Moraes pede indenização a defensor de PMs por chamá-lo de ‘advogado do PCC’ em júri

Celso Vendramini fez declarações falsas sobre ministro do STF Alexandre de Moraes durante julgamento de policiais que defendia em junho, em SP; ele já foi condenado a pagar indenização por LGBTfobia

Colagem de fotos do ministro Alexandre de Moraes em sessão plenária de 9 de agosto e do advogado Celso Vendramini com camiseta estampada “Bolsonaro presidente” em 2018 | Imagens: Rosinei Coutinho/SCO/STF e reprodução/Facebook

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes entrou com um pedido de indenização por danos morais contra o advogado e ex-PM Celso Vendramini, que o chamou de “advogado do PCC” durante um júri popular de policiais militares que acabou interrompido em 12 de junho deste ano em São Paulo.

A ação é movida pelo escritório Barci de Moraes, da família do ministro, que pediu R$ 50 mil de indenização em 24 de agosto. O valor, segundo a petição, se baseia em uma multa que Vendramini pagou “por ter abandonado o plenário durante o julgamento depois de ter brigado com o promotor e o juiz” no caso Favela Naval, quando defendeu policiais que foram filmados agredindo e matando moradores de uma comunidade em Diadema (ABC Paulista) em 1997.

O episódio foi revelado pela Ponte no início do mês em reportagem sobre a condenação de Vendramini por LGBTfobia ao atacar uma promotora lésbica, em 2019, durante um julgamento de PMs. Na ocasião, os acusados foram absolvidos, mas a promotora recorreu e um novo júri foi designado. É nesse novo júri que o advogado proferiu declarações falsas contra o ministro — e a sessão de julgamento acabou novamente remarcada por causa disso.

Trecho do termo de audiência em que é registrado que Celso Vendramini chamou ministro de “advogado do PCC” | Imagem: Reprodução

As declarações contra o ministro foram gravadas durante o momento de debates entre Vendramini, que defendia os policiais, e o promotor Leonardo Sobreira Spina, que sustentava a condenação, em 12 de junho. Esse é o momento em que cada um tem um período delimitado, geralmente uma hora por acusado, com réplica e tréplica, para convencer os jurados se os réus devem ser absolvidos ou condenados. Os dois já tinham discutido antes por conta de interrupções durante questionamentos a testemunhas.

Em determinado da sustentação oral, Vendramini afirma que pode tratar de qualquer assunto porque teria “amplitude de defesa” ao afirmar “se eu quiser falar de novela eu falo, se eu quiser falar de política eu falo, se eu quiser falar de quem quer que seja, quem não gostou que me processe. Eu não vou deixar me intimidar, estão censurando esse país aqui, e as pessoas estão se calando. Eu estou perplexo com o que eu estou vendo, moçada, gente nova, cadê vocês? Onde vocês estão com a cabeça falando de amplitude [inaudível]. Vocês estão se calando. Não sou bolsonarista, não tem nada a ver com Bolsonaro, não tem nada a ver com ninguém”.

E depois, conforme o áudio que a reportagem acessou, ele prossegue: “os senhores viram aqui quando eu falei de Alexandre de Moraes, o promotor falou aqui ‘ó está sendo gravado, hein?’. Está querendo me intimidar, está querendo, e eu não tenho medo dele, não. Dele e nem de ninguém”.

O promotor Leonardo Spina interrompe dizendo que está “querendo ajudar” e Vendramini fala por cima: “Me processa, doutor, só não me ponha medo, pelo amor de Deus, que eu não tenho medo de ninguém”.

