Local de chacina em 2017, prisão em Roraima tem registro de falta de alimento e sumiços

    Denúncias foram feitas pela Pastoral Carcerária; em janeiro do ano passado, mais de 30 detentos foram assassinados em disputa entre facções criminosas

    Fachada de Penitenciária Agrícola de Monte Cristo | Foto: reprodução GoogleMaps

    Falta de alimentação, desaparecimentos e até morte. De acordo com denúncias feitas pela Pastoral Carcerária, este é o atual cenário dentro da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima. A entidade aponta que a situação tem se agravado desde o último mês e presos estão sofrendo com torturas e violações de direitos cotidianamente.

    A unidade prisional, em janeiro do ano passado, registrou mais de 30 assassinatos durante investida do PCC (Primeiro Comando da Capital) em resposta aos ataques realizados pelo CV (Comando Vermelho) no estado. Na ocasião, o juiz substituto da Vara de Execução Penal de Roraima, Marcelo Lima de Oliveira, em caráter emergencial, mandou 161 detentos do regime semiaberto para prisão domiciliar. “Não tinha segurança, não tinha agente suficiente e ia ter um banho de sangue”, disse o magistrado em entrevista para a Ponte na época. Mas não era a primeira vez. Alguns meses antes, em outubro de 2016, uma série de assassinatos aconteceu na unidade prisional também por acerto de contas do crime organizado.

    Na época, reportagem da Carta Capital mostrou que, para além da disputa entre facções, o presídio apresentava superlotação a ponto de detentos montarem barracas em uma área externa para terem onde dormir e falhas de segurança até mesmo para os agentes penitenciários.

    Em entrevista à Ponte, Maria da Conceição do Nascimento, coordenadora da Pastoral Carcerária em Boa Vista, explica que o cenário de abandono na unidade prisional é flagrante e afirmou que a questão da falta de alimentação para os presos é a mais preocupante neste momento. Segundo ela, essa situação acontece desde o começo do ano. Na época, eram servidos alimentos estragados para os presos e algumas refeições eram puladas. “Uma semana melhorava, outra semana não, aí em uma semana ficavam sem café da manhã, ou ia almoço, mas não ia a janta”, afirmou a coordenadora.

    Detentos teriam passado mal por restrição de distribuição de alimentos | Foto: Divulgação Pastoral Carcerária

    Porém, ela diz que esse quadro se agravou nesse último mês e familiares dos presos estão tendo que levar comida para eles. Sem isso, eles ficam sem comer. “Eles estão reclamando que os presos estão passando fome. Dentro do presídio não tem mais condição de fazer alimentos. Eles estão se alimentando, mas o governo em si não está dando nada”, disse Maria da Conceição.

    Ainda de acordo com a coordenadora, houve até um caso de um preso que desmaiou e depois de um tempo foi dado como morto sem explicações sobre o que tinha acontecido. Segundo ela, “não ficou bem claro” qual foi a causa da morte do preso. “Não esclareceram, realmente, se foi questão da fome ou se ele tinha outro tipo de situação que veio a causar isso daí”, afirma.

    Por conta da grave situação, a gestão administrativa, financeira e orçamentária dos sistemas prisionais e socioeducativos de Roraima passaram do Estado para a União. Esse acordo foi necessário pelo fato de o recurso para a compra de alimentação do Estado estar bloqueado. Com isso, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) ficou com a responsabilidade de administrar o sistema penitenciário de Roraima desde o dia 26 de novembro.

    Segundo a coordenadora, essa transferência para a União traz uma esperança de melhora para a Pastoral. “Agora, como entrou essa questão da intervenção, eles vão tomar conta dessa situação. Disseram que vão ver isso aí tudo, mas não sei como vai ser”, afirmou.

    Desaparecidos

    O desaparecimento de sete presos é outra questão que está preocupando familiares. De acordo com Maria da Conceição, os detentos “simplesmente sumiram de lá e até hoje isso não foi esclarecido”. O caso aconteceu em abril do ano passado. A penitenciária, segundo ela, alega que eles fugiram, mas as famílias não tiveram notícias de nenhum deles desde os desaparecimentos. De acordo com a coordenadora, ao menos quatro deles tinham envolvimento com a morte de uma agente penitenciária.

    “Eles dizem que fugiram. Mas foram para onde? Ficou uma coisa sem solução para as famílias. Sumiram da noite para o dia e tem mais de um ano que esses presos nunca procuraram as famílias. Os parentes alegam que eles foram mortos, deduzem que ‘deram um fim’ neles. Isso fez um ano em abril e ninguém sabe, ninguém viu. Parece que não aconteceu nada”, afirma a coordenadora.

    A Ponte entrou em contato com o Depen para que ele pudesse se posicionar sobre as denúncias. A pasta afirmou, por meio de nota, que a alimentação vem sendo fornecida normalmente desde o último dia 26. “O contrato com a Qauligourrmet está vigente e válido com a administração do estado e continua produzindo seus efeitos”, disse o Depen, no comunicado.

    Além disso, foi dito que uma portaria suspendeu inicialmente por 30 dias “as rotinas de demandas externas da penitenciária, entre elas estão visitas social, íntima e em parlatório, assistência jurídica e religiosa e recebimento de materiais de familiares e/ou amigos”, ressalta a nota. O Depen também disse que, desde o início da operação, não foram registradas fugas e rebeliões dentro da penitenciária.

    A reportagem questionou especificamente a suposta relação entre a falta de alimentação e uma das mortes, denúncia também feita pela Pastoral Carcerária, mas a pergunta não foi respondida na nota enviada pelo Departamento Penitenciário Nacional. Além disso, não respondeu especificamente sobre os sete presos que estavam sob custódia do Estado e desapareceram há mais de um ano.

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