Laudo contradiz versão da PM para morte de jovem negro na zona leste de SP

    Denilson estava voltando de um bar com um amigo, sofreu acidente de moto e disparos teriam sido ouvidos quando dupla já estava no chão; laudo médico de hospital identifica ferimento por arma de fogo

    Denilson foi baleado e caiu da moto | Foto: arquivo pessoal

    Era noite de domingo (16/9), quando Denilson Alves Rodrigues, 22 anos, conhecido como “Rosinha”, e o amigo Rony Barbosa dos Santos, 26, decidiram ir a uma tabacaria em São Mateus, na zona leste da cidade de São Paulo. Na volta, já na madrugada de segunda-feira (17/9), passaram de moto por uma viatura da Força Tática do 38º Batalhão da Polícia Militar, que teria dado ordem de parada, não atendida, e então iniciado perseguição. Na sequência, na esquina da praça Felisberto Fernandes da Silva, a dupla perdeu o controle da moto e derrapou até bater em uma árvore. Denilson chegou ao Hospital Estadual de Sapopemba, também na zona leste, já sem vida. Embora a PM negue, a família suspeita que ambos tenham sido baleados pelos policiais.

    O laudo médico de constatação da morte de Denilson feito no hospital (chamado de Guia de Encaminhamento de Cadáver) aponta que ele foi morto por “agressão de terceiros por arma de fogo”. Rony passou por cirurgia e segue internado. A equipe médica que atendeu a vítima informou ao delegado Rogério de Farias Freitas, que atendeu a ocorrência no 49º DP, que “na coxa direita foi encontrado um ferimento com orifício e, não é possível afirmar com certeza, porque não foram localizados projéteis, mas é bastante sugestivo que o ferimento tenha sido causado por arma de fogo”, conforme relatado no boletim de ocorrência.

    Denilson e o amigo perderam o controle da motocicleta e bateram contra uma árvore | Foto: arquivo pessoal

    As versões oficiais são conflitantes. Em um primeiro momento, ainda na madrugada de segunda-feira, dois PMs apresentaram a ocorrência no 49º DP como um acidente de trânsito normal. No relato, informam que foram acionados por outra equipe do 38º BPM a irem até o local dos fatos e, quando chegaram, as duas vítimas estavam no chão. Embora tenham se aproximado das vítimas e conseguido até mesmo conversar com Rony, não mencionaram se havia evidência de ferimento por arma de fogo. O Samu (Serviço Móvel de Urgência) foi acionado e levou as vítimas para atendimentos em unidades de saúde próximas do local. 

    Em contato com o Hospital Estadual de Sapopemba, o delegado Rogério Freitas soube da informação de que o laudo médico encaminhado ao IML indicava ferimento por arma de fogo. Também soube pela equipe médica que constatou a morte do jovem, ainda no hospital, que ele teve uma parada cardiorrespiratória, que havia sangramento pelos ouvidos e ferimento condizente com disparo na região da nuca.

    No início da tarde da segunda-feira, os PMs Jefferson Porangaba, André Trancoso Alves, Roberto Donizete e Roberto Ferreira Silva compareceram ao distrito policial e informaram que estavam em patrulhamento de rotina pela Avenida Mateo Bei, na madrugada, quando uma carro preto passou em alta velocidade pela viatura. Segundos depois, “uma moto também da cor preta com dois indivíduos passou em altíssima velocidade, quando decidiram proceder a abordagem pois ficou estranha a situação”, diz o boletim de ocorrência. Os PMs não mencionaram se houve disparo. Assim como na primeira versão, os policiais informaram que acreditaram ser um acidente de trânsito, acionaram socorro e justificaram que, por não atenderem esse tipo de ocorrência, acionaram o comando superior que designaria outra equipe.

    Divergência de causa morte entre os documentos | Foto: reprodução
    Laudo de encaminhamento do cadáver atesta que causa da morte foi arma de fogo | Foto: reprodução

    O delegado Freitas concluiu o boletim de ocorrência pedindo abertura de inquérito policial e encaminhou o caso à Corregedoria da PM, por entender que “não é possível concluir sobre a realidade dos fatos narrados. As versões são contraditórias”. O caso foi registrado como acidente de trânsito e morte suspeita.

    Ameaças anteriores

    Familiares e amigos — e até uma testemunha que teria ouvido pelo menos um disparo logo após a queda da moto — têm um entendimento semelhante ao da Polícia Civil. Temendo represálias, ninguém quis se identificar, mas informaram à Ponte que mais de uma testemunha relatou ter ouvido disparo de arma de fogo. No atestado de óbito, emitido algumas horas depois, a causa da morte foi registrada como “traumatismo crânio encefálico – agente contundente”, ao contrário do que o laudo encaminhado ao IML para autópsia apontava. “A história está muito mal contada, cada hora uma versão diferente. Se houve disparo, não foi dos dois, porque eles não tinham arma. Quando foram reconhecer o corpo, viram marca de perfuração de bala no pescoço dele. Acreditamos que foi a polícia”, relata uma pessoa próxima da família.

    Ainda, segundo familiares, Denilson já havia sido ameaçado por policiais. Em uma das últimas abordagens que sofreu, dias antes da morte, PMs teriam perguntado aos integrantes do veículo em que ele estava se alguém tinha passagem. Denilson teria respondido que sim — já cumpriu pena por roubo — e foi dito a ele que caso fosse pego na madrugada, era para estar armado e que eles iam trocar tiros e ele seria morto. Em outra situação de abordagem policial, desta vez junto à sua mãe, os policiais teriam também feito ameaças, segundo uma parente próxima.

    Um ótimo companheiro e pai

    “Nós éramos muito felizes. Ele nos amava muito falava e costumava dizer que eu e a filha dele [de 2 anos] éramos as mulheres da vida dele”, lamenta Mariana Tamos, 21 anos, companheira de Denilson. Ela conta que na noite do domingo, ele a chamou para acompanhá-lo à tabacaria que foi com os amigos, mas que ela negou o convite pois estava com pressentimento ruim. De madrugada, por volta das 4h da manhã, ela recebeu a ligação do irmão de Denilson contando que ele estava entre a vida e a morte. Logo depois, sua sogra confirmou o falecimento do companheiro.

    Mariana conta que após o recebimento de uma dívida trabalhista, eles conseguiram alugar uma casa e passaram a viver juntos. Segundo ela, Denilson era um ótimo companheiro, que a respeitava e a tratava muito bem, além de ser um ótimo pai. “Essa tragédia destruiu nossos sonhos, destruiu nossa família. A gente queria ter mais um filho, um menino, era o sonho dele. Tinha até nome: Dener”, conta. Não deu tempo. 

    Outro lado

    Procurada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública), através da assessoria de imprensa privada, a In Press, admite que há suspeita de abuso de força na ação policial a partir da seguinte nota: “Os PMs estão passando pelo Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar (PAAPM) que avaliará a necessidade de retirá-los temporariamente, ou não, das atividades operacionais ou realocá-los para atividades de menor potencial de risco. Além disso, foi instaurado Inquérito Policial Militar para apurar todas as circunstâncias do fato”.

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