“O PM pisou na minha cara”, diz jovem acusada de carregar explosivos

    Estudante foi detida na terça-feira (13) durante manifestação contra PEC dos gastos públicos na avenida Paulista, em São Paulo


    Ao sair do Fórum Criminal da Barra Funda, no final da tarde dessa quarta-feira (14/12), a estudante W., 22 anos, abraçou a mãe e os companheiros de militância anarquista que esperavam por ela na saída. Enquanto conversava com os amigos, ia mostrando os hematomas que carregava nos braços e no rosto, adquiridos ao ser presa pela PM na noite de terça-feira (13/12), na Avenida Paulista, durante um protesto contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que congela os gastos públicos por 20 anos (veja o vídeo acima).

    PMs prendem a jovem; ao fundo, um policial observa bolsa com rojões. Foto: Daniel Arroyo
    PMs prendem a jovem; ao fundo, um policial observa bolsa com rojões. Foto: Daniel Arroyo

    A Polícia Militar afirma que apreendeu uma bolsa contendo três rojões e cinco explosivos que teria sido dispensada por W. A jovem afirma que segurou essa bolsa a pedido de outro participante do protesto, que ela não conhecia. Nessa quarta-feira, a audiência de custódia decidiu que a estudante poderá responder em liberdade pelo crime de porte de material explosivo. Se for condenada, pode pegar até seis anos de prisão.

    Sobre as agressões cometidas contra a jovem, os policiais responsáveis pela prisão afirmaram, no Boletim de Ocorrência, que foi “necessário o emprego de força física” porque  “a indiciada se debatia e estava exaltada e ofendia os policiais”.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    W. foi presa durante um protesto realizado por grupos antifascistas, que chegou à avenida Paulista após a saída de outra manifestação, também contra a PEC 55, realizada pela Frente Povo Sem Medo, que havia atacado a fachada da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

    O protesto dos antifascistas, bem mais comportado do que o do Povo Sem Medo, atraiu uma quantidade muito maior de policiais e seguiu pacificamente até o final, por volta das 22 horas, quando alguns militantes jogaram latas de lixo na rua e a PM resolveu dispersar o grupo com bombas de gás e efeito moral.

    Foi nesse momento que um policial da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicleta) atropelou W. com a moto e caiu no chão junto com ela. Em seguida, um grupo de policiais cercou a estudante e a dominou pisando sobre ela. Além da bolsa que a PM afirma ter apreendido com W., os policiais também apreenderam uma sacola contendo garrafas com combustível – esta, segundo o B.O., “não foi possível identificar quem teria dispensado”.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    Junto com W., a polícia também prendeu uma jovem de 21 anos, acusada de xingar os policiais. Levada ao 78º DP (Jardins) junto com W., ela foi indiciada por desacato e liberada em seguida.

    W. deu sua versão da história para a Ponte Jornalismo. Ela pediu para não ter seu nome revelado.

    Ponte – Por que você foi ao protesto terça-feira na Paulista?

    W – Nesse dia foi aprovada a PEC 55, antiga 241 [proposta de emenda à Constituição que congela os gastos públicos por 20 anos]. Além de ser uma cidadã, eu trabalho na área de saúde. Faço estágio na Santa Casa. Eu vivencio na pele cotidianamente a falta de coisas básicas, desde sabonete a luva, medicamento. Isso é extremamente grave. As pessoas morrem por conta disso. Me dói muito pensar que eu não possa fazer nada. Havia sido marcado esse protesto e, mesmo tendo curso à noite, eu falei: isso é importante, eu vou.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    Que grupos participavam dos protestos em que você foi?

    W – Majoritariamente anarquistas e libertários.

    Você se define como?

    W – Eu sou anarquista. Acho que conseguimos nos organizar e pensar em novas formas de conseguir um lidar com o outro e fazer o que for necessário, sem precisar de nenhuma organização representando. Sou independente. Eu fui sozinha ao protesto com minha bandeira. Eu tenho uma bandeira anarcofeminista, rosa e preta. Acabei encontrando o ato na Consolação. Estava bonito, as pessoas bem fervorosas, bem convictas do que estavam fazendo. Depois entramos na Paulista. A polícia ficou cercando, mas a gente seguiu sem grandes problemas. É interessante ver o quanto tem de policiais nessas manifestações de caráter mais libertário. Parecia mais um protesto de policiais. Chegamos à Brigadeiro e decidimos dispersar.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    E o que aconteceu depois?

