Durante entrega do Prêmio Vladimir Herzog, jornalistas usaram tapa-olho para protestar contra a violência da polícia. “Parem de atirar na gente”, pediu fotógrafo para oficiais da PM.
“Estou vendo que há oficiais da PM no auditório. Eu gostaria de pedir aos policiais: parem de atirar na gente. Quando ferem um de nós, estão ferindo os olhos da sociedade”, disse o fotógrafo Marcelo Carnaval, do jornal O Globo, ao subir no palco durante a cerimônia do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos de 2014, realizada na noite de 29/10, no Tuca (Teatro da Universidade Católica de São Paulo). Provocou constrangimento em algumas autoridades, mas foi um dos momentos mais aplaudidos da noite.
Vencedor na categoria Fotografia, Carnaval aproveitou o minuto de fala a que tinha direito para fazer um protesto, no lugar dos agradecimentos de praxe. Ao subir no palco, colocou no olho esquerdo um tapa-olho, símbolo da campanha #Somostodosculpados?, contra a violência policial.
A campanha foi deflagrada pela indignação de jornalistas e outros profissionais contra uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, assinada em 26 de setembro pelos desembargadores Vicente de Abreu Amadei e Sérgio Godoy Rodrigues de Aguiar e pelo juiz Maurício Fiorito, que considerou o fotógrafo Alex Silveira culpado por levar um tiro de bala de borracha no olho esquerdo, em 18 de julho de 2000.
Mesmo se tratando de uma ação judicial que ameaça criminalizar o próprio ofício de repórter, a questão não voltou a ser mencionada ao longo das três horas que durou a cerimônia do prêmio — criado para homenagear um outro jornalista vitimado pela violência de Estado, Vladimir Herzog, assassinado sob tortura pelo Exército, em 1975. Somente depois que o evento acabou, o fotógrafo Sérgio Silva, cegado no olho esquerdo por uma bala de borracha da PM, pode reunir homenageados e premiados para retratá-los com o tapa-olho.
A maior parte da premiação preferiu focar nas violências praticadas durante o regime militar encerrada em 1985. Um dos homenageados foi o desembargador federal Márcio José de Moraes, que, em 1978, fez história ao enfrentar a ditadura com uma sentença que condenou a União pela morte de Herzog. No seu discurso, Moraes falou pouco de si mesmo ou de seus feitos, aproveitando para criticar uma outra decisão judicial, de 2010, em que o Supremo Tribunal Federal vetou a revisão da Lei de Anistia. “Foi o maior erro da história do Supremo. Com essa decisão, a corte fez uma homenagem à impunidade”, afirmou. Ele lembrou que o STF tem chance de se redimir no próximo ano, ao analisar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 320, ajuizada pelo PSOL, que propõe nova revisão da mesma lei.
Um prêmio especial foi para Sandra Passarinho, da Globo, e outro, in memoriam, para o jornalista e deputado Rubens Paiva, morto pela repressão em 1971. Um dos filhos dele, o escritor Marcelo Rubens Paiva, fez uma provocação ao dizer que não sabia a qual partido seu pai teria se filiado, caso tivesse sobrevivido aos anos de chumbo, já que seus amigos mais próximos participaram da fundação de siglas tão diferentes como o PSDB, o PT, o PDT ou o PSOL. Concluiu dizendo que o pai, como um “conciliador” que era, teria passado longe das discussões de ódio entre petralhas e coxinhas das últimas semanas e “estaria lutando pelo que realmente importa, a democracia”.
Em outro momento, o evento exibiu um vídeo em que o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, anuncia que 2 de novembro passa a ser considerado o Dia Internacional de Combate à Impunidade para Crimes Contra Jornalistas. No vídeo, o secretário lamenta a morte de 700 jornalistas ocorrida nos últimos dez anos, e chama a atenção para casos que tiveram pouca repercussão, como as execuções de 17 jornalistas iraquianos no ano passado. Sobre as 190 agressões a jornalistas brasileiros ocorridas durante manifestações, entre maio de 2013 e junho deste ano, não houve menção.
Conheça os trabalhos vencedores da 36ª edição do Prêmio Vladimir Herzog.