Na favela mais antiga do Brasil, moradores se unem para enfrentar a pandemia

    Num local onde falta água para lavar as mãos, projeto Entre o Céu e a Favela recolhe doações para ajudar a comunidade a ficar em casa durante a quarentena

    Cintia Sant’Anna, 34 anos, moradora do Morro da Providência e uma das fundadores do projeto Entre o Céu e a Favela | Foto: @dodo_batera36

    Ficar em casa e lavar as mãos, as recomendações básicas para combater o coronavírus, são práticas muito difíceis para Diana, que prefere não dizer o sobrenome e mora há 22 anos na Favela Pedra Lisa, parte do Morro da Providência, primeira favela brasileira, na zona central da cidade do Rio de Janeiro. Ela não tem água encanada na casa e, por isso, todo dia precisa acordar de madrugada para descer o morro em busca de água.

    A fonte é um cano que fica na rua, na parte debaixo da Pedra Lisa. Lá, Diana espera em uma fila para ter acesso à água. Várias foram as vezes em que ficou mais de uma hora esperando,  além das inúmeras que voltou para casa com as mãos abanando, um motivo de grande tristeza para ela, já que seu filho, de um ano, contraiu sarna e precisa de três banhos diários. “Só cai água de madrugada, na hora que deveríamos estar descansando”, conta. “Eu já dormi sentada pela fila ser grande. Meu cansaço me venceu.”

    Desempregada há mais de um ano, Diana também não tem a opção de ficar em casa, onde mora com o filho pequeno e a mãe hipertensa de 68 anos, que já sofreu dois derrames. Mesmo sabendo que, ao sair e voltar da rua, pode estar colocando em risco a saúde da sua mãe, que faz parte do grupo de risco para a Covid-19, ela continua a deixar sua casa em busca de bicos, como atendente ou caixa, capazes de garantir a comida na mesa.

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    Diana e outros moradores do Morro da Providência têm muita dificuldade para viver a quarentena recomendada pelas autoridades de saúde. A realidade da escassez – de água, comida e higiene –, já antiga para eles, mostra como o descaso dos setores públicos pode intensificar a propagação de doenças e mortes dentro de regiões marginalizadas. Contudo, a situação também aponta um caminho alternativo e esperançoso: o fortalecimento das favelas através das mobilizações contra o coronavírus. 

    Diversos coletivos e projetos têm assumido a responsabilidade de assistir aos moradores dentro das favelas, obrigação negligenciada pelos últimos governos. Uma dessas iniciativas partiu de Cintia Sant’Anna, 34 anos, moradora do Morro da Providência e uma das fundadoras do projeto Entre o Céu e a Favela.

    Criado em 2011, o projeto começou como um informativo para unir, divulgar e valorizar produtores da cultura, arte e desenvolvimento social da região. Para ela, o nome da organização já propõe uma ruptura com a ideia negativa do termo favela. “Esse nome é uma construção. Não entendo porque as pessoas insistem em substituí-lo por outras palavras”, conta. “A favela é resistência, é potência, é um lugar cheio de esperança.” 

    Atualmente, o papel do projeto tem tido nova dimensão devido ao avanço da Covid-19. Sabendo que os moradores das favelas serão os maiores afetados com a doença, Cintia, juntamente com outros líderes e organizações da Providência, têm investido em vaquinhas online, doações e na conscientização da população quanto à higiene. 

    “Estamos o dia todo na correria de conseguir doações, listar as pessoas que vão receber, fazer reuniões online com a equipe e líderes de outras favelas e organizar a demanda por suprimentos”, explica Cintia. “Colocamos o ‘funk do coronavírus’ para tentar alertar as pessoas a ficarem em casa e lavarem as mãos.”

    As doações da organização Entre o Céu e a Favela ajudam a controlar as
    necessidades locais. Os moradores filtram as pessoas com prioridade: os
    desempregados, famílias com crianças pequenas e pessoas com algum tipo de deficiência.

    Diana é uma das pessoas da comunidade que consegue apoio do projeto. “Se não fosse essas doações não sei como faríamos, não tenho trabalho e sem água não dá pra fazer comida, nem higienizar a casa, e isso faz acumular roupa suja e louças”, explica.

    Doações da Casa Amarela, centro cultura e artístico também do Morro da Providência | Foto: Instagram/Entre o Céu e a Favela

    Só no Morro da Providência existem, de acordo com o Censo 2010 divulgado pelo IBGE, aproximadamente cinco mil pessoas vivendo em casas sem saneamento básico, acesso à água tratada e segurança. Muitos ainda lidam com a pobreza extremada, com a fome, o abandono e medo da morte. “As pessoas precisam de água independente do vírus e é essa mudança que queremos trazer”, afirmou Cintia Sant’Anna.

    Apesar das dificuldades, ela aposta em um cenário positivo pós-contenção da Covid-19. As muitas mobilizações presentes dentro das favelas e, em alguns casos, fora delas, têm mostrado a força e união entre os moradores das comunidades. Entre as lições para o futuro, Cintia chama atenção para a condição lamentável das favelas e principalmente para o fortalecimento que os moradores terão quando tudo passar. “As pessoas estão se unindo cada vez mais, oferecendo mais ajuda, lutando por seus direitos, é um entendimento maior do ‘juntos somos mais fortes’. Um professor disse uma vez que ‘ou nos salvamos todos, ou morreremos todos’ e os moradores têm aprendido o sentido dessa frase.”

    Para Diana, a situação também resultará em força. “Agora estamos mais determinados a mostrar nossa realidade, não aguentamos mais o esquecimento das autoridades”, diz. “Quando temos a oportunidade de falar, nós gritamos.” 

    Como colaborar

    Entre o Céu e a Favela
    Celular: (21) 982468673
    Conta: Caixa Econômica Federal
    Agência: 2387
    Conta poupança: 00003290-8
    CPF: 105.157.687-31
    Nome: Cíntia Roberta Coelho Santana

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