PM reprimiu estudantes que protestaram contra evento náutico milionário dentro da USP

    Boat Show aconteceu entre os dias 19 e 24 de novembro e faturou R$ 155 milhões; raia olímpica da universidade paulistana foi alugada por R$ 90 mil. Aluno teria sido agredido e roubado por frequentadores do evento

    Estudantes da USP protestam contra o Boat Show | Foto: Zé Renato

    A Universidade de São Paulo (USP), na capital do estado, abriu suas portas para o Boat Show, maior evento náutico da América Latina, que, entre os dias 19 e 24 de novembro, recebeu mais de 18 mil visitantes. A raia olímpica foi alugada por R$ 90 mil para abrigar a feira, na qual empresários e entusiastas negociaram barcos, navios e até helicópteros. De acordo com a organização do evento, a renda captada foi de R$ 155 milhões.

    Indignados, estudantes da universidade protestaram dentro do campus e foram reprimidos pela Polícia Militar com spray de pimenta e bombas de gás. Na internet, surgiram relatos de alunos que afirmam terem sido agredidos por visitantes do Boat Show e pela polícia. Em um vídeo publicado nas redes sociais é possível ver um motorista atropelando manifestantes.

    Os estudantes que organizaram os protestos moram ou já moraram no Crusp, alojamento com 1.200 vagas para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social que fica localizado em frente à raia olímpica. “Era uma feira para pessoas muito endinheiradas, não tinha função social nenhuma e aconteceu no meio de uma pandemia”, diz à Ponte Vânia Ornelas, 31, aluna de pós-graduação em História da Economia que já morou no alojamento.

    Em uma nota oficial publicada por moradoras e moradores do Crusp, o reitor Vahan Agopyan é criticado e questionado até que ponto a ciência realmente orienta as decisões da universidade. “Na atual crescente nos números de casos (e mortes) por coronavírus no Brasil, a Reitoria da USP, em parceria com o Governo do Estado de SP e a Secretaria de Turismo promovem a realização de uma escandalosa feira náutica”, contestou o documento. 

    De acordo com um estudante residente do Crusp, que preferiu não ser identificado, a repressão policial aconteceu depois que duas moradoras foram agredidas por pessoas do evento com socos e chutes. “E, quando as manifestantes foram cobrar satisfação da PM, aconteceu a repressão”, contou.

    Protesto dos alunos da USP contra o Boat Show | Foto: Zé Renato

    Alunos fizeram um financiamento coletivo para um residente do Crusp que teria sido ameaçado e agredido em frente ao alojamento, além de ter seu celular e óculos subtraídos por frequentadores do evento. O texto do site traz as seguintes informações: “[O estudante] foi abordado por homens do evento da Boat Show que o agrediram fisicamente e verbalmente, cuspindo nele, o humilhando e pegando seu celular. A polícia, vendo a situação, foi de encontro e como sempre, não ficou do lado da vítima. O jovem pediu para os policiais que devolvessem os óculos e o celular e foi ameaçado de morte pelos próprios”.

    Para Vânia, a situação do Crusp é crítica e merecia mais atenção da reitoria do que um evento para ricos: existem goteiras, mofo e cogumelos brotando das paredes, vazamento de gás e alguns blocos sequer têm cozinha coletiva ou água quente, mencionou. “Eu morei lá na minha graduação e não tinha água quente. Até hoje não tem. As pessoas tomam banho frio no calor e no inverno.” Ela também enfatizou que a maioria dos moradores do Crusp são pessoas pobres, frutos de uma leva de abertura de vagas para pretos, pardos, indígenas e pessoas de escolas públicas. 

    Outro lado

    A reitoria da Usp se negou a responder os questionamentos da Ponte sobre os supostos casos de violência, o vídeo de atropelamento e a repressão policial, limitando-se a enviar uma nota do dia 19 de novembro. O texto oficial informa que o valor da cessão do espaço inclui “o aluguel da raia por R$ 90 mil, melhorias na estrutura (balizamentos e troca de cabeamento); doação de um barco de 18 pés, avaliado em R$ 70 mil e que será utilizado pela comunidade para atividades esportivas, de ensino, pesquisa e extensão; e 50% da renda do estacionamento do evento destinada ao Centro de Práticas Esportivas (Cepê)”. Somados, esses valores chegam a R$ 400 mil.

    A reportagem questionou os organizadores do Boat Show se eles acreditam ser adequado realizar uma feira de negócios para um alto número de pessoas em plena pandemia. “O evento foi realizado dentro da lei e seguindo todas as normas de segurança da vigilância sanitária e do Plano SP do Governo do Estado”, informou a assessoria de imprensa, acrescentando que mais de R$ 100 mil foram destinados para a CUFA (Central Única das Favelas).

    Sobre os casos de agressão, a resposta foi que até o momento nenhum aluno procurou a organização do Boat Show. “De qualquer forma, não compactuamos com nenhum tipo de violência”, reiteraram. Sobre os vídeos de atropelamento, a organização do evento sugeriu que é preciso entender se os carros mostrados no vídeo são, de fato, do público presente no evento. 

    A Ponte também procurou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para questionar o órgão sobre as denúncias de agressão por parte de PMs, sobre a repressão aos protestos e sobre as agressões e atropelamento por parte dos visitantes do Boat Show, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

    ERRATA: Uma versão anterior desse texto informava que um estudante teria sido roubado por policiais. Na verdade ele diz que teria sido roubado por frequentadores do Boat Show. A informação foi corrigida às 20h do dia 4/12/2020

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