Presos de Anápolis (GO) denunciam falta de alimentação e maus tratos

    Em carta entregue a familiares, detento fala em ‘ameaças’ e ‘corte de alimentação’; há denúncia de uso de spray de pimenta nas celas

    Familiares chegando ao presídio Estadual de Anápolis em dia de visita | Foto: Ismael Vieira

    O novo Presídio Estadual de Anápolis, em Goiás, foi entregue em 2018 e, com a superlotação da antiga unidade, parte dos detentos tem sido transferidos gradativamente para a nova unidade.

    De acordo com a família de um dos detentos, que preferiu não se identificar, muitos dos que chegam se queixam de maus tratos e abusos cometidos por funcionários da penitenciária. “No mesmo dia que chegaram, houve o espancamento de um. Entraram e espancaram mais”, conta a mãe de um dos presos, transferido no início de julho.

    À Ponte, contou que existe uma espécie de perseguição contra os novos detentos. “Desde o dia 5 de julho, quando foram transferidos alguns do presídio velho para o novo, eles vem sofrendo represálias e agressões”, disse, ao mencionar que os agentes aplicam “castigos”, como entrar na cela com spray de pimenta e cortar o acesso à cobertores e chuveiro.

    Segundo a mãe, depois de uma denúncia anônima encaminhada a um dos servidores do novo presídio, novas restrições foram impostas. “A gente tem direito de levar meio quilo de farofa, 1 quilo de bolacha e 200 gramas de suco em pó. Agora proibiram isso, não pode levar mais”, comenta sobre o telefonema que recebeu na tarde desta segunda-feira (26/8).

    Ainda sobre as proibições, como confirmou à Ponte, o permitido para a visita diária – 1 quilo de comida pronta – não será mais aceito. Recebeu a informação de um funcionário do setor administrativo. “Até questionei: a gente vai ficar sem comer o tempo todo durante a visita? Ele só falou: não entra comida mais”, conta.

    Carta recebida na última segunda-feira (26/8), durante visita semanal ao novo presídio de Anápolis (GO) | Foto: reprodução

    Na última visita que fez, recebeu um pedido de socorro. “Lá no fundo [do pátio] ficam aqueles que não tem visita, um daqueles me deu uma carta pedindo socorro e perguntou se eu podia ler para fazer alguma coisa”.

    Depois da última visita, um grupo de familiares de detentos do novo presídio de Anápolis decidiu formalizar a denúncia no Ministério Público de Goiás. Depois de uma conversa por telefone, a reunião com as famílias foi marcada para esta terça-feira (27/8). “O secretário do promotor disse que está tomando as providências e falou que a parte da comida nós temos que entrar com a mídia”, relatou sobre uma conversa com um integrante da 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia.

    “O sistema penitenciário está regredindo, isso faz é piorar o ser humano”, diz, ao lamentar que nenhuma atitude seja tomada pelo poder público diante dos relatos.

    A Ponte apurou que no sistema a “rigidez” é, muitas vezes, justificada por um “processo de aprendizado”.

    Nova unidade prisional de Anápolis (GO) | Foto: reprodução/SSPGO

    “Uma vez o coronel falou para mim que tem que ser mais rígido para aprender se comportar e valorizar o presídio ‘comum’ onde tem todas as regalias, que na verdade são direitos, e tudo por medo e desculpa das facções”, lamenta.

    Para ela, a restrição da comida sem nenhuma intervenção do Ministério Público aponta para um endurecimento na conduta dos agentes. “O novo governador Caiado endureceu mais ainda o regime, é bem rígido, em todos os sentidos, vingativo… eles passam fome mesmo”.

    A assessoria de comunicação da Pastoral Carcerária afirmou ao telefone que não recebeu nenhuma denúncia este ano sobre Anápolis, somente respostas de casos denunciados no ano passado. 

    Por telefone, o presidente do Sindicato do Sistema de Execução Penal do Estado de Goiás, Maxuell Miranda das Neves, afirmou que “nenhum agente prisional ou diretor tem poder para fazer restrição de comida”.

    “Qualquer abuso de autoridade, agressão indevida por parte dos servidores, o sindicato não comunga com isso e pede apuração. Todas as denúncias que chegam, nós passamos para a Diretoria Geral e para o Ministério Público e pedimos para que seja apurado”, disse Maxuell.

    No Monitor da Violência do G1, em um mapa que mostra o percentual de presídios superlotados por estado da federação, Goiás aparece com 101%, ou seja, 1% a mais que o dobro da capacidade. São 21.876 presos, sendo 9.481 provisórios, divididos em 10.886 vagas.

    Em nota, a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) disse que denúncias de maus tratos devem ser encaminhadas à Secretaria de Segurança Pública (SSP) de Goiás. Ainda, segundo o texto, somente a SSP pode “apurar caso a caso, na forma da lei, e tomar as providências cabíveis, observando as circunstâncias e identificando as autorias dos fatos apresentados”.

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