Um fala por cima do outro e, em seguida, o advogado faz referência falsa sobre o ministro ser advogado da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), e mente sobre os detidos durante a tentativa de golpe em 8 de janeiro não terem passado por audiência de custódia: “Que ajudar, doutor? É um indivíduo que está lá, depois ele está aqui dentro da PUC de São Paulo, que era advogado do PCC. E se todo mundo ficar (inaudível) para esse homem, é o Ministério Público, é magistratura, é OAB. Ele quando prendeu, em 8 de janeiro, aqueles infelizes, não teve audiência de custódia”.

https://ponte.org/advogado-lgbtfobia-promotora-lesbica/

Vendramini também parece fazer referência à ação que a promotora entrou sobre as declarações LGBTfóbicas ao dizer que não iria se calar. “Ele [promotor Leonardo Spina] vai mandar eu parar, mas eu não vou parar, aqui eu posso falar o que eu quero aqui dentro, [inaudível] o senhor que me processa, é a única coisa que o senhor pode fazer, como a sua colega fez aqui, covardemente. Só sabe processar advogado”, declarou.

É nesse momento que Spina pede para fazer constar na ata da sessão do julgamento que o Ministério Público se opunha às ofensas. Vendramini disse que iria juntar “reportagens da internet que provam que ele é advogado do PCC”. O júri acabou dissolvido porque a juíza Paula Marie Konno disse que os jurados poderiam ter sido “influenciados de modo negativo” pela discussão e pelas ofensas.

A magistrada também havia acatado o pedido do Ministério Público para que as cópias da gravação da sessão fossem remetidas ao STF para “providências cabíveis com relação ao que pode atingir a honra do Excelentíssimo Senhor Ministro Alexandre de Moraes”, além de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Conforme checagem da Agência Reuters, Alexandre de Moraes não é advogado do PCC e já moveu processos contra pessoas que o difamaram pelo mesmo motivo. Antes de ser secretário de Segurança Pública em São Paulo, em 2014 ele atuou como advogado de uma empresa de ônibus citada em uma investigação da Polícia Civil sobre uma suposta ligação com um traficante da facção paulista.

Já sobre os golpistas do 8 de janeiro, juízes federais e estaduais fizeram um mutirão para realizar as audiências de custódias dos presos pelos atos de vandalismo aos prédios dos Três Poderes por determinação de Moraes. De 1.406 pessoas que passaram pelas audiências, 942 tiveram a prisão convertida em preventiva (tempo indeterminado) e 464 foram colocadas em liberdade, de acordo com nota de 20 de janeiro da assessoria do STF.

Os advogados do ministro sustentam que Vendramini instigou aos jurados “discurso de ódio e a deturpação de fatos com conteúdo falso” e que fez “graves ofensas” ao Estado Democrático de Direito ao defender “atos antidemocráticos no início deste ano, além de desrespeitar por completo o devido processo penal, desrespeitando autoridades do Judiciário (presentes e ausentes), seu próprio assistido e proferindo golpes de chute aos autos físicos do processo”.

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O juiz Celso Lourenço Morgado, 39ª Vara Cível de São Paulo, determinou na sexta-feira (25/8) que Vendramini fosse citado para prestar esclarecimentos em até 15 dias.

A Ponte procurou Vendramini, que não retornou aos contatos. Após a publicação da reportagem, o advogado Mauro Ribas disse que está lhe representando e declarou que Vendramini “em nenhum momento quis atingir a honra do ministro Alexandre de Moraes, em nenhum momento quis ofender o ministro Alexandre de Moraes”.

Segundo ele, o promotor teria sustentado que “os policiais militares que estavam sendo julgados não mereciam advogado pelo fato que estava acontecendo e induzindo os jurados de que ladrão, criminoso não merece ter advogado”.

Ribas afirma que o promotor teria tentado desestabilizar o advogado ao interrompê-lo e dizer que o representaria na OAB. “O doutor Vendramini rebateu de que mesmo em época que o ministro Alexandre de Moraes era sócio de escritório, que não era ainda ministro do STF, eles defenderam pessoas ligadas a transportadoras que, na época foi veiculado pela imprensa, teria ligação com o Primeiro Comando da Capital”, disse Ribas. “O doutor Vendramini disse que, dentro da lógica da plenitude de defesa, ele poderia inclusive falar que o Alexandre de Moraes era advogado do PCC, mas remetendo àquela fala anterior onde o promotor tentava descredibilizar a defesa dos policiais militares”.

Reportagem atualizada às 17h09, de 29/8/2023, para incluir resposta do advogado Mauro Ribas.

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