O que aconteceu com Lidiany Brasil, a jovem trancada em uma cela com 20 homens?

    Assista investigação jornalística feita durante seis meses que revela como o estado brasileiro falhou diversas vezes e permitiu a destruição da vida da jovem

    Lidiany Alves Brasil, hoje com 25 anos, vive escondida e com medo de morrer – Imagem: Reprodução TV

    O programa “Câmera Record”, da Record TV, investigou durante seis meses a vida de Lidiany Alves Brasil, a jovem que, em outubro de 2007, foi trancada em uma cela com 20 homens, na cidade de Abaetetuba (Pará), onde foi violentada durante dias.

    Quase dez anos após uma das maiores violações dos direitos humanos na história recente do Brasil, o “Câmera Record” fez uma entrevista exclusiva com Lidiany, um rosto e uma vida até então desconhecidos.

    Revoltada, Lidiany relembra alguns episódios traumáticos que vivenciou durante a prisão. “Tinha que trocar meu corpo pra poder comer lá dentro. Eles me queimavam de cigarro. A polícia cortou meu cabelo com um facão pra eu ficar parecendo um menino”.

    Com documentos e informações inéditas, os repórteres Gabriela Pimentel, Domingos Meirelles, Gustavo Costa, Daniel Motta, Heleine Heringer e a editora Fabiana Lopes localizaram a jovem e conseguiram contar em detalhes sua trajetória e tudo que ela sofreu à época, aos 15 anos, quando a imprensa brasileira e internacional se assustou ao noticiar tamanha barbárie.

    “Eu não queria ser encontrada, porque eles nunca esqueceram essa história”, disse Lidiany à reportagem. “Eles” são investigadores, carcereiros, delegados e uma juíza. Todos estão envolvidos no caso, segundo a Justiça.

    Em 2007, Lidiany foi flagrada furtando um celular, roupas e um cordão de prata na casa de um sobrinho de um investigador de polícia. Apreendida, teve uma costela quebrada após uma sessão de espancamento. “O cara ainda meteu a arma na minha boca”, relembrou a jovem.

    Sob ameaça e jogada em uma cela com mais de 20 criminosos, ela sofreu todo tipo de violência, durante 26 dias, em uma prisão de Abaetetuba, no interior do Pará, com a conivência de autoridades, de acordo com o Ministério Público.

    Lidiany só sobreviveu à selvageria graças aos apelos de duas conselheiras tutelares que denunciaram o caso à imprensa. Imaculada Conceição, uma das conselheiras da cidade, também fala com a equipe do “Câmera Record”.

    “Lidiany passou por todo tipo de tortura. Aquele ambiente não era nem pra um animal, porque nem um animal merece isso”, disse a conselheira tutelar.

    Pressionado por autoridades brasileiras e instituições estrangeiras renomadas, o governo federal resolveu agir, embora fosse tarde demais.

    Lidiany e a família dela foram, então, incorporadas separadamente a dois Programas de Proteção à Pessoa, para não serem executadas. Lidiany comenta sobre o medo de ser encontrada por seus inimigos. “Estava com medo de morrer”.

    Após seis meses checando documentos sobre os prováveis destinos da família de Lidiany, os jornalistas encontraram a mãe e as irmãs escondidas em uma cidade que, por questões de segurança, não pode ser revelada.

    Dona Cléia, mãe de Lidiany, contou como a vida se transformou após a barbárie contra a filha. “A gente vive se escondendo, já passamos por mais de 15 estados. Até hoje, quando a gente vê um carro estranho, a gente fica com medo”.

    Uma das irmãs de Lidiany também desabafa durante a entrevista. “A gente é foragido. A gente não pode falar nem o nosso nome direito, se vier alguém seguindo a gente, a gente já tem medo”.

    Até o começo deste mês de abril, a mãe e as irmãs não tinham notícias de Lidiany. Não sabiam se ela está viva ou morta. A mãe da jovem se emocionou muito ao falar da filha. “Na última vez que ela falou comigo, ela leu uma parte do livro de Salmos pra mim. Choramos juntas e nunca mais!”

    Os repórteres levaram os depoimentos de Lidiany para amenizar um pouco a angústia de dona Cléia. “Estou aliviada ao saber que a minha filha está viva. A mãe te ama, filha, te ama do fundo do meu coração”.

    Segundo o delegado da Polícia Federal e professor de Direito Penal Carlos Eduardo, especialista em Programas de Proteção à Vítimas e Testemunhas, o Estado falhou ao não custodiar Lidiany. “Eu acho que nós temos que reformular [o programa]. Têm certas situações que a pessoa não tem essa capacidade de se autodeterminar”.

    São muitas as falhas apontadas nesse tipo de programa, segundo Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. “O programa tem que oferecer a convivência familiar e comunitária e restabelecer os vínculos daquela pessoa, daquela criança ou adolescente com seus familiares e nós vimos [no caso de Lidiany] que, pelo contrário, o programa aprofundou a distância entre a família e a jovem”.

    Assista ao documentário sobre Lidiany Alves Brasil:

     

     

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