Aplicativo agiliza atendimento a mulher sob proteção legal

    Mesmo separada e sob medida protetiva prevista pela Lei Maria da Penha, W.* ainda revê o ex-companheiro que a ameaçava de morte. “Não posso nem ir na casa da minha mãe porque ele me persegue. Agora, sei que posso buscar ajuda sem chamar atenção”, afirma a moradora de Porto Alegre e usuária do PLP 2.0

    Para a juíza Madgéli Machado, o aplicativo auxilia na coleta de provas da violência sofrida pela mulher - Foto: Divulgação
    Para a juíza Madgéli Machado, o aplicativo auxilia na coleta de provas da violência sofrida pela mulher – Foto: Divulgação

    No ano em que a Lei Maria da Penha completa 10 anos, a tecnologia dá um passo importante no combate à violência contra a mulher. Implantado na capital gaúcha em Junho deste ano, o PLP 2.0 é um aplicativo de celular que, em poucos segundos, aciona uma rede de proteção a mulheres sob medida protetiva que forem agredidas ou se sentirem ameaçadas pelo ex-companheiro.

    Criado pelas ONG’s Themis e Instituto Geledés, oaplicativo articula de forma imediata uma rede de proteção composta por Judiciário, polícia e promotoras legais populares. Primeiro, o(a) juíz(a) responsável pelo caso é notificado de que a medida protetiva foi desobedecida. Quando notificada para a central 190 da polícia gaúcha, a denúncia já entra no sistema com prioridade, o que agiliza o envio de uma patrulha para prestar atendimento.

    “Muitas vezes, quando a polícia chegava, já não tinha ninguém no local. Com o GPS do aplicativo, eles conseguem ver onde a mulher está, se ela foi raptada e que trajeto está fazendo”, afirma Luana da Costa Pereira, assessora jurídica da Themis.

    Além dos órgãos públicos, o PLP 2.0 aciona uma promotora legal popular (PLP) que esteja próxima ao local no momento da denúncia. “Fazemos a ponte entre elas e o Judiciário, orientando e multiplicando informações jurídicas para a defesa dos direitos das mulheres”, afirma Carmen Lúcia Silva, promotora legal popular formada pela Themis há 22 anos.

    Com o PLP 2.0, as usuárias podem gravar áudios e vídeos, que são anexados ao processo. “A apresentação desses elementos pode comprovar a prática de crimes e embasar eventual decreto de prisão preventiva”, afirma Madgéli Frantz Machado, juíza do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre.

    O aplicativo também possibilita a elaboração de um diário de ocorrências, com anotações de situações menos gravosas que não descumprem a medida protetiva. “Delitos de violência doméstica, geralmente ocorrem no interior das residências, sem testemunhas para dar guarida à versão da ofendida. O aplicativo surge como meio de prova, suprindo essas dificuldades”, afirma Madgéli.

    Para a juíza Elaine Cavalcante, o PLP 2.0 pode auxiliar outras mulheres a denunciar a violência que sofrem - Foto: Divulgação
    Para a juíza Elaine Cavalcante, o PLP 2.0 pode auxiliar outras mulheres a denunciar a violência que sofrem – Foto: Divulgação

    Para ser cadastrada no aplicativo, a mulher já deve estar sob medida protetiva. A seleção é feita pelo juizado após entrevista ou audiência de acolhimento. A usuária é identificada por um código e tem a identidade mantida sob sigilo.

    Segundo Madgéli, o cadastro no PLP 2.0 contém dados do processos, endereços frequentados pela mulher e síntese do caso. Assim como a medida protetiva, o aplicativo possui, em média, uma validade de 4 meses e está sujeita à prorrogação.

    Acompanhamento, agilidade e formação de rede

    Segundo Maria Sylvia de Oliveira, advogada presidente do Instituto Geledés, os áudios e vídeos podem promover um acompanhamento mais detalhado pelo juizado: “Ele pode reavaliar se a mulher precisa de uma proteção mais adequada e rever a medida protetiva.”

    Para ela, a agilidade do aplicativo também se relaciona à não-obrigatoriedade da mulher ir à delegacia para denunciar. “Muitas delas moram longe da delegacia e não tem condições de ir até lá cada vez que sofrer violência. E nem sempre o tratamento dado a ela na delegacia é o mais adequado”, avalia Maria Sylvia, que apresentou o PLP 1.0 na XVI Reunião do Grupo Banco Interameriano de Desenvolvimento (BID) com a Sociedade Civil, na República Dominicana, em 08 e 09 de Novembro de 2016.

    Para Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, juíza da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Paulo, denúncias feitas de modo rápido e discreto incentivam outras mulheres a denunciar: “A consequência será um sistema de prevenção mais eficiente e as mulheres denunciarão mais porque se sentirão mais seguras.”

    Implantando somente em Porto Alegre, Elaine diz que se busca trazer o PLP 2.0 para São Paulo. Segundo ela, a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo já contatou a Polícia Militar e o próximo passo é buscar a Secretaria de Segurança Pública do estado, o que ainda não tem data para ocorrer.

    O PLP 2.0 foi um dos projetos vencedores do Prêmio Desafio Social Google em 2014. O prêmio de 1 milhão de reais é a base do financiamento do aplicativo hoje, que custa cerca de 2,5 mil reais por mês por usuária.

    Em 2014, uma mulher foi estuprada a cada 11 minutos no Brasil. No ano em que o aplicativo foi criado, foram registrados 47.646 casos de estupro no país, segundo o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Desse total, 2.722 (5,71%) ocorreram no Rio Grande do Sul. De acordo com o mesmo estudo, apenas 35% dos crimes sexuais são notificados no país

    “As condições imateriais do mundo digital facilitam o acolhimento dessas mulheres pelo apoio em rede. Ela não fica mais isolada e não é culpabilizada”, avalia Daniela Osvald, pesquisadora de comunicação digital e professora da Escola de Comunicação e Artes (ECA – USP).

    Daniela pontua a necessidade de uma visualização apurada dos dados gerados para pensar propostas. “O aplicativo pode ter efeito preventivo a partir de uma análise dos dados. Assim, o virtual tem efeitos no mundo real e o poder público e a sociedade civil podem agir contra o problema.”

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