Mulher denuncia ter sido agredida por produtor de filmes pornô

Kelly Neves relatou ter levado golpe de enforcamento e soco no olho enquanto arrumava seus pertences para deixar residência do ex-namorado Rafael Capella, em novembro de 2021

Kelly Neves, 40, denuncia que levou postos na região do olho após agressão de ex-namorado | Foto: arquivo pessoal

“Eu estava dependente dele psicologicamente e financeiramente”. É assim que Kelly Neves, 40, resume o relacionamento de um ano e oito meses que teve com o produtor de filmes adultos Rafael Capella. “A gente terminava, falava um monte de besteira, e depois de uns dias ele pedia para voltar”, lembra. Ela acusa o ex-namorado de ter lhe dado um golpe de enforcamento, conhecido como “mata-leão”, e um soco no olho em novembro do ano passado, no Rio de Janeiro, após uma discussão quando ela se preparava para deixar a residência dele depois que decidiu se separar definitivamente.

“Quem vê as redes sociais dele, vê que é um cara que luta contra o racismo, luta em prol da mulher, luta pelas minorias, mas desdenhava do meu filho que tem deficiência visual e, com o tempo, eu fui vendo isso”, relata Kelly. De acordo com ela, por causa da pandemia, o casal decidiu morar junto. Como estava desempregada e o companheiro trabalhava com produção amadora de conteúdo adulto na internet, com um canal na plataforma XVideos chamado “Universo Amador”, ela decidiu também buscar renda por esse meio. “Eu fazia gravações, ele me ajudava a filmar, a editar e a postar, mas quando ele conseguiu fazer um dinheiro e comprar um computador, pegar um material da internet, ele parou de me filmar, de editar e postar meus vídeos e eu fui ficando dependente financeiramente”.

Além disso, ela também sentia que estava sobrecarregada. “Tinha dias que eu ia na casa dos meus pais ajudar porque eles são idosos e ficam com meu filho, eu voltava e a casa estava suja. Se eu mandava lavar uma louça, ele mandava calar a boca, tinha vezes que ele dizia ‘eu vou me segurar, se não vou te agredir'”, lembra. “Só que ao mesmo tempo em que ele dizia isso, ele também fazia coisas boas”.

Como o relacionamento estava insustentável, já que o casal teria brigado e reatado ao menos seis vezes, Kelly decidiu se separar após conseguir alugar uma casa perto da família. Na madrugada do dia 27 de novembro de 2021, ela afirma que estava de fones de ouvido e se sentou em frente à estante para guardar seus pertences enquanto Rafael estava sentado no sofá, na sala. “A intenção do fone era de não falar com ele, não olhar para ele, não ouvir a voz dele”, disse. Depois, saiu para comprar duas latas de cerveja e voltou para casa para continuar arrumando os itens para a mudança. “Eu estava na cozinha, com fone de ouvido e comecei a cantar, ele veio da sala e mandou eu parar de cantar, eu disse que não, ainda disse para ele ‘me deixa na minha porque eu tô guardando as minhas coisas, eu vou embora, eu quero não falar com você, não aguento nem seu cheiro'”.

Em seguida, Kelly denuncia que Rafael começou a colocar o dedo na cara dela, mandando desligar o aparelho celular. “Eu bati a mão no balcão da cozinha e disse ‘cara, sai de perto de mim, é só você ir para o seu quarto porque eu já estou indo’ e ele tentou pegar meu fone para quebrar”, relata. Depois, os dois começaram a discutir. “Eu disse que se ele quebrasse meu fone, eu iria quebrar o computador dele e ele veio para cima de mim, deu um mata-leão para tentar pegar o fone para quebrar, eu joguei o fone para frente e ele não me largou”, lembra. “Nisso, que eu estava já ficando sufocada, sem ar, eu bati na lateral do pescoço dele, para a orelha dele para ele me soltar, ele me soltou e eu falei ‘cara, sai de perto de mim, você acabou com a minha saúde mental, com o meu financeiro’. Eu não vi nem o soco vindo, só escutei o meu óculos quebrando”.

