Estudantes de medicina da PUC de Campinas convivem com situações violentas e constrangedoras. Os abusos foram relatados na CPI que investiga violações de direitos humanos nas faculdades paulistas
“O dinheiro que vocês pagam não paga a família”. O dinheiro, no caso, é a mensalidade do curso de medicina na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), que gira em torno de R$ 5.200, bem distante da realidade de muitos brasileiros. A família, no entanto, significa o conjunto de instituições que gera o convívio dos estudantes, como Centro Acadêmico, a Associação Atlética Acadêmica Samuel Pessoa e o conjunto esportivo; em tese comparativa, seria como a Casa de Arnaldo, ponto social para alunos de medicina da USP.
Na tarde da última quarta-feira (7/1), um grupo de alunos saiu de Campinas, a cerca de 100 quilômetros da capital, para participar de audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de São Paulo, que investiga violações de direitos humanos nas universidades de São Paulo. Durante mais de 4 horas, os estudantes de medicina relataram diversas situações às quais são obrigados a se submeter para não serem excluídos de festas, de conversas e até mesmo de fazer novas amizades.
De acordo com os denunciantes, o “suicídio social”, como a tal exclusão é chamada entre os alunos, é uma forma de repreender os que não se enquadram no modus operandi de veteranos, que atuariam com anuência de professores e diretores.
De acordo com um formando da faculdade, “boa parte dos alunos tem medo de criticar os docentes médicos, não acreditando que a instituição irá colocar alguém melhor que eles no lugar. Há um descrédito dentro da faculdade em relação à reitoria e um endeusamento desses professores médicos”. O grande temor, ainda segundo os alunos, é de retaliações ao final do curso, como impedimento em residências médicas, já que seus potencias supervisores, tecnicamente, seriam os veteranos.
Drogas e prostituição
Entre as acusações estão trotes violentos e até mesmo denúncias de fornecimento de drogas e contratações de prostitutas em eventos conhecidos como “Chopadas”. O grupo contou que o uso de urina “faz parte de um processo de empoderamento do trote”. “É comum assistir a um veterano urinar em calouro”, disse um dos depoentes. Outro estudante de medicina da PUC Campinas relatou que uma piscina comprada com dinheiro arrecadado por eles serve de mictório para veteranos, que a preenchem de urina e fezes e obrigam calouros a entrar.
Durante o trote, também obrigam meninas a simular sexo oral em banana e em cabos de vassoura. As alunas ainda são xingadas com palavras de cunho sexual e depreciativo e ganham apelidos como “vacas”, “cabritas”, “porra”; tudo sob o riso sarcástico e machista dos veteranos. O grupo relatou que os alunos mais antigos cultuam exatamente o que pregam filmes norte-americanos estudantis, conhecidos no Brasil como “besteirol americano”.
Os parlamentares e presentes na audiência ficaram perplexos quando o grupo de futuros médicos descreveu detalhadamente como funciona uma festa em um sítio em local afastado do interior paulista: a “Chopada”.
Tradicional festa dos alunos, a Chopada dos Bixos é ofertada pelos calouros para os veteranos. Além da locação do espaço, os alunos mais novos ficam “obrigados” a fornecer de maconha, lança-perfume e bebidas alcoólicas. O lança-perfume é produzido pelos próprios calouros, com receitas obtidas com estudantes mais velhos. A contratação de garotas de programa para o evento é conseguida em uma localidade próxima ao campus e bem conhecida dos moradores de Campinas, o Jardim Itatinga, considerado um dos maiores pontos de prostituição do Estado.
Morde e assopra
Os alunos relataram que, durante os trotes, os veteranos se dividem em papéis de “bons” e “maus”. Ou seja, sempre há um que representa o carrasco e outro que assume uma postura mais maleável, ao dizer coisas como: “não é assim”, não precisa disso”, “é por uma boa causa” ou “ele não fez por maldade”.
Há, por exemplo, a “brincadeira” tapa na cara. O veterano dá seu rosto e obriga o calouro a lhe dar um tapa. Na sequência, o veterano estapeia o calouro, no melhor estilo “morde e assopra”.
Um dos depoentes pediu para os presentes que, “quando olharem para a medicina no Brasil, olharem também para como a elite se porta no país”. Outro apontou que o trato frio entre médico e paciente tem relação com a estrutura institucional pregada nos cursos. “Precisamos humanizar mais o curso de medicina”, frisou.
Hinos com teor sexual e pejorativo
Os hinos que fazem parte do currículo musical da medicina da PUCCAMP têm em suas letras apelo sexual e xingamentos a outras universidades da região, que são consideradas rivais. A rivalidade, sem exagero, chega a ser como um Palmeiras x Corinthians, inclusive com brigas entre os alunos e seus torcedores.
O hino máximo é chamado de Eixo. Porém, os criadores de hinos adoram colocar em suas letras, palavras como “cu”, “vagina”, “bunda”, “bosta” e “caralho”. Os hinos podem ser acessados através da página – http://www.medpuccamp.com/#!hinos/c1amn.
Outro lado
A reportagem da Ponte solicitou à PUCCAMP um posicionamento sobre os trotes violentos que ocorrem entre veteranos e calouros do curso de medicina. Foram cinco as indagações da reportagem:
1) A instituição tem conhecimento de trotes violentos envolvendo veteranos e calouros?
2) A instituição tem conhecimento da festa denominada “Chopada”, em que alunos mais novos são obrigados a alugar um sítio e, oferecer ao veteranos, “open” de maconha, lança-perfume, álcool, além de terem de contratar garotas de programa?
3) Em algum momento a instituição recebeu denúncias sobre trotes violentos e violações de direitos humanos?
4) Foi tomada alguma providência?
5) A PUCCAMP Medicina tem algum procedimento para barrar trotes violentos?
Leia a resposta da PUCCAMP
“Em atenção à solicitação de esclarecimento por parte da PUC-Campinas sobre a informação veiculada envolvendo a aplicação de “trote” em seu curso de Medicina, esta Universidade informa o que segue.
A Instituição recebeu, em 2014, denúncias sobre os fatos expostos junto à CPI das Universidades, desencadeando, assim, procedimento disciplinar interno, bem como, a comunicação para as autoridades externas competentes à respeito do ocorrido. Em respeito ao adequado andamento das apurações, é o que se pode informar neste momento”.
*Colaborou Luís Adorno