Protesto no Rio: “Aqui é favela e a gente não tem direito a nada”

    Moradores das favelas do Complexo do Chapadão, na Zona Norte da capital fluminense, exigem o fim da violência policial. Na segunda-feira (13/02), quatro jovens foram mortos na região por PMs do batalhão mais letal do estado

    Moradores do Complexo do Chapadão protestam contra violência policial. Foto: Arquivo pessoal

    Moradores do Complexo do Chapadão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, fizeram uma manifestação contra a violência policial na manhã de quarta-feira (15/02) na favela Final Feliz, onde policiais militares do 41º BPM (Irajá) mataram quatro jovens na segunda-feira (13/02), invadiram a casa de um casal de idosos e prenderam os dois em um quarto por horas. Foi a segunda manifestação de moradores contra ações violentas de PMs nas favelas do Chapadão em menos de 20 dias.

    “A gente já não aguenta mais os policiais militares entrarem na nossa casa achando que a gente não tem o direito de nada. Entrar na nossa casa, mexer em tudo, bagunçar e achar que a gente não tem direito. A gente não tem ninguém nos apoiando, a maioria das pessoas não conhece realmente seus direitos e eles [policiais] chegam matando”, revoltou-se uma moradora, que prefere não ser identificada por medo de represálias.

    Casas têm sido frequentemente invadidas e revistadas por policiais sem mandado judicial e pessoas são abordadas com violência a qualquer hora do dia, segundo moradores, que afirmam não suportar mais viver sob o medo imposto pelos agentes cotidianamente nas favelas do Chapadão. “Nós temos direito de ir e vir. Chega! A gente não aguenta mais!”, desabafou a moradora.

    O 41º BPM é o esquadrão mais letal de todo estado no Rio: de acordo com dados do IPS (Instituto de Segurança Pública) divulgados no ano passado, 495 pessoas foram assassinadas por policiais do 41º BPM desde sua criação, sendo 69 apenas no primeiro semestre de 2015. Foram seus efetivos que mataram, em 28 de novembro de 2015, cinco jovens em Costa Barros, favela também da Zona Norte do Rio: foram 111 tiros de fuzil disparados contra o Palio onde estavam as vítimas, desarmadas.

    Quando os manifestantes passaram pela estrada Rio do Pau e pela rua Alcobaça, policiais tentaram impedi-los de continuar, segundo moradores. “Na via, a gente fazendo uma manifestação pacífica, eles pararam a gente por duas vezes, tentando nos afligir para não irmos adiante. Aí mostramos o motivo pra eles, mostramos fotos dos nossos filhos, fotos dos filhos das Mães de Maio, de São Paulo, e eles falaram: ‘é tudo inocente?’. E citaram o nome de um traficante”, contou a mulher, que já teve um filho morto pela polícia, como outras cinco que participaram do ato.

    “O Estado é culpado de tudo isso que está acontecendo na nossa favela. Porque falar ‘comunidade’ é modéstia, isso é favela. Aqui não é comunidade, é favela e a gente não tem direito a nada. Isso é um abuso, eles [policiais] abusam do poder”, encerrou, em tom de revolta.

    Na noite do dia 28 de janeiro, moradores atearam fogo em um ônibus na estrada Rio do Pau (imagens abaixo), em manifestação contra as mortes de jovens nas favelas do Chapadão e à intimidação de pessoas, invasão de casas sem mandado e outros abusos cometidos pelos policiais do 41º BPM.

    Ônibus incendiado por moradores do Complexo do Chapadão em protesto contra a violência policial na noite de 28/02. Foto: Arquivo pessoal

     

    Na manhã do dia 29/02, via-se a carcaça do ônibus incendiado em protesto de moradores na noite anterior. Foto: Arquivo pessoal

    Velório

    Nesta quinta-feira (16/02), foram velados na Igreja da favela Final Feliz dois dos quatro jovens que foram mortos na segunda-feira: Lucas, de 19 anos, e Felipe, de 34. Familiares e amigos lamentaram as mortes. “Felipe era amigo. Aquele cara que você podia contar pra tudo. Conhecia ele desde o tempo de escola. Ele não era daqui, era de Pilares [bairro também na Zona Norte da cidade]. E era muito amigo mesmo. Tanto que no velório dele tinha senhoras, crianças, pessoas que ele ajudou. Um grande amigo, pra ser guardado de bom mesmo. Vou sentir muita saudade dele”, disse uma amiga de Felipe, conhecido na comunidade como “Zói”.

    Felipe, conhecido como “Zói”, morto por PMs no Chapadão. Foto: Arquivo pessoal

     

    Lucas, morto por PMs no Chapadão. Foto: Arquivo pessoal

    Outro lado

    A reportagem questionou a PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) sobre o motivo das intervenções no protesto dos moradores e sobre os relatos de violações de direitos praticados por policiais do 41º BPM nas favelas da Zona Norte, enviando à assessoria de imprensa da instituição as seguintes perguntas:

    1) Em protesto de moradores do Complexo do Chapadão contra a violência policial ontem (15/02), policiais militares intervieram em dois momentos com o objetivo de impedir a manifestação, segundo participantes do ato. Qual o motivo das intervenções?

    2) Dados divulgados no ano passado pelo ISP (Instituto de Segurança Pública) apontou que o 41º BPM é o mais letal da PMERJ e moradores de várias favelas da Zona Norte afirmam ser vítimas de violações de direitos humanos como invasões de casas sem mandado, intimidações, abordagens violentas, além de mortes de jovens das favelas em operações policiais. Gostaria de uma posição da PMERJ sobre essa questão.

    Por meio de sua assessoria, a PMERJ respondeu que:

    1) As intervenções tiveram a intenção de liberar as vias e impedir a depredação de ônibus. 

    2) Os relatos descritos precisam ser registrados para que possamos apurar e responder caso a caso. Não podemos responder por afirmações não apuradas. 


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