Polícias de MG fazem greve não assumida e demora de resposta do governo pode levar a motim, diz professor

Para Luís Flávio Sapori, da PUC-MG, governador Romeu Zema (Novo) cometeu “grave erro político” ao prometer reajuste salarial que não poderia cumprir e gerou unificação inédita de categorias policiais

Pode ser uma imagem de 9 pessoas, pessoas em pé, monumento, ao ar livre e texto que diz "ZEMA; CHEGA DE MENTIRAS! POLÍCIA RESPEITE A SEGURANÇA PÚBLICA! RECOMPOSIÇAO JÁ! MILITAR"
Protesto das polícias Civil, Militar e Penal no centro de Belo Horizonte, em 21 de fevereiro | Foto: Reprodução/Facebook/Sindppen-MG

“Ninguém vai conseguir nos dividir, o povo da segurança pública é um só”, discursou nesta sexta-feira (25/2) o deputado Sargento Rodrigues (PTB) em cima de um carro de som respondido com aplausos de diversos manifestantes na Cidade Administrativa de Minas Gerais. Policiais civis, militares, penais e agentes socioeducativos protestavam mais uma vez nesta semana por reajuste salarial dos servidores. A data foi dada como limite para que o governador Romeu Zema (Novo) desse uma resposta às categorias.

Ele anunciou, na quinta-feira (24), 10% de reajuste salarial a todos os servidores públicos três dias após entidades e associações sindicais de forças de segurança públicas terem deflagrado uma espécie de greve não assumida, com redução de serviços e atividades, mas a proposta não foi bem vista. Os policiais querem as porcentagens prometidas pelo governador, que concedeu apenas uma das três parcelas que seriam pagas de forma escalonada: 13% em 2020, 12% em setembro de 2021 e 12% em setembro de 2022, conforme o texto que ele mesmo enviou à Assembleia Legislativa em março de 2020. Durante a tramitação do projeto, porém, uma emenda incluiu todos os servidores públicos nessa recomposição, que foi aprovada pelos parlamentares, mas Zema manteve apenas os 13% e vetou todo o restante, inclusive o que o próprio havia sugerido. Na ocasião, ele alegou análise da situação financeira do estado e “apreensão junto ao Ministério da Economia, que afirmou a inviabilidade da adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal, caso concedesse o percentual de 41,7%“.

Os policiais já haviam protestado em setembro do ano passado pelo reajuste, na mesma semana em que aconteceram atos antidemocráticos, e voltaram às ruas no dia 21 de fevereiro deste ano, cujos atos foram considerados como legítimos pelo comandante geral da PM coronel Rodrigo Sousa Rodrigues. A organização estimou 25 mil pessoas. Na ocasião, uma equipe da Rede Globo foi hostilizada e expulsa por manifestantes que não permitiram a cobertura no centro de Belo Horizonte. O Estatuto da corporação proíbe que policiais participem de manifestações político-partidárias se estiverem fardados.

No início da semana, entidades sindicais e associações de policiais começaram a orientar condutas dos agentes, como reduzir a velocidade das viaturas, mas sem assumir como paralisação, já que policiais são proibidos de fazer greve. “Isso não é greve. Não é incitação à disciplina. É um grito de socorro, um grito para estabelecimento de diálogo com o Governo”, diz a cartilha feita pela Aspra/PMBM (Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais). No caso dos sindicatos de policiais penais, as visitas de familiares e advogados foram proibidas, além dos banhos de sol aos presos. Na segunda-feira (22), o Tribunal de Justiça determinou o encerramento da greve a pedido da Advocacia-Geral do Estado, sob pena de de multa diária de R$ 100 mil. A Ponte solicitou um posicionamento do governo mineiro e aguarda uma resposta.

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Para o professor e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública da PUC-MG Luís Flávio Sapori, Zema tinha noção da situação fiscal do estado e assumiu um compromisso que não poderia cumprir. “Ele adotou uma estratégia equivocada, populista, uma promessa que não tinha condições de cumprir. Outro erro é que talvez ele tenha acreditado que a aproximação dele com o presidente Bolsonaro poderia ser um atenuante do movimento reivindicatório dos policiais”, explica.

Além disso, destaca uma unificação inédita de todas as categorias policiais com o mesmo objetivo e que, se não houver uma resposta rápida do governador, há chances de motim como ocorreu no Ceará, em 2020, e no Espírito Santo, em 2017. “O que temos observado em Minas Gerais é que as polícias estão cada vez mais diminuindo o seu trabalho operacional e, se o governador não resolver esse problema a curto prazo, entendo que teremos uma situação muito similar ao que aconteceu no Espírito Santo e no Ceará em que teve uma ausência total da polícia nas ruas, com riscos claros de violência, de vandalismo, de crimes violentos”, pontua o professor.

