Réu da chacina de Osasco viu depoimento de testemunha protegida

    Norma do Tribunal de Justiça proíbe que réus tenham acesso aos dados sigilosos de testemunhas

    Zilda Maria Paula, mãe de Abuse, vítima da chacina, protesta ao lado da advogada Dina Alves

    No terceiro dia do julgamento da chacina de Osasco, um dos três réus acusados de matar 17 pessoas no dia 13 de agosto de 2015, o policial militar Fabrício Emmanuel Eleutério admitiu, ao ser interrrogado, que teve acesso ao vídeo com o depoimento de uma testemunha protegida do caso.

    A ação de Eleutério viola o provimento 32, baixado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 2000 para proteger a identidade de testemunhas expostas a coações ou ameaças. O texto da norma afirma que os dados de testemunhas protegidas devem ser guardados numa pasta própria, com acesso permitido apenas aos promotores e advogados do caso, com “controle de visitas” realizado por um escrivão.

    Não foi o único deslize da defesa ao longo do dia. No mesmo interrogatório, Eleutério provocou desconforto ao falar voltado para o júri, olhando nos olhos dos jurados, rompendo com o posicionamento habitual dos tribunais. Ao final do dia, o promotor Marcelo Oliveira disse que inicialmente não tinha visto problema na postura do réu, mas depois mudou de ideia ao ouvir comentários de como o olho-no-olho do PM poderia ter constrangido os jurados e poderia influir no resultado final do julgamento.

    Eleutério, que atuava na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) deu um depoimento longo, com aproximadamente 1h40, cheio de referências a Deus. “Minha religião não permite que eu faço juramentos, mas que Deus me dê um câncer se o que eu falar não for verdade”, disse, no início do seu interrogatório. Afirmou que, na noite da chacina, havia saído com a namorada, hoje noiva, para ver a animação infantil ‘Minions’ no cinema. Como a fila estava grande, teria desistido dos bichinhos amarelos do filme e rumado para a casa da mãe da namorada, onde o casal passou a noite. De madrugada, teria sido acordado por um telefonema de sua advogada, que o aconselhou a voltar para casa, já que havia “ataques” acontecendo em Osasco e Eleutério havia recebido uma ordem restritiva que o obrigava a passar as noites em casa, por conta da acusação de ter participado de outra chacina, ocorrida em 2013.

    Parentes do GCM protestam no terceiro dia do julgamento | Foto: Facebook

    Também contou que, em 21 de agosto, policiais da Corregedoria da PM estiveram no quartel da Rota, na Luz, região central de São Paulo, onde revistaram o armário de Eleutério e apreenderam um celular. No aparelho, constava que o PM participava de um grupo no Whatsapp formado por cerca de 50 policiais. Entre as conversas trocadas no grupo, havia ameaças de retaliação após a morte do cabo da PM Ademilson Pereira de Oliveira, assassinado em um posto de combustível de Osasco, em 7 de agosto, seis dias antes da chacina.

    Os interrogatórios dos outros réus foram bem mais curtos, com meia hora cada. O PM Thiago Barbosa Henklain chorou muito, de soluçar, a ponto de ter que interromper sua fala. Contou detalhes de seu relacionamento com a família, disse que seu pai era um herói e reafirmou que é inocente.

    O guarda civil municipal Sérgio Manhanhã, de Barueri, deu sua versão para um emoji de “positivo” que teria recebido no Whatsapp, enviado por um PM, Victor Cristildes Silva dos Santos, também acusado de envolvimento na chacina, na noite do crime. Disse que o PM havia lhe mandado a mãozinha com o polegar para cima por causa da devolução de um livro emprestado.

    Outro tropeço da defesa ocorreu nos depoimentos de guardas e policiais a respeito do relacionamento entre GCMs e PMs na região. O guarda Marcelo Gomes da Silva, membro do Gite (Grupo de Intervenção Tático Estratégico) da GCM de Barueri, disse que teria sido impossível a união de policiais com um GCM pra praticar uma chacina, já que “não há possibilidade de entrosamento” entre as duas corporações, tanto que alguns guardas já teriam sido detidos por policiais militares acusados de fazer uso ilegal do poder de polícia.

    Outros dois depoimentos da defesa desdisseram o que o GCM Marcelo havia dito antes. Outro GCM, William Moreira, que trabalhava com Sérgio, comentou que alguns de seus colegas tinham, sim, um bom relacionamento com a PM, entre eles o próprio Manhanhã. E o policial militar Carlos Eduardo Oliveira, ao elogiar Sérgio, também desmentiu Gomes Silva, por dizer que Manhanhã “sempre uniu forças com a PM”.

    Ao longo do terceiro dia de júri, parentes dos policiais e do GCM, em maior número, protestaram diante do Fórum de Osasco ao lado de parentes das vítimas da chacina. Apesar dos deslizes de hoje da defesa, porém, os comentários nos bastidores dão conta de que a acusação enfrenta uma série de problemas, entre eles a ausência de uma descrição individualizada a respeito da participação de cada réu na chacina, e que haveria chances fortes de absolvição dos réus.

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