Fernando Haddad (PT).

    No julgamento, o réu confessou o crime, mas procurou justificar alegando ter sido provocado pela vítima. Com muita tranquilidade, Jasse afirmou que não sente vontade de dizer nada para Paulo Sérgio. “É uma pessoa digna de pena, que não tem alma, não tem espírito de luz, que é vazia. Eu prefiro silenciar e deixar que o tempo mostre a resposta para ele”, ponderou.

    Jasse morou com o pai em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, e também em São Paulo, onde nasceu, e afirmou que isso fez os laços entre os dois se estreitarem. “Tudo me lembra ele, porque eu era a filha mais apegada. Ele está em praticamente tudo. Eu sinto saudade dos nossos aniversários, porque a gente fazia junto, dia 29 de outubro. O do ano passado foi muito forte. Esse ano já foi menos, as coisas foram se normalizando, já passou um tempo. O sentimento desse ano não foi o mesmo do ano passado”, conta.

    O julgamento aconteceu um dia depois do Dia da Consciência Negra. Questionada se, para ela, havia algum simbolismo nisso, Jasse afirmou que considera apenas uma data, porque viver é um exercício diário de resistência para quem é negro. “Na minha opinião aqui no Brasil não existe consciência negra. Vejo direto branco contando a nossa história. Então deixo a pergunta: existe consciência mesmo? Consciência de uma minoria, e a maioria? Precisamos assumir nossa cor e nossa história. A data é só pra lembrar que tem que haver uma consciência de todos e o ano todo. Porque nós, negros, resistimos o ano todo não só em novembro ou no dia 20”, criticou.

    Embora não tenha seguido os passos do pai na capoeira, Jasse conta que sempre acompanhava Mestre Moa nas saídas dos afoxés e em outros trabalhos. Ela tornou-se presidente do Instituto Mestre Moa do Katendê e pretende com isso ajudar, de alguma forma, a manter a memória e o legado do pai. “Sempre foi o sonho dele ter esse a sede principal do instituto em Salvador. No instituto vai ter aulas de capoeira, percussão, artesanato, que é justamente para tirar a criançada, a juventude da rua, para ter uma tarde de lazer, para tirar o foco das coisas ruins, do tráfico. O instituto tem como principal função agregar, abraçar a comunidade do Dique Pequeno, Engenho Velho, onde se localiza. É um prazer enorme fazer parte e ser presidente desse instituto, que é um sonho cultural do meu pai”, conta Jasse.

    A reportagem da Ponte perguntou a ela o que o pai estaria fazendo diante da ascensão da extrema direita, de discurso de ódio, muito semelhante ao que provocou sua morte, e de retrocessos e, de maneira muito direta, Jasse Moa respondeu: “fazendo o que ele sempre fez, resistindo, lutando, procurando mostrar para as pessoas que um mundo diferente é possível. Levando cultura, procurando transformar a mente das pessoas e as realidades”.

    Colaborou Fernando Poffo

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