Inserido pela primeira vez no calendário oficial do estado de São Paulo, Dia das Mães de Maio inspira ato em protesto contra os assassinatos cometidos pelo Estado após a ditadura
Os sinos da Catedral da Sé começaram a soar bem na hora em que Vera Lúcia dos Santos, 50 anos, pegou o microfone, aos pés da igreja, para contar do dia 15 de maio de 2006, em Santos (SP), quando encapuzados mataram seu genro, Eddie Joey Oliveira, 24 anos, e sua filha, Ana Paula Gonzaga dos Santos, também com 24 anos, grávida de noves meses. Eram seis horas da tarde, hora da Ave Maria. Vera não se intimidou com o barulho. “Eles atiraram na barriga da minha filha dizendo que filho de bandido, bandido é”, disse ela, fazendo sua voz ser ouvida por cima do som de 25 toneladas de bronze repicando sem parar.
Foi aplaudida pelo grupo de cerca de 200 pessoas que se reuniu na última sexta (15/5), na Praça da Sé, no centro da São Paulo, para participar da homenagem às vítimas do Estado que fechou os eventos da 1ª Semana Estadual das Mães de Maio. Faz 9 anos que Vera e as outras mães do movimento não fazem outra coisa: falar, contar, denunciar as centenas de vítimas provocadas pelas ações da PM e de grupos de extermínio que, em maio de 2006, produziram mais mortos e desaparecidos no estado de São Paulo do que a ditadura militar conseguiu fazer no país inteiro ao longo de 21 anos.
Muitas outras vítimas da violência do Estado brasileiro se juntaram a essa luta. Na homenagem de sexta-feira, carregando fotos com os rostos e os nomes de seus mortos, contando suas histórias e pedindo justiça, tinha gente de movimentos como a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, o Comitê Contra o Genocídio do Povo Preto, Pobre e Periférico, o Fórum Social Manguinhos e o Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro.
Gente como a vendedora Fátima dos Santos Pinho de Menezes, 41 anos, que veio do Rio para denunciar a morte de Paulo Roberto Pinho de Menezes, 18 anos, espancado e asfixiado até a morte, em 17 de outubro de 2013, na comunidade de Manguinhos. “Nossos filhos são mortos nas favelas só porque tiveram alguma passagem pela polícia”, disse.
Ou como a pedagoga Ana Paula Gomes de Oliveira, 38 anos, mãe de Johnatha de Oliveira, morto aos 19 anos com um tiro nas costas disparado por um policial militar, em 14 de maio de 2014, três dias após o Dia das Mães, também em Manguinhos. Ana disse que encontrou “uma segunda família” nas mães dos movimentos de resistência das periferias. “A gente dá e ao mesmo tempo recebe muita força. Estamos lutando pela vida, pelo fim da impunidade e por justiça, que é o mínimo que nós merecemos. Queremos manter viva a memória dos nossos filhos, que nunca esqueçam quem eles eram e o que aconteceu com eles”, disse.
Uma novidade do protesto foi a presença dos corintianos da Pavilhão Nove. Eles foram pedir punição para os responsáveis por uma chacina que matou oito pessoa na sede da torcida, em 18 de abril. “Chega da justiça só chegar na periferia e nas quebradas para nos condenar. Está na hora dessa justiça correr por nós também”, disse Jean Carlos Tatei, 38 anos, conselheiro da Pavilhão 9.
“A ditadura não acabou. Só vai acabar com o fim da polícia militar”, atacou Débora Maria da Silva, 55, o rosto mais conhecido das Mães de Maio, ela própria mãe do gari Edson Rogério da Silva, morto aos 29 anos, também em 15 de maio de 2006, em Santos.
Débora contou que, durante o evento de sexta-feira, foi abordada por policiais militares querendo saber sobre a