Um governo sem mulheres, sem direitos e sem igualdade racial

    Extinção de ministérios representa retrocesso em políticas sociais, afirmam defensores de direitos humanos

    Por Fausto Salvadori Filho e Tatiana Merlino
    Brasília - O presidente interino Michel Temer durante cerimônia de posse aos ministros de seu governo, no Palácio do Planalto (Valter Campanato/Agência Brasill)
    O presidente interino Michel Temer durante cerimônia de posse aos ministros de seu governo |Valter Campanato-Agência Brasil

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Mesmo assumindo o lugar do governo Dilma Rousseff (PT), responsável por várias falhas nas áreas de direitos humanos, da violência contra os povos indígenas em Belo Monte à sanção da Lei Antiterrorismo, o presidente interino Michel Temer (PMDB) conseguiu surpreender. Com menos de 24 horas no Palácio do Planalto, o novo governo recebeu críticas de militantes de direitos humanos, movimentos sociais e artistas por conta da decisão de extinguir as Secretarias de Políticas para as Mulheres, de Direitos Humanos, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Ministério da Cultura (MinC).

    Para piorar, Temer nomeou o primeiro ministério sem mulheres desde a gestão do ditador Ernesto Geisel, encerrada em 1979, e deixou as áreas de igualdade racial, mulheres e direitos humanos a cargo do Ministério da Justiça, que passará a ser chamado de Ministério da Justiça e Cidadania, para o qual escolheu Alexandre de Moraes, ex-secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, conhecido pela violência com enfrentou os estudantes nas ocupações das escolas e os jovens do Movimento Passe Livre.

    Estaca zero

    “Alexandre de Moraes para esse cargo é uma piada. Será o Ministro da injustiça. Ele tem um histórico péssimo, de quem tem autoriza e lidera a polícia a matar jovens negros, reprimir movimentos e professores em luta”, afirma Jurema Weneck, coordenadora da ONG Criola e integrante do grupo assessor da ONU Mulheres Brasil.

    A extinção das pastas e a nomeação de Moraes representam “a assinatura de que um golpe foi dado. É a extinção de qualquer possibilidade em torno da igualdade, colocando tudo na estaca zero. É como se direitos não houvesse”, acredita.

    Crítica à atuação das Secretarias de Políticas para as Mulheres e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Jurema acredita que o trabalho da SPM estava sendo “mal feito”, mas sua existência representava o reconhecimento de que tratar daqueles temas era importante. “Essa janela desaparece e sua interrupção tira de nós a perspectiva de esperança de melhoria”.

    De acordo com ela, o fim da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, “passa a mensagem de que o racismo faz parte do governo, que ele foi reincorporado oficialmente à política pública”.

    Desrespeito aos direitos humanos

    A ONG Conectas também expressou preocupação com a suposta reforma ministerial do novo governo:  “A escolha de Alexandre de Moraes para a pasta da Justiça e Cidadania é particularmente preocupante, na medida em que denota que o presidente interino tem apreço por uma política criminal que desrespeita direitos humanos e rechaça o diálogo”. A entidade também condenou o que chamou de “rebaixamento da importância dos direitos humanos na agenda deste governo interino” e os planos de acabar com as vinculações dos gastos com saúde e educação para o orçamento público, que “também indicam uma escolha política que ameaça as garantias sociais no Brasil”.

    Criticando “o fim do fundamental Ministério da Cultura; a extinção de políticas voltadas para as mulheres, para os Direitos Humanos e para a reforma agrária e o fim de aparelhos que consolidam a democracia”, o deputado federal Marcelo Freixo disse que “o novo presidente mostrou a que veio”. E lamentou: “A nossa democracia é muito nova e muito frágil para ser tomada de assalto assim”.

    “Para sangrar em praça pública”

    Quando a reportagem ligou para Sérgio Vaz, criador do sarau Cooperifa e um dos principais ativistas culturais da periferia, o poeta estava triste com o noticiário. “Eu esperava que o novo governo fosse um pouco mais devagar, fazendo a gente sangrar aos poucos em praça pública. Mas foi direto na jugular”, lamentou. Para o poeta, extinguir a pasta da Cultura é a atitude um governo que pretende enfraquecer os artistas e evitar sua união com os trabalhadores, “pois a cultura se juntando com os trabalhadores é difícil conter uma revolução”.

    “Não querem a arte, porque não querem que as pessoas pensem, sintam, se encontrem. Nesse momento, desagregar é preciso”, afirma Sérgio Vaz. “A sensação é de que estão nos mandando para um campo concentração, como fizeram com os judeus. Um dia o mundo vai olhar para esse governo e fazer filmes e livros sobre esse momento, como se se importasse”, diz.

    Tirar o status de ministério das políticas direcionadas às lutas contra o machismo e o racismo, na visão de Sérgio Vaz, indicam que o governo não se importa com as vítimas do preconceito. “As mulheres, os pobres, os negros… somos os matáveis. Podem nos matar e ninguém se importa”, diz. Mas o poeta encerra dizendo que acredita na reação da população. “A carne sangra, mas ainda não se rendeu ao abate.”

    Políticas públicas ameaçadas

    Militante de direitos humanos e feminista histórica, a ex-presa política Maria Amélia de Almeida Teles acredita que a extinção das secretarias é “gravíssima, um enorme retrocesso e indica que perdemos um arcabouço de Estado Democrático de Direito que vínhamos construindo ao longo de décadas.”.

    Políticas públicas de defesa e garantia de direitos das mulheres também estão ameaçadas com a extinção da SPM, acredita Amelinha Teles. Para ela, na prática, o governo está aprofundando as desigualdades sociais no país, além de ser uma “ofensiva contra os direitos humanos, um desrespeito com os tratados internacionais de direitos humanos”.

    Ela também critica a indicação de Alexandre de Moraes para a pasta da Justiça: “É lamentável, esse homem é truculento, e sua ação à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo foi no sentido de criminalizar e aterrorizar os movimentos sociais”.

    Em um vídeo publicado na sua página do facebook, o cientista político, diplomata e ex-ministro de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro, criticou a decisão do governo Temer: “A sociedade civil, as organizações de direitos humanos têm de ficar alertas. Esse é apenas o primeiro sinal da ofensiva contra os direitos humanos. É o momento de pensar no significado e de que formas resistir a esse profundo retrocesso”.

    https://www.youtube.com/watch?v=_iKXLH8UFqk&feature=youtu.be

     

     

     

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