Confira a entrevista.

Ponte – O que representa a manifestação dos policiais neste momento e essas ações que eles não colocam como greve, mas de redução de algumas atividades?

Luís Flávio Sapori – É uma greve que não é assumida como greve. O aspecto mais visível é o nítido fortalecimento da representação associativa e sindical dos policiais em Minas Gerais. Há muito tempo, eu não via um movimento tão forte e tão unificado envolvendo lideranças e associações de policiais militares, de policiais civis, de policiais penais. Envolve associações das bases das polícias como também das cúpulas: oficiais e delegados. Há uma liderança muito forte de políticos representantes da categoria. É um movimento que consolida o fortalecimento político do movimento associativo de policiais no estado de Minas Gerais. Eles estão conseguindo cobrar do governador uma promessa que não foi cumprida. Foi um erro do governador de Minas Gerias que fomentou todo esse processo. Em 2019, o governador Zema assinou um compromisso formal com as categorias de dar 42% de reposição salarial em três parcelas. E só deu uma das parcelas. As outras duas, até o momento, não foram dadas, descumprindo o acordo.

Ponte – O governador vetou o projeto depois que, na Assembleia Legislativa, os parlamentares aprovaram o texto com uma emenda ampliando o reajuste para as outras categorias e pelo “cenário financeiro de Minas”. Foi plausível essa justificativa?

Luís Flávio Sapori – Foi um erro político grave do governador ao prometer algo que ele não poderia cumprir. Não se tinha dúvidas em 2019, quando ele assumiu esse compromisso, de onde ele tiraria recursos fiscais, financeiros, para cumprir essa promessa. Minas Gerais já estava, e ainda está, em uma situação fiscal muito delicada. Ele, na verdade, assumiu um compromisso que já sabia que não poderia cumprir. E pagou para ver os policiais [reivindicarem o reajuste]. Acho que um outro erro é que ele acreditou, e seus auxiliares talvez estavam acreditando, que as entidades e as categorias policiais não estavam organizadas suficientemente para fazer pressão política. E eles se equivocaram. Eu diria que o movimento é o mais forte nos últimos 20 anos.

Ponte – O que levou a essa unificação de todas as polícias em Minas Gerais?

Luís Flávio Sapori – Uma insatisfação que é generalizada na base e na cúpula das polícias e as várias polícias em função de um erro do governador. Ele criou uma expectativa nos policiais e, ao não cumprir essa expectativa, conseguiu algo impressionante que é uma homogeneidade de críticas generalizadas. Ele consegue aglutinar policiais civis, militares e penais por causa de uma frustração. 

Ponte – A gente tem visto que alguns governadores, agora próximo do final do mandato e em ano eleitoral, têm anunciado reajuste salariais para servidores, especialmente forças de segurança pública, como o governador de São Paulo João Doria (PSDB) que, inclusive, também fez um descolamento da imagem do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem base nas polícias. Não foi o que aconteceu com o Zema, que já fez essa promessa no começo do governo e não se descolou totalmente do presidente. O que o levou a assumir esse compromisso, de se aproximar das forças de segurança?

Luís Flávio Sapori – Eu interpreto que houve um erro do cálculo político do governador de Minas Gerais. Um cálculo político equivocado no sentido de acreditar que poderia aplacar um movimento reivindicatório, poderia diminuir as pressões e poderia ter um governo de quatro anos sem maiores conflitos com as categorias policiais. Ele adotou uma estratégia equivocada, populista, uma promessa que não tinha condições de cumprir. Outro erro é que talvez ele tenha acreditado que a aproximação dele com o presidente Bolsonaro poderia ser um atenuante do movimento reivindicatório dos policiais. Entendo que talvez isso tenha entrado no cálculo político dele de que geraria policiais mais condescendentes, mais compreensivos e menos conflituosos. Essa questão com o presidente Bolsonaro não está entrando em discussão aqui, os grevistas claramente estão distinguindo quem é o governador Zema de quem é o presidente Bolsonaro.

https://ponte.org/o-que-esta-em-jogo-na-greve-da-pm-no-ceara/

Ponte – E as figuras políticas que estão aparecendo bastante nesse movimento são de deputados bolsonaristas, como o deputado Sargento Rodrigues (PTB), outros que são do PSL, partido que elegeu Bolsonaro, e vindos das forças de segurança pública.

