“Queremos encontrar o corpo”, diz irmã de vendedor morto no Guarujá; PMs são principais suspeitos

    O corpo de Cristian está desaparecido há 7 meses. Em vídeo, um PM que está preso confessou envolvimento na morte do rapaz; amigos e familiares querem justiça

    Familiares e amigos da vítima cobram seriedade nas investigações para que o corpo do rapaz seja encontrado. Foto: Arquivo pessoal

    O vendedor de móveis Cristian Domingos de Almeida, de 33 anos, morador do Guarujá, litoral paulista, está desaparecido desde o dia 23 de janeiro de 2020. Para a irmã e o advogado da família não restam dúvidas de que dois policiais militares estejam envolvidos no sequestro e na morte do rapaz, principalmente, após a confissão de um soldado da PM em vídeo divulgado pelo G1 nesta quarta-feira (19).

    “Queremos encontrar o corpo do meu irmão. A minha mãe ainda espera o corpo, espera ele. A gente quer fazer uma homenagem digna para o Cristian. Ele era um menino bom, ele merece. A família toda está esperando isso. Minha mãe está tomando calmante para conseguir dormir. Ela pede em oração pra encontrar o corpo do meu irmão. Ela o quer de volta”, diz Jaciara de Almeida, irmã de Cristian.

    A vítima foi vista pela última vez assistindo a uma partida de futebol em um bar, próximo de sua casa, no bairro Morrinhos. Ele estava junto com um amigo quando foi levado por dois homens armados em um carro.

    O advogado da família de Cristian, Rodrigo Sorrentino, disse à Ponte que essa pessoa que testemunhou a ação fez o reconhecimento fotográfico na delegacia e afirmou, “sem sombra de dúvidas”, que os responsáveis pelo sequestro eram dois policiais militares. O soldado José Edvanilson dos Santos Santana foi preso nesta segunda-feira (17). O outro PM, que não teve o nome divulgado, foi afastado da corporação.  

    Cristian não tinha antecedentes criminais e trabalhava há oito anos em uma loja de móveis no mesmo bairro onde morava com a mãe, o pai e a irmã. Segundo Jaciara, seu irmão era bem conhecido na comunidade, querido por todos os vizinhos e não tinha envolvimento com nada de errado.

    “O dia a dia dele era acordar, levantar cedo e passar o dia trabalhando. Ele trabalhava com móveis, sempre carregava pra lá e pra cá. Essa era a rotina dele. Quando ele terminava o expediente, gostava de acompanhar as partidas de futebol com os amigos aqui da rua, ou então assistia em casa com o meu pai”, conta Jaciara.

    Segundo ela, os vizinhos choraram quando souberam da morte de seu irmão. “Está todo mundo triste e inconformado com a crueldade desses homens [policiais] que cometeram esse crime bárbaro.”

    Jaciara não vê motivos para terem feito isso com Cristian. “Esse crime foi cometido por uma pessoa doente, desequilibrada, que nunca poderia estar numa profissão dessa. Ele mesmo fala no vídeo que estava agindo com vários problemas na cabeça. Ele mesmo confessa. O vídeo já responde tudo. Mas a gente ainda quer saber porque só o meu irmão.”

    O questionamento de Jaciara é o mesmo do cordeiro Michel Claudino, que morou no Morrinhos e conviveu com Cristian por longos anos. Segundo ele, não há justificativa para a morte do amigo, uma vez que o “barato” de Cristian “era só tomar uma no bar e acompanhar as partidas de futebol no campinho do bairro”.

    “Ele só trabalhava e curtia. Sempre foi respeitador. Eu achei muito estranho isso que aconteceu com ele. Pegou todo mundo de surpresa. Só tenho lembrança boa do Cristian. Ele era muito guerreiro. Foi maldade demais que fizeram, pois ele não era de parada errada”, lamentou.

    Cristian abraçado com seus pais, Joaquim Batista e Nativa de Almeida. Foto: Arquivo pessoal

     NÃO HÁ DÚVIDAS QUE FORAM PMS

    Para o advogado da família de Cristian, Rodrigo Sorrentino, não restam dúvidas que o crime tenha sido cometido pelos policiais. À Ponte, ele explicou que foi decretado segredo de justiça no inquérito após a prisão do soldado Santana. No entanto, o advogado detalhou o caso e afirmou que o vídeo em que o PM confessa participação no crime apenas confirmou o que as investigações já apontavam.

    “Em uma parte do vídeo, o PM fala que ‘o banco está sujo’. Provavelmente, o policial deve ter assassinado o rapaz ali no carro mesmo. A testemunha, que estava próximo ao local do crime, ouviu um disparo e, depois de um intervalo, outros dois tiros”, relata.

    A parte do vídeo que o advogado menciona é quando o policial, que está fardado, diz que “o que ia pegar mesmo era o carro”, que, segundo ele, “estava com as manchas”. “O cara [outro policial] está andando a pé por minha causa. O meu parceiro, que estava junto comigo, está andando a pé por causa de mim, dessa merda que eu fiz. Ele se desfez do carro. Ou foi furtado, alguma coisa assim”, disse o PM.

    Imagens de câmeras de segurança identificaram que o policial militar era dono do veículo que levou Cristian naquela noite. Um mês após o vendedor desaparecer, Sorrentino conta que o PM deu queixa de furto do carro, que foi identificado pela placa. Porém, de acordo com ele, o sigilo telefônico do policial foi quebrado, e pela antena do celular, “confirmou-se que ele estava no local, no dia e hora do crime”.

    Além disso, o advogado detalha, baseado no depoimento da testemunha presencial, que antes de colocar Cristian no carro, o PM deu uma coronhada no vendedor, entrou em luta corporal e deixou o boné cair no chão. De acordo com Sorrentino, a família do rapaz morto encontrou o PM usando o mesmo boné em uma foto na rede social.

    Ainda no vídeo divulgado pelo G1, o PM fala sobre um corpo que não foi encontrado e também da investigação. “Fiquei sem chão, perdi o juízo. É cobrança, um monte de coisa. Eu sei que eu tô errado e só fiz merda [sic], quase perdi a profissão. Vamos esperar para ver o que vai dar. Tudo bem que não vai dar nada. Capaz que não suba nem para a corregedoria, só se der alguma coisa na [Polícia] Civil aqui, porque não achou o corpo, a arma também, só se achar o corpo. Aí, opa, ‘vamos periciar a arma dos caras’”, diz o PM suspeito.

    “É um conjunto probatório harmônico. Várias provas que são contundentes e harmônicas entre si. Honestamente, eu nunca tinha visto, em 15 anos de profissão, um policial militar fardado confessando a prática de homicídio”, disse Sorrentino.

    A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) para solicitar mais informações sobre a investigação e também solicitou o contato dos advogados dos PMs suspeitos de matarem Cristian. Em nota, a SSP informou apenas que “diligências estão em andamento e detalhes não podem ser passados, pois o caso segue em sigilo”.

    A SSP disse, ainda, que a Polícia Militar “apoia as investigações”. Sobre o contato da defesa dos PMs, a pasta não respondeu.  

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