‘Amanhã será outro’, diz irmã de morto pelo Exército na ação de 80 tiros

    Luciano Macedo foi atingido três vezes quando tentava socorrer o músico Evaldo Rosa e sua família dos disparos dos militares; ele ficou internado 11 dias e morreu na madrugada desta quinta-feira (18/4)

    Luciano tentou ajudar Evaldo, que estava no carro, mas militares o atingiram três vezes | Foto: Reprodução

    Luciano Macedo permaneceu 11 dias internado. Atingido por disparos do Exército, na mesma ação que executou o músico Evaldo Rosa dos Santos, de 51 anos, em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro, no dia 7 de abril, o coletor de recicláveis lutava pela vida até a madrugada desta quinta-feira (18/4), quando não resistiu aos ferimentos e morreu. A morte gerou revolta da família.

    “É triste demais, não sei o que falar. É só mais um, né?! Não adianta a gente falar, ele será só mais num, amanhã será outro [a morrer]. Não adianta falar, não adianta espernear”, lamenta a irmã de Luciano, Silmara, na porta do Hospital Carlos Chagas, em conversa breve com a imprensa.

    Os militares do Exército atingiram três tiros em Luciano, baleado nos pulmões. Ele ajudava Evaldo e sua família, composta pela companheira, o filho de 7 anos, a sobrinha também criança e o sogro do músico, enquanto a tropa fuzilava o carro. Foram disparados mais de 80 tiros.

    O advogado que acompanha a família aponta que a Justiça havia determinado a remoção do catador de recicláveis do Hospital Carlos Chagas para uma unidade mais bem equipada, mas a decisão não foi atendida. Segundo João Tancredo, militares do Exército estiveram no hospital nesta quarta-feira (17/4) e queriam levá-lo para prestar depoimento em uma unidade militar.

    “Ao saber disso, liguei para o coronel Cláudio Viana Pereira, que deu a ordem de busca, e contestei a atuação dos militares. Na ocasião, o coronel disse que Luciano teria que prestar depoimento, já que ele era uma das partes envolvidas no inquérito”, explica o defensor, ao jornal O Dia.

    Uma familiar de Luciano se indignou com a ação do Exército. “É revoltante. O Exército baleou e sequer veio para dar alguma assistência. Ninguém veio aqui dar apoio para a mãe dele. Estamos vivendo em uma ditadura. Alguns militares vieram aqui ontem para saber lá Deus o quê e sequer falou com a mãe dele”, disparou, também ao O Dia.

    Após seis dias de silêncio sobre a morte de Evaldo – e, agora, também a de Luciano -, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) desmentiu que as Forças Armadas executaram uma pessoa. “O Exército não matou ninguém, não. O Exército é do povo e não pode acusar o povo de ser assassino, não. Houve um incidente, uma morte”, declarou o capitão reformado do próprio Exército.

    Já o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que casos como esse “podem acontecer“. “Foi um incidente bastante trágico. Lamentavelmente, esses fatos podem acontecer. Não se espera, não se treina essas pessoas para que isso aconteça, mas, tendo acontecido, o que conta é o que as autoridades fazem a esse respeito”, lamentou o ex-juiz de Curitiba.

    Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch do Brasil, entidade internacional de direitos humanos, criticou a ação do Exército em entrevista à Ponte. “O que os militares estavam fazendo lá se não era uma operação de GLO (Garantia Lei e Ordem) autorizada? Por que estavam atrás do carro? E que tipo de ação é essa, com mais de 80 tiros em um carro com uma família e não se para de atirar?”, questiona.

    “Vemos com muito pesar, acertaram um homem e um outro que morreu agora, absolutamente nada a ver com o caso, que poderia ser qualquer um. Precisamos chamar atenção para o que está acontecendo, não podemos aceitar uma ação inexplicável em diversos aspectos como esta”, explica.

    Questionado pela Ponte, o CML (Comando Militar do Leste) informou que a informação sobre depoimento “não procede”. “Conforme ofício encaminhado ao referido Hospital, foi solicitada apenas, por orientação do Ministério Público Militar, cópia do Boletim de Atendimento Médico do Sr. Luciano, Boletim este datado de 7 de abril. Esse documento é necessário para consubstanciar as diligências ora em andamento, solicitadas pela Justiça Militar da União”, sustenta o Comando, apontando que “lamenta a morte”, “solidariza-se com a família e amigos” e contatou o advogado da família para “tratativas iniciais”, sem detalhamento.

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