    W – Pensei que havia acabado o ato e fui comprar uma cerveja num mercadinho Extra da Brigadeiro. Quando saio, percebo que tem uma grande movimentação ocorrendo. Mas eu já saí do ato, estou tranquila, não devo nada, o que pode acontecer de pior? Quando eu volto para a Paulista, passa um rapaz que eu nem sei quem é, me entrega uma bolsa e fala “segura essa bolsa”.

    Você aceitou segurar uma bolsa de um desconhecido?

    W – Sim. Eu já tinha visto a pessoa. Não pensei que poderia ter muita coisa ali de perigoso. Estava num ritmo de “acabou o ato”, bebendo uma breja, não pensei que pudesse ser nada demais. Por ser alguém que eu imaginava que estava lá pelo ato, achei que fosse confiável de alguma maneira. Não passou muito tempo, eu continuei andando. Ali pela Paulista, depois da Gazeta, veio uma moto da Rocam literalmente na minha direção. Ela me atropelou e nós dois caímos no chão. Chega um monte de Rocam, todo mundo me cerca, nisso eu já sou imobilizada, eles começam a me bater. O cara pisa na minha cara enquanto chega um monte de gente lá.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    Esse hematoma no seu rosto foi disso?

    W – Foi. Foi do policial pisando na minha cara. Na parte de trás da minha nuca, está bem inchado porque ele pisou aqui e meu rosto ralou no solo. Chegou uma policial feminina, ela me algemou bem forte, tanto que estou com marcas nos braços até agora. Ela falou “a fascista chegou”. Tinha um monte de policial em volta, minha cara estava no chão, eu estava gritando de dor. Para que tanta violência se eu estava imobilizada? Aí eles me colocam na viatura. É quando eu começo a gritar que preciso da minha bombinha de asma. Eu disse que estava na minha bolsa. Aí eles me trouxeram uma outra bolsa, preta. Isso é o mais peculiar. Eu peguei e falei: “essa não é a minha bolsa”. Eles disseram que era, que tinha sido arrecadada junto [o boletim de ocorrência não relacionou esse item a W. , mas a “alguém que acompanhava a indiciada durante a manifestação”]. Aí me encaminharam para o 78º DP, eu e mais uma menina que estava no protesto. No caminho, os caras faziam gestos com as mãos: “se fodeu, se fodeu”. Fui separada da outra menina e aí percebi que não iria ser solta como ela.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    E como foi a audiência de custódia?

    W – Foi mais tranquila do que eu imaginava. Minhas expectativas para ter o alvará de soltura eram ínfimas, porque fiquei sabendo aqui que estavam me acusando de levar bombas.

    Essas bombas estavam na bolsa que você segurou?

    W – Isso, na bolsa bege. Eu tenho que parar de ser trouxa. Que isso sirva de lição em relação a muita coisa. Agora o processo está aberto e eu tenho que vir uma vez por mês. Estou respondendo por porte de explosivo, que é uma acusação bem séria.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    Você já tinha sido presa?

    W – Sim, em 2013. Naquela época, estava tendo uma onda de protestos fervorosos no Rio, enquanto em São Paulo tinha sido abafado. Estava rolando Ocupa Cinelândia, que era um movimento múltiplo, com anarquistas, comunistas, pessoas que estavam se descobrindo ali no meio. No dia 15 de outubro de 2013, houve um protesto em favor dos professores. Nesse protesto, fomos presos aleatoriamente e forjados. Naquele ano, me acusaram de formação de quadrilha, sendo que eu não conhecia nenhuma das outras pessoas que estavam comigo, e corrupção de menores.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

    E o que aconteceu com esse processo?

    W – Foi arquivado em 2015. Enfim, eu sigo, a perseguição segue e a tendência é piorar. A gente tem que ter outras formas bem mais inteligentes de se articular e fazer ações mais efetivas. Da maneira que estamos fazendo, não está sendo eficaz. Ou a gente muda a maneira de agir ou vai continuar sendo forjado, preso, e passando por um monte de estresses e torturas psicológicas e físicas, e isso não ajuda. Acho que os movimentos sociais precisam se articular, tentar diminuir certas diferenças, e construir algo novo. Eu não sei como, mas a gente consegue. Eu tenho esperança, muita esperança.

    Foto: Daniel Arroyo
    Foto: Daniel Arroyo

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