Luís Flávio Sapori – Exato. Hoje, em Minas Gerais, tem um deputado estadual forte que é o Sargento Rodrigues, que vem de vários mandatos, é uma importante liderança, e um deputado federal, no segundo mandato, o Subtenente Gonzaga, da Polícia Militar. São duas representações bastante expressivas, principalmente, na Polícia Militar. Há alguns delegados na Assembleia Legislativa, com menos representatividade corporativa, e os policiais penais ainda não conseguiram uma representação importante.

Ponte – Além da questão salarial, por conta dessas lideranças se torna um movimento político?

Luís Flávio Sapori – Não. Não vejo esse movimento com as eleições de 2022, dessa polarização com bolsonarismo, não vejo com uma relação direta com o presidente da República que, na verdade, tem ficado em silêncio em relação ao movimento até agora, pelo menos. Vejo como um movimento muito local e relacionado a uma conjuntura local, a um erro político do governador em 2019.

Ponte – Em 1997, aconteceu uma greve que teve até participação do Sargento Rodrigues na época. O senhor enxerga alguma semelhança com o movimento dessa semana?

Luís Flávio Sapori – Não, são movimentos muito diferentes. O de 1997 foi específico da Polícia Militar, dos praças, em função de um aumento diferenciado dado pelo governador da época, Eduardo Azeredo, aos oficiais. Então, foi quase uma rebelião dos praças contra os oficiais e o governador da época. Agora, não. Agora é todo mundo no mesmo barco, com a mesma reivindicação: praças, oficiais, delegados, escrivães, policiais penais. Todos querem a mesma coisa, então é uma demanda única, aglutinadora.

Ponte – Toda essa conjuntura também tem relação com as manifestações de setembro do ano passado? Os policiais ficaram mais encorajados a irem para as ruas e questionar a autoridade do governador?

Luís Flávio Sapori – Isso vem acontecendo em Minas Gerais já há algum tempo. Isso não é novo. Desde a década de 1990, esse empoderamento associativo e reivindicatório das polícias já se faz presente em Minas Gerais, que tem as associações das mais fortes no Brasil nesse sentido. Mas não há dúvidas que essa conjuntura política recente, de uma autoestima maior, de uma demanda corporativista dos policiais alimentada pelo governo Bolsonaro, alimentou esse processo. Mas volto a dizer que isso não provocou o movimento.

Ponte – O Estatuto da Polícia Militar de Minas Gerais só proíbe que os policiais participem de manifestações político-partidárias se estiverem fardados e o comandante geral da corporação considerou os atos como legítimos. Há alguma ilegalidade?

Luís Flávio Sapori – Eles podem se manifestar, como fizeram no dia 21, mas não podem fazer greve. Na Polícia Militar, greve é motim, é crime militar. Por isso não estão assumindo greve, mas a gente não tem visto a Polícia Militar nas ruas, o patrulhamento está nitidamente reduzido. A Polícia Civil e a Polícia Penal, por outro lado, ainda não têm as restrições da Polícia Militar, mas há as decisões do Supremo Tribunal Federal que põem restrições legais à greve de policiais porque são serviço essencial, com sérias limitações. Por isso, estão assumindo a narrativa de operação padrão, de uma greve branca, na expressão popular.

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Mas o que temos observado em Minas Gerais é que as polícias estão cada vez mais diminuindo o seu trabalho operacional e, se o governador não resolver esse problema a curto prazo, entendo que teremos uma situação muito similar ao que aconteceu no Espírito Santo e no Ceará em que teve uma ausência total da polícia nas ruas, com riscos claros de violência, de vandalismo, de crimes violentos. Vejo esse risco como premente se o governador não for rápido na resolução do problema. Esse risco é real e concreto em qualquer lugar em que a polícia faz greve. E vejo com muita preocupação que o governador está muito lento na tomada de decisões. É como se estivesse apostando que a polícia está fazendo corpo mole, mas não abandonou completamente as ruas, e que, ao longo dos dias, ele vai poder ter uma negociação mais favorável para o governo.

Ponte – No caso dos policiais penais, eles proibiram as visitas.

Luís Flávio Sapori – Exatamente. Visitas e banhos de sol. Se eles não fizerem banhos de sol dos presos, o risco de motins e rebeliões é muito grande, vai aumentar a tensão no sistema prisional de Minas Gerais, que hoje tem 60 mil presos. Os riscos são muito graves e concretos.

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