Fui demitida por me posicionar contra Bolsonaro, afirma professora

    Docente aponta que briga entre os alunos e seus pais nas eleições foi um dos motivos alegados para exigirem seu desligamento; colégio na Grande São Paulo nega ‘censura e patrulhamento’

    Colégio divulgou carta aberta para desmentir versão da professora | Foto: Reprodução/Google Street View

    “Doutrinação comunista” e pressão de mais com alto poder aquisitivo. Estes são os motivos alegados por uma professora de ter sido demitida do colégio particular Liceu Jardim, em Santo André, cidade na Grande São Paulo, após as eleições presidenciais. Segundo ela, pais de alunos estão pressionando a direção a demitirem docentes. A escola nega.

    Segundo a professora de História Juliana Lopes, que lecionava para os ensinos fundamental e médio, os alunos passaram a cobrar um posicionamento dos professores durante o período eleitoral. “Por várias vezes quiseram que eu abrisse meu voto, mas eu sempre me esquivava, até que sinalizei em quem não votaria em hipótese alguma, Bolsonaro, obviamente, uma vez que seu projeto de país era excludente e, como ele mesmo diz, para as maiorias”, escreveu em postagem. “Desta forma, os fiz entender que não se tratava de um posicionamento à direita ou à esquerda, mas sim algo moral que me impedia de compactuar com alguém que quer exterminar indígenas, negros, LGBTs e opositores em geral”, prossegue.

    Juliana afirma, ainda, que, com isso, os adolescentes passaram a questionar “a posição conservadora” dos pais, que “em sua maioria” é eleitor do militar da reserva do exército e as discussões passaram a virar brigas. “Isso causou mal estar em suas casas, uma vez que, ao que parece, os filhos já não tinham mais como referência seus pais, mas sim seus professores – não é pra menos, eles passam 12 horas por dia na escola quase todos os dias.”, diz. “Segundo alguns pais, era obra de doutrinação de professores comunistas/petistas da escola”, continua.

    Em relato postado em seu perfil no Facebook, Juliana aponta que a cobrança chegou até a direção do colégio com ameças de alguns dos pais que teriam afirmado que “sairiam da escola, entrariam com processo por aliciamento de menores”.

    De acordo com a docente, a direção cobrou que os professores não se manifestassem politicamente nas redes sociais pois “os pais estavam nos stalkeando [monitorando] e tiravam de lá sua base argumentativa” para definir de quem pediriam demissão.

    “O recado da direção era de que estava terminantemente proibido falar de política naquele dia, inclusive com monitoração das salas”, diz, sobre o dia 29/10, um após as eleições. Na segunda-feira (29/10), a professora disse que não se sentiu bem para dar aula, teve “uma crise de choro” e não suportou “ficar na escola aquele dia”. “Desculpei-me depois por minha atitude, pedi para que meu dia fosse descontado ou algo assim”, relatou.

    Ela aponta que no dia seguinte foi chamada pela direção sobre seu desligamento por conta da postura no dia anterior e porque a escola teria dito que pais de alunos ameaçavam processá-la. “Foi uma conversa longa na qual expus que compreendia que a escola tem de pagar suas contas, mas deixei claro que estava sendo injustiçada e tinha minha consciência tranquila, uma vez que minhas aulas sempre foram abertas ao diálogo e ao debate e que gostaria mesmo que tivessem sido gravadas e expostas a todos”, escreveu.

    “Nestes 3 anos que lá fiquei, conseguimos fazer um trabalho de humanização da escola, que era chamada pelos próprios alunos de ‘presídio’. Fizemos um coletivo feminista, promovemos saídas culturais, criamos um espaço de debate (com convidados de fora) chamado ‘Diálogos do Jardim’, no qual era possível debater desde segurança pública a racismo, com todos os alunos do Ensino Médio reunidos, aulas de cinema e análise fílmica, foi lindo!. Todavia, isso tudo está ameaçado, pois alguns pais veem isso como doutrinação”, declarou a docente.

    Motivos ‘inverídicos e inexistentes’

    O Colégio Liceu Jardim publicou uma carta aberta apontando que os motivos alegados pela docente são “inverídicos e inexistentes”. A escola afirma que a demissão se deu porque a professora alegou não ter condições emocionais para ministrar as aulas após o resultado das eleições. “Não é prática da gestão da nossa escola nenhum tipo de censura e patrulhamento – dentro e fora do nosso ambiente, incluindo as redes sociais – implicando na demissão de colaboradores, especialmente professores, motivada por posicionamento político ideológico”, sustenta o texto.

    Também pela página do Facebook, a explicação dada é de que a professora havia sido advertida diversas vezes após a direção receber “observações” da comunidade de pais e de alunos por conta do “excesso de tempo de aula destinado por ela à abordagem do cenário político, com expresso viés partidário”, que estaria prejudicando o conteúdo programático. O colégio alega que Juliana não teria respeitado a recomendação e manteve a postura.

    A carta aberta cita um Sarau com a 3ª série do ensino médio como exemplo de liberdade por tratar de temas como Semana de Arte Moderna (2009), Ditadura Militar (2010), História da Música (2012) Preconceito, em todas as formas (2013), Movimentos Socioculturais (2014), Carpe Diem (2015), Mudanças (2016) e Fronteiras do Pensamento (2017).

    “Em síntese, como instituição comprometida com o ensino e a educação, reafirmamos nossa crença no papel do espaço escolar, como o ambiente propício para o debate e compreensão das grandes questões da contemporaneidade, objetivando formar cidadãos autônomos, isentos, tornando-se capazes de dimensionar e redimensionar o mundo por si mesmos”, sustentou o colégio.

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