Servidores do Rio carregam marcas de violência policial em protestos que já duram um mês

    Sequelas da violência policial são o saldo de um mês de protestos de servidores contra “pacote de austeridade” do Governo do Rio

     

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    Policiais Militares carregam manifestante em protesto de servidores no Centro do Rio. Foto: Pedro Prado

     

    Desde o dia 6 de dezembro, Gutemberg Oliveira, de 45 anos de idade e servidor do Sistema Penitenciário do Estado há 22, não sai de casa sem óculos escuros. Ainda não se sabe se terá que usar o acessório para sempre. Ele possui catarata traumática, resultado de uma bala de borracha que acertou seu olho direito, em frente à Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), no Centro do Rio, durante uma das grandes manifestações organizadas por servidores do estado contra o chamado “pacote de austeridade” do  governador Luiz Fernando Pezão.
    Com salários atrasados, servidores de diversas áreas vêm realizando protestos desde novembro contra as medidas de Pezão para atingir o equilíbrio fiscal e superar a crise do estado, e que envolvem, entre outros, extinção do aluguel social e o aumento das tarifas do Bilhete Único e do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços) sobre o fornecimento de energia e produtos como gasolina. A estimativa do Governo do Estado era de que esse pacote gerasse uma economia de RS 27,9 bilhões.
    A sequência de protestos tem sido marcada por intensa repressão policial, com uso de bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha contra os manifestantes. “Eu estava tentando dispersar as pessoas em meio às bombas de gás lacrimogênio que a polícia disparou”, conta Gutembergue. “Nisso fiquei na linha de frente, eu não queria violência. Depois veio a polícia e atirou em mim. Muita covardia”, completa.
    Com o joelho alvejado por um PM da Tropa de Choque também no protesto do dia 6, o bombeiro Bruno Esteves teve os chamados ligamentos cruzados rompidos e, agora, depende de uma cirurgia para se recuperar da lesão. “Estávamos perto da grade quando começou a correria. Muito gás, pimenta, galera querendo vomitar, bateu desespero”, conta ele, que integra o Corpo de Bombeiros do Rio há oito anos. “Estou aqui hoje, com joelho esfolado, para mostrar que não esqueci dos nossos direitos. Em quase uma década no Corpo de Bombeiros, nunca peguei uma fase como esta”, afirmou durante outra manifestação, na terça-feira (20/12).
    “Estávamos pacíficos até que outra galera, veterana do Bope, começou a querer derrubar a grade. Nesse mesmo momento a Força Nacional começou a usar da sua força contra os manifestantes. Eles começaram a nos alvejar. Nós, bombeiros, somos a pedra no caminho do governo. Com tudo isso, as bombas de efeito moral e de gás fizeram as pessoas correrem e criaram tumulto. Houve desespero. No momento em que tomei o tiro, as pessoas estavam desnorteadas, vi varias caírem no chão por causa das bombas”, narrou Esteves.
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    Fumaça gerada pela explosão de bombas de gás dispersa manifestantes em protesto de servidores no Centro do Rio. Foto: Pedro Prado

    Após um mês de violência da PM contra os participantes dos atos, a instituição deu início ao que seria uma nova forma de abordagem na manifestação de terça-feira (20/12). Os agentes bloquearam a avenida Antonio Carlos e a rua São José, revistando manifestantes e transeuntes. O objetivo, segundo o porta-voz da Polícia Militar do Rio, major Ivan Blaz, em coletiva de imprensa, era “abordar cidadãos que estejam com explosivos” e proteger igrejas e museus antigos do Centro.

     A preocupação com edificações históricas decorre do fato de policiais militares terem invadido a Igreja São José para lançar, do segundo andar, bombas de gás contra manifestantes no protesto anterior (6/12), revoltando lideranças católicas, que criticaram a violência policial em carta ao bispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Luiz Henrique. “Certamente a Arquidiocese vai nos dirigir caminho a seguir e será importante nota eclesiástica na empresa para que nossa imagem, católica e pacifista, não fique atrelada a desmandos da Policia local. O prontuário aberto na policia, por nós, contra a indevida postura da PM no episodio é RJ-6.12.2016 – 0700119”, diz a carta, assinada por Gary Bon-Ali e Lêda Machado, da Provedoria Irmandade do Glorioso Patriarca São José Igreja de São José Centro.
    O bispo Dom Orani recebeu o comandante geral da PMERJ, Wolney Dias, que pediu perdão à Igreja em nome da instituição. Indagada sobre o uso indevido das torres da igreja, a Arquidiocese do Rio respondeu que apuraria os fatos e que, “em face do contexto atual que marca o cenário do Rio, importa que as soluções sejam buscadas através do diálogo e do esforço de todos em vista da justiça e da paz”.
    Depois de muitos dias de discussão e votações, das 22 propostas enviadas pelo Executivo, 14 foram devolvidas ou retiradas de pauta, uma foi rejeitada e apenas sete aprovadas. Em fevereiro, quando a Casa retornar as atividades, o pacote de Pezão voltará a ser discutido.
    Questionada sobre o uso excessivo de bombas de gás e balas de borracha, a Polícia Militar não respondeu até a publicação desta reportagem.
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    Homem é socorrido durante protesto de servidores marcado por intensa repressão policial no Centro do Rio. Foto: Pedro Prado

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