Sete mototaxistas foram mortos em tiroteio no Rio de Janeiro em 2017

    Análise de notícias sobre o tema indica que pelo menos 7 mototaxistas morreram e 10 ficaram feridos na cidade enquanto trabalhavam

    O mototaxista Rafael Pereira da Silva, 21 anos, atingido durante um tiroteio entre policiais e traficantes, no dia 17 de dezembro, foi o sétimo profissional do ramo apenas em 2017 a ficar ferido enquanto trabalhava na cidade do Rio de Janeiro. Rafael, que agora se encontra preso preventivamente, faz parte da lista de outros casos semelhantes que ocorreram na capital fluminense.

    A Ponte, com ajuda dos responsáveis pelo aplicativo Fogo Cruzado, fez um levantamento a partir dos casos noticiados nos principais veículos de imprensa da cidade e juntou as ocorrências de mototaxistas mortos e feridos em uma linha do tempo interativa.

    Dos sete mototaxistas mortos, dois foram executados, quatro foram pegos em tiroteios entre policiais e traficantes e um não teve as circunstâncias ainda apuradas. No total, 10 casos (71%) ocorreram em áreas com UPP.

    Quando soube da lista, o mototaxista Marinho, que há mais de uma década trabalha em um dos maiores complexos de comunidade do Rio de Janeiro, admitiu que não ficou surpreso. “A profissão de mototaxista é muito perigosa. Eu comparo a atividade com a de um policial”. Outro que também não se surpreendeu foi o presidente da Associação dos Mototaxistas da Cidade do Rio de Janeiro, Cláudio de Paula. “Pelo tamanho da violência que vemos hoje eu imaginava que seria mais”, afirmou.

    Segundo a associação, estima-se que existam hoje, no município do Rio de Janeiro, cerca de 27 mil mototaxistas, ressaltando que esses números flutuam constantemente, porque muitos ainda vêem a profissão como um “bico”, seja pela crise econômica ou qualquer outro motivo.

    Esse cenário vai ao encontro de a pesquisa “Sobre duas rodas: o mototáxi como uma invenção de mercado”,  realizada em 2004, na qual a autora, Natasha Fonseca, delimita que, naquela época, essa percepção já existia. “Prevalece a representação de que é um trabalho temporário, transitório, um meio, mais do que um fim. O mototáxi não é representado como uma profissão, uma carreira por tempo indeterminado”. Nesse estudo, Fonseca também afere que os mototaxistas são bastante ligados às comunidades das quais fazem parte, delineando uma série de características básicas, que podem ser vistas na imagem a seguir.

    Desde a publicação desse estudo, as características não mudaram, avalia o mototaxista Marinho. Para ele, hoje em dia o trabalho consegue ser ainda mais perigoso, muito por conta da presença constante da polícia no território das favelas, fato especialmente presente no caso das comunidades com UPPs. “Hoje, quando tem tiroteio, você não pode andar mais, até porque a polícia atira de qualquer jeito, não tem um treinamento especializado”, critica.

    Dados catalogados pelo aplicativo Fogo Cruzado demonstram ainda que, desde julho de 2016, as áreas de UPP tiveram 315 operações policiais, que terminaram com 289 mortos e 46 feridos. Do total de 7 mototaxistas mortos em 2017, 5 foram justamente em áreas pacificadas, expondo o que a pesquisadora Natasha citou como “viver sobre o fio da navalha, entre a tensão da polícia e o bandido”.

    Para a socióloga do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) Silvia Ramos é possível que os números de mototaxistas atingidos em situações de confronto armado ainda seja subnotificado, reforçando um processo permanente de criminalização dessa classe de profissionais. “Parte da polícia vê esses rapazes como suspeitos, assim como vêem a maioria dos jovens negros das favelas. E a palavra suspeito, nas manchetes, pode dizer tudo para o público”.

    Dois casos expõem essa particularidade. Além do caso do Rafael, ocorrido em dezembro, o jovem mototaxista Gabriel Freire Rodrigues foi baleado em julho após sair de uma festa em Santa Teresa. Apesar da prisão ter sido relaxada posteriormente, o mototaxista também foi indiciado pela justiça pelos supostos crimes de resistência e porte ilegal de arma.

    “É grave demais esse dado, que só reforça o quanto a segurança pública não inclui os moradores e trabalhadores diversos da favela” avalia Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto. “Uma pessoa que trabalha como mototaxista nas favelas não tem apenas o trânsito como probabilidade de acidente, mas sim o temor de ser alvejado por arma de fogo”.

    Legalização

    A profissão de mototaxista está regulamentada no Rio de Janeiro há apenas algumas semanas, tendo sido promulgada no dia 5 de dezembro de 2017, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A LEI COMPLEMENTAR Nº 181 efetivamente autoriza o Serviço de Transporte de Passageiros por Motocicleta no município, criando uma série de compromissos a serem cumpridos pela prefeitura e pelos mototaxistas, que agora precisam se legalizar.

    Em conversa com a Ponte, o presidente da Associação dos Mototaxistas da Cidade do Rio de Janeiro, Cláudio de Paiva, tem boas perspectivas sobre o futuro da classe, mas observa que nada vai adiantar se o Estado não ajudar. ”Já tivemos várias reuniões com o núcleo da PMERJ para amenizar injustiças cometidas contra a classe, mas muitas vezes é algo meramente temporário”, explicou.

    Atualizado às 16h38 – ao contrário do que foi informado foram 7 casos de mototaxistas feridos, mas 10 vítimas

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