Estudante de 19 anos é uma das 28 vítimas da investida policial, que impediu que a manifestação contra o reajuste da tarifa do transporte público acontecesse ontem
O estudante Gustavo Camargos e Silva, 19 anos, sempre teve talento para desenhar. A aptidão não foi determinante, mas serviu de inspiração para a escolha da carreira: arquitetura. Internado no Hospital Albert Einstein desde ontem (12/01)a noite, o jovem corre o risco de perder o movimento de um dos dedos da mão direita, depois de ter ligamentos e articulação rompidos pelo estilhaço metálico de uma bomba lançada pela Polícia Militar de SP durante a manifestação desta terça-feira (12/01), organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL), contra o reajuste da tarifa do transporte em São Paulo de R$ 3,50 para R$ 3,80.
Na segunda-feira (11/01), quando o estudante recém aprovado no vestibular de arquitetura da Faculdade da Cidade disse para a mãe dele, a advogada e professora universitária Ana Amélia Camargos, que iria ao protesto, ela o apoiou mas fez um alerta: “Eu disse a ele, vai lá meu filho, só cuidado com os black blocks, porque a gente tem visto que a polícia não alivia para eles. Fique com seus amigos”.
Era o terceiro protesto que o filho de Ana Amélia iria participar. Paulistano de classe média, Gustavo estudou a vida inteira na Escola da Vila, no Butantã, zona oeste de São Paulo, uma instituição construtivista. “Você sabe como é a Escola da Vila, né, tem uma visão bem social, teve essa formação humanista. Ele foi ao protesto com alguns amigos dessa época, que acreditavam estar lutando por algo legítimo”, ressalta a advogada.
Ainda na Avenida Paulista, Gustavo aguardava com os colegas o início da passeata, quando a PM utilizou a técnica de isolamento e encurralou o grupo que estava na concentração na Praça do Ciclista. “Meu filho contou que os policiais acuaram e que bateu o desespero e todo mundo tentou correr, mas não tinha muito pra onde correr. Nesse momento, quando estava todo mundo meio perdido, começaram a jogar as bombas e uma delas estourou e o estilhaço perfurou com toda a força a mão dele. Aí você ouve falar que a bomba é de efeito moral, mas ela explode e pode machucar. A prova ta aí”, diz Ana Amélia.
Quando viu que tinha sido atingido, Gustavo recebeu ajuda de duas pessoas: uma senhora retirou o lenço do pescoço e tentou estancar o sangue das mãos e um outro rapaz, que também estava na manifestação, acalmou o estudante e o colocou em um táxi. Gustavo ligou para a mãe e seguiu para o Hospital Albert Einstein, na zona sul de São Paulo, onde recebeu os primeiros socorros ainda na noite de ontem.
O procedimento médico inicial foi analgesia e afastar qualquer possibilidade de infecção. Ainda hoje, deverá passar por uma nova avaliação para que a reconstrução do dedo comece a ser realizada na quinta-feira. Mas, segundo Ana Amélia, o prognóstico é ruim: “O médico ficou assustado e disse que a lesão foi séria. Ele quebrou vários ossos da mão e teve rompimento na articulação do dedo atingido, que é o dedão da mão direita. Ele corre o risco de perder o movimento e mesmo a amputação não está descartada”, lamenta a professora, que contou também que o filho agradeceu por ele ser de classe média e ter acesso a um bom hospital: “Meu filho falou que teve gente que se machucou perto dele e não terá condições de um atendimento bom”. Entre os feridos está um catador de recicláveis, que não tinha nenhuma ligação com a mobilização e foi atingido por balas de borracha.
Negação
Em coletiva de imprensa convocada ontem a noite (12/01), após os protestos, o secretário da segurança pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, disse que não houve excessos na atuação da polícia militar e que “o uso progressivo da força se fez necessário, porque os manifestantes não cumpriram o que foi combinado”.
Ana Amélia se disse indignada com as palavras do chefe da pasta. “Houve excesso total, era pacífico. A movimentação nem havia começado quando as bombas foram jogadas. Meu filho disse que a sensação é que a polícia estava lá pra bater mesmo. Alguém precisa parar essa polícia”, desabafa.
“Eu queria sugerir ao secretário que ele pensasse se o filho dele estivesse lá, como vários jovens, protestando, e fosse atingido arbitrariamente por uma bomba. Não se pode falar nem mesmo em reação, porque na realidade não houve nem ação dos manifestantes, então a polícia não reagiu, a polícia atacou”, disse Ana Amélia.
Um novo protesto do MPL está marcado para quinta-feira (14/01), às 17 horas, com concentração em dois locais: um grupo se reunirá no Largo da Batata, na zona oeste, e o outro na Praça Ramos, em frente ao Theatro Municipal, no centro de São Paulo. Será o 3º ato deste ano.