Pedido de carona iniciou briga em que PM de folga atirou na cabeça de homem, diz testemunha

Câmera de segurança mostrou momento em que vítima foi baleada na cabeça por soldado Tiago Apolinário e levou um chute mesmo caída no chão pelo soldado Leonardo Zambelle, em São Sebastião, no litoral paulista; dupla foi presa

Um pedido de carona iniciou a briga em que o soldado Tiago Apolinário Gomes Filho, 31, que estava de folga, atirou na cabeça de Gilberto Oliveira da Silva, 42, na madrugada de 28 de janeiro, em São Sebastião, no litoral paulista. É o que disse em depoimento um vigilante e amigo da vítima, que também foi ferido e estava no bar onde o caso aconteceu. Imagens de câmeras de segurança do estabelecimento mostraram o momento em que Tiago faz o disparo e o soldado Leonardo Zambelle, 26, chuta Gilberto mesmo caído no chão.

À Polícia Civil, a testemunha relatou que conhece Gilberto há mais de 20 anos e que naquele dia chegou com seu irmão ao bar por volta das 22h. Tiago, Leonardo e outras três pessoas estavam em uma mesa ao lado consumindo bebidas e que todos “aparentavam estar bastante alterados pela bebida”. Segundo o vigilante, a vítima chegou logo em seguida e se juntou a ele.

Ao saírem do bar, disse que, por não possuírem condução própria, foram à outra perguntar se poderiam oferecer uma carona até o centro da cidade. Um dos ocupantes da mesa teria dito que o valor seria de R$ 20 para levá-los. Gilberto teria se aproximado e, de acordo com o vigilante, de repente Tiago deu um tapa no rosto dele e começou uma briga.

A testemunha relatou que tentou separar a briga, mas não conseguiu, ouviu um estampido e viu Gilberto cair no chão. Afirmou que saiu correndo e só percebeu em casa que “havia sangue saindo de seu ombro direito, e que havia um buraco em sua pele” e que foi orientado pelo proprietário do bar a comparecer à delegacia. Lá, foi levado por policiais militares ao pronto-socorro do município, onde teria sido constatada a presença de um fragmento de projetil de arma de fogo alojado em seu ombro. Relatou que foi medicado, liberado, e que acredita ter sido atingido quando puxava Gilberto pela camisa, por trás, ao tentar apartar a briga, mas não sabe quantos tiros foram dados.

A vítima foi socorrida ao pronto socorro municipal, mas o boletim de ocorrência não informa estado de saúde. A Ponte procurou a assessoria da Prefeitura de São Sebastião perguntando sobre Gilberto, porém não houve retorno.

Tiago e Leonardo se mantiveram em silêncio no 1º DP de São Sebastião. Com eles, também estavam dois servidores públicos municipais e o soldado Gilson de Lima Garcia, 30. Os três disseram em depoimento que não sabem como a briga começou. Gilson declarou que, por volta das 20h, estava com Leonardo no bar e os dois servidores municipais chegaram e, depois, às 23h, apareceu Tiago acompanhado de um cabo chamado apenas de Rolin com uma mulher. Gilson afirmou que não percebeu a presença de Gilberto enquanto estava no estabelecimento e que “ao sair do bar, enquanto se dirigia para veículo em que estava, olhou para
trás e viu há cerca de dez metros, havia três pessoas em volta do PM Apolinário e foi tentar separar a briga”. Naquele momento, ouviu o barulho de tiro e viu uma pessoa caída ao chão. Correu e acionou a Polícia Militar.

Os servidores municipais também alegaram que apenas tentaram separar a briga. Um deles, uma mulher, declarou que percebeu pessoas em volta de Tiago quando ela estava a caminho de um carro com Gilson e Leonardo, cerca de 15 metros de distânica, e que ouviu um estampido no meio da briga generalizada. Relatou que “durante o período em que estavam dentro do bar não houve qualquer tipo de conversa ou discussão entre as partes” e que conheceria a vítima como Giba.

Por conta do registro da câmera de segurança, o delegado Caio Fresatto Nunes de Miranda autuou em flagrante os soldados Tiago Apolinário e Leonardo Zambelle por tentativa de homicídio qualificado, sendo que Zambelle também foi indiciado por prevaricação. A arma que Tiago usava era da corporação e foi apreendida. Já em relação ao soldado Gilson Lima, o delegado entendeu que houve prevaricação porque “deixou de praticar, indevidamente, ato de ofício para colocar fim ao conflito entre as partes” e por aparecer nas imagens desferindo socos e chutes em Gilberto, mas “não tinha o intento homicida dos demais”.

Como o Tribunal de Justiça de São Paulo prorrogou o trabalho escalonado, as audiências de custódias estão sendo realizadas por videoconferência e suspensas no caso de plantão até 18 de fevereiro. Como dia 28 de janeiro foi um sábado, não houve audiência de custódia com os PMs. O promotor Marcelo Oliveira dos Santos Neves de Souza se manifestou pela conversão da prisão em flagrante em preventiva (sem tempo determinado), cujo pedido foi acatado pelo juiz Daniel Toscano, da Vara Criminal do Foro de São Sebastião.

“Os crimes, pelo que se denota, possuem especial gravidade. E não se trata de gravidade puramente abstrata, mas concreta. Os custodiados têm por função precípua garantir a segurança pública”, argumentou o magistrado. “Ocorre que, conforme se evidencia dos autos, notadamente pelas impressionantes imagens de vídeo, estavam ambos em um bar, em acentuado estado etílico, envolvidos em confusão generalizada. Exatamente o contrário do que são pagos para fazer. Não bastasse o comportamento público já reprovável, usaram da arma da Corporação (saliente-se) para por fim à vida de terceiro”.

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A defesa de Leonardo Zambelle ainda entrou com um pedido de liberdade provisória, que foi negado pelo juiz.

O que diz a polícia

A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública, que enviou a seguinte nota:

Dois policiais militares foram presos por prevaricação, tentativa de homicídio e lesão corporal na madrugada desta sexta-feira (28), na Avenida Manoel Teixeira, bairro São Francisco, em São Sebastião. O caso foi apresentado ao 1º DP do município. Imagens de câmeras de monitoramento foram analisadas e a dupla autuada em flagrante, sendo que ambos permaneceram detidos à disposição da Justiça.

Tentamos contato com o advogado Lincoln Rickiel Perdoná Lucas, que representa Leonardo, mas não tivemos resposta.

Não localizamos possíveis defensores dos soldados Tiago Apolinário e Gilson Lima.

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