Quando viu o óculos quebrado no chão, ela conta que percebeu o rosto sangrando. “Peguei um pano para estancar o sangue e fui sozinha para a Emergência [do Pronto Socorro], levei sete pontos no rosto”. Ela conta que voltou para a residência do ex-namorado e que ele a culpou pela agressão, e que os irmãos dele ficaram com ela no local. “Ele ainda teve a audácia de dizer que a minha cicatriz do olho ficaria péssima, mas a de baixo, não”. Ela dormiu algumas horas e foi para a casa da irmã. “Eu não escrevi nada, só postei a foto [do rosto] na internet e ele veio no WhatsApp dizendo que estava sendo cancelado porque agora estão dizendo que ele é agressor”.

Segundo ela, Rafael teria começado a dizer para pessoas próximas que ela tentou agredí-lo e que a colocou para fora de casa porque ela não queria sair. “Ele disse que eu tentei colocar a unha na cara dele, mas ele não tem exame de corpo de delito, e está me difamando nas redes sociais”, afirma.

Kelly voltou ao apartamento para buscar o restante dos pertences que faltavam e pondera que, de início, não pensou em denunciá-lo pela agressão. “Eu fiquei com pena da mãe dele, de ela imaginar ter um filho preso por isso, mas nos dois dias que eu voltei para o apartamento e vi ele rindo, conversando como se nada tivesse acontecido, eu pensei ‘eu tô com pena da mãe dele, mas ninguém tá com pena da minha mãe que está sem dormir porque eu tive que voltar para arrumar minhas coisas. E se ele me matar?'”, lembra.

Ela registrou o caso na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher da região Oeste do Rio de Janeiro no dia 3 de dezembro do ano passado. “No dia seguinte, a mãe dele me ligou me mandando tomar no cu porque eu havia denunciado o filho dela e eu fiquei incrédula”, afirma. “Não é possível que a família ache que isso é normal e continue passando pano”.

Kelly aponta que sempre se empenhou em causas como a violência contra a mulher e o abuso infantil, mas demorou a perceber a própria situação. “Quando a gente está em um relacionamento abusivo, a gente não consegue enxergar, e hoje eu estou precisando de ajuda de psiquiatra e de psicólogo. É todo o dia um caso de feminicídio”.

Ajude a Ponte!

Kelly procurou a Defensoria Pública e conseguiu uma medida protetiva há duas semanas. Procuramos a assessoria do órgão, que disse não poder fornecer informações por ser um processo sigiloso.

O que diz Rafael Capella

A reportagem procurou Rafael pelo Instagram, que não respondeu, e pelo Twitter, mas a página é privada, ou seja, as postagens só podem ser vistas por quem ele autorizar para seguí-lo. A Ponte fez solicitação para conseguir enviar mensagem, mas sem sucesso.

Após localizarmos o número de Rafael, ao ser questionado sobre o caso respondeu por mensagem que havia mandado a ex-namorada embora de casa porque “não aguentava mais” o relacionamento e que ele foi agredido. “No dia do ocorrido, quando ameacei sim retirar o fone dela (não era para quebrar, era pra ela parar de gritar a música às 3 da manhã), ela começou a me agredir com suas unhas stilletto afiadíssimas”, declarou.

E também assumiu que a agrediu. “Dei sim um mata-leão nela, sem apertar (se eu apertasse ela desmaiaria e não haveria necessidade de uma defesa posterior da minha parte) e quando ela pareceu mais calma, soltei. Ela virou com as unhas no meu rosto e, instintivamente, reagi rápido.”

Disse que não tinha exame de corpo de delito porque a ex-namorada teria dito que não prestaria queixa e que as marcas tinham desaparecido quando foi intimado pela Polícia Civil. Afirmou que ela não estava dependente financeiramente dele porque estaria trabalhando em um “bordel” e que nunca desdenhou do filho dela, que tem deficiência, e enviou retratos que tirou dele e que tinha “apreço” por ele. “Como ela sabe que não vai conseguir o que quer, está usando de todos os meios, inclusive seu jornal, pra causar o máximo de estrago que puder. Não tenho histórico de violência seja contra quem for (principalmente contra mulheres), minha ficha e minha honra são limpas e ela está querendo que as pessoas duvidem disso dizendo qualquer coisa pra que isso aconteça. Isso é uma infração de Difamação e Danos Morais”.

O que diz a polícia

À Ponte, a Polícia Civil disse que o inquérito do caso foi concluído e remetido ao Tribunal de Justiça.

O que diz o TJRJ

A reportagem procurou a assessoria duas vezes sobre o andamento do caso, mas não teve resposta.

*Reportagem atualizada às 10h04, de 22/2/2022, para incluir posicionamento de Rafael Capella.

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