‘Perseguição política’: alunos são condenados a pagar R$ 21 mil por ocupação antirracista na PUC-SP

Processo se refere a ocupação feita no campus Monte Alegre, na capital paulista, em 2018; egressos fazem arrecadação coletiva para pagar valor após não conseguirem negociação com universidade

Cartaz usado na ocupação dos alunos da PUC-SP em 2018 | Foto: Arquivo pessoal

Dois egressos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) foram condenados a indenizar em R$ 21 mil a Fundação São Paulo (Fundasp), entidade mantenedora da instituição acadêmica. A decisão é resultado de um processo movido contra os dois pela participação em uma ocupação antirracista ocorrida no campus Monte Alegre em 2018. A dupla teve as contas bancárias bloqueadas no final de junho e alega que na época dos fatos a faculdade se comprometeu em não punir os estudantes envolvidos. 

O campus fica em Perdizes, na zona oeste da capital paulista. A ocupação ocorreu em maio de 2018 e durou cinco dias. Estudantes mobilizados improvisaram barricadas com cadeiras e mesas nos acessos dos prédios neste período. Uma das principais reivindicações era a permanência de uma professora negra contratada de forma temporária no quadro docente da instituição — ela foi a primeira mulher preta a ocupar o cargo no curso de Serviço Social da PUC. 

Os alunos também reivindicavam políticas de inclusão no corpo docente e a inclusão de disciplina obrigatória que tratasse da temática de raça e etnia. Eles propuseram processo seletivo com cotas raciais, medida adotada pela PUC-SP em abril deste ano com objetivo de chegar a 37% do quadro de professores constituído por profissionais negros.

Os dois egressos processados conversaram com a Ponte sobre o caso. A pedido de ambos, eles serão identificados no texto apenas pelo primeiro nome. Erick e Aline eram bolsistas da PUC na época da ocupação. O processo foi movido pela Fundação São Paulo ainda durante a ocupação e pedia indenização de R$ 10 mil pela apropriação do espaço e possíveis prejuízos sofridos. 

A decisão final favorável foi expedida em setembro de 2021 pelo juiz Márcio Teixeira Laranjo da 21ª Vara Cível. O valor fixado, no entanto, foi de R$ 8.550,00 para cada um, a serem atualizados. 

Erick conta que na época da ocupação ele e Aline não tinham condições de arcar com defesa particular. “A gente pensou ‘não, beleza, não vamos pagar’. Tentamos falar com alguns advogados, mas o preço era muito absurdo. Pensa, éramos dois bolsistas, né?”, comenta. 

Segundo o egresso, ele acabou deixando a história de lado após a decisão judicial ser expedida. Erick diz que foi pego de surpresa pela cobrança da indenização, que ocorreu no final de junho. “Um belo dia fui comprar um óleo no mercado e minha conta estava bloqueada judicialmente”, relata Erick. 

Aline, a outra egressa processada, conta que a dupla agora tenta embargos judiciais para liberar as contas. Ela diz que foi buscado acordo junto à PUC para que o valor de indenização fosse parcelado em 20 vezes e reduzido pela metade. 

“A gente não teve resposta.  A nossa advogada entrou em contato com a advogada da PUC e não teve resposta, por isso a gente decidiu entrar com embargo para ver se pelo menos as nossas contas não ficam bloqueadas”, conta Aline. 

PUC prometeu não punir, dizem egressos 

Erick e Aline falam que durante a ocupação a PUC se comprometeu em não punir os alunos envolvidos. A Ponte teve acesso a um texto enviado pela reitoria para os estudantes mobilizados que faz menção a “não pactuar com sistemas punitivistas”.

“Reiteramos que não há qualquer intenção de nossa parte em pactuar com sistemas punitivistas, em especial, se observado que temos concordado com a legitimidade da pauta que ultrapassa os muros da universidade e dos avanços que temos conseguido nas políticas universitárias da PUC-SP. Ainda a Reitoria em contínuo diálogo com a Fundasp, recebeu indicação de que não há criminalização dos alunos envolvidos na ocupação e continuará fazendo essa mediação”, diz o texto encaminhado aos estudantes em 24 de maio. 

Ocorre que na mesma data a Fundasp, por meio de seus advogados, entrou com ação pedindo a reintegração e a indenização. 

Erick conta que cerca de 100 alunos se mobilizaram nos cinco dias de ocupação. Em sua visão, ele e a Aline eram “figuras carimbadas” nas mobilizações sociais internas da PUC. O egresso já tinha, inclusive, sido alvo de processo por uma ocupação anterior que também resultou em multa, segundo ele.  

“A gente era meio que figura carimbada desse rolê de questões políticas dos cursos”, comenta Erick. Ele acrescenta ainda o fato de ele e Aline serem brancos envolvidos em uma mobilização pela pauta racial. “Por a gente ser pessoas brancas obviamente que eles não iam processar uma pessoa negra por uma ocupação antirracista”, conclui. 

“Nós éramos pessoas visadas pela PUC”, diz Aline. Ela conta que fazia parte de um movimento dentro da universidade ligado a ideias anarquistas e que sempre esteve articulada com o centro acadêmico de Serviço Social.  “Rolou uma perseguição política sim e não foi mero acaso terem nos escolhido”, destaca. 

Uma integrante do movimento negro da PUC-SP na época da ocupação corrobora com a versão da dupla. Carolina, que também pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome, classifica o processo como uma tentativa de silenciamento. 

“O mais importante para mim é entender que é muito além de um processo civil, é uma tentativa de silenciamento de uma luta dos estudantes em prol de uma faculdade de fato democrática”, argumenta. 

A dupla processada promove arrecadação coletiva para conseguir pagar as contas do mês e também a indenização. O link está no Instagram do Centro Acadêmico Amarildo de Souza, do curso de Serviço Social da PUC. 

PUC adotou ações afirmativas para docentes

Em abril deste ano a PUC-SP anunciou a aprovação por meio do Conselho Universitário (Consun) de uma política de ação afirmativa para contratação de docentes negros. O objetivo, segundo a universidade, é chegar a uma porcentagem de 37% do total de seu quadro docente composto por negros —  o parâmetro leva em conta o percentual dessa população do município de São Paulo, segundo o Censo de 2010. 

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Dados da própria PUC apontaram que somente 5,34% dos docentes são autodeclarados negros. Para aplicação da ação afirmativa os processos seletivos para contratação de docentes serão destinados exclusivamente para candidatos negros. 

Essa medida passa a valer a partir do segundo semestre deste ano, cinco anos após a ocupação que tinha essa demanda como reivindicação.

Outro lado

A Ponte procurou a PUC-SP e a Fundação São Paulo para esclarecer as posições contraditórias sobre a ocupação, mas não teve retorno até a publicação do texto. 

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