Punições desproporcionais a agentes que contrariam instituição ou peçam mudanças no modelo de segurança são criticadas pela Human Rights Watch
Os policiais militares do Brasil têm limitada liberdade de expressão e sofrem com punições severas e desproporcionais caso se posicionem contrários ao ponto de vista da corporação. Esta é a conclusão do relatório “Brasil: Polícia Militar Silenciada”, divulgado na quarta-feira (08/03) pela Human Rights Watch.
Um dos pontos levantados pela organização como motivo para o silenciamento dos agentes do estado envolve as leis militares. Por estarem submetidos ao código penal militar brasileiro, os planos disciplinares estaduais impõem limites para os policiais se manifestarem. Prisão e sanções desproporcionais estão entre as penas.
Com 436 mil PMs atuantes no país hoje, o entendimento interno é de praticamente zero espaço para discordância. Em um índice de expressão de opiniões, “raramente” é colocado como principal resposta à possibilidade de subordinados terem opiniões ouvidas, mesmo diferentes das de seus superiores. “Frequentemente” é posto como o medo destes agentes se expressarem com os comandantes, segundo pesquisa nacional feita pelo Ministério da Justiça com mais de 14 mil praças — categoria que inclui soldados, cabos, sargentos e subtenentes.
Entre os casos citados pelo relatório para sustentar a teoria envolve o policial cearense Darlan Abrantes. Por conta do livro “Militarismo, um sistema arcaico de segurança pública”, escrito em 2008, ele recebeu pena de dois anos de prisão. Apesar da Justiça liberar a pena para liberdade condicional, Abrantes já havia sido expulso da corporação.
De acordo com o artigo 155 do código penal brasileiro, incitar a “indisciplina” é crime com pena de dois a quatro anos de reclusão. Caso exista critica a superior ou decisão do governo, é possível receber um ano de prisão ao agente do estado. Estas leis são datadas de 1969, última alteração no código militar.
Livro pelo qual o policial Darlan Abrantes foi expulso da PM do Ceará (Reprodução)
“Policiais podem ser presos e ter suas carreiras destruídas por expressarem opiniões que desagradem seus comandantes. Essas punições são completamente desproporcionais a qualquer que seja a motivação das autoridades em limitar a liberdade de expressão dos policiais”, sustenta Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch.
Segundo a diretora, dar espaço para fala a quem está nas ruas é essencial pois “aqueles que enfrentam diariamente o crime nas ruas podem oferecer perspectivas valiosas sobre as políticas de segurança e reforma policial, e devem ter o direito de expressar suas opiniões sem o receio de serem punidos arbitrariamente”, sustenta.
Reformas paralisadas
Mudanças nas leis estão diretamente ligadas a garantia da mínima liberdade de expressão aos policiais. Apesar de ter publicado diretrizes nacionais em 2010, cobrando dos estados reformas nos códigos disciplinares, o Governo Federal não obteve êxito. “A implementação das recomendações, no entanto, tem sido frustrante”, aponta o relatório da Human Rights.
Estimulo aos policiais participarem de debate, estudos, reflexões e formulações das políticas públicas sobre segurança, em conferências, conselhos, seminários ou pesquisas estão citadas como ações benéficas neste sentido. Contudo, não é visto na prática.
Pressão para mais espaço às opiniões dos membros do Estado também são cobradas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. De 2005 a 2009, decisões trataram como “ilegais” as limitações de expressão aplicadas pelos governos.
“Atualmente há diversas propostas de reforma que resultariam em um policiamento mais efetivo e responsável perante a sociedade. Elas incluem iniciativas legislativas que tramitam no Congresso propondo desvincular a polícia militar do exército e abolir a detenção administrativa, ou ainda propostas nas esferas estaduais para reformar os códigos disciplinares”, sugere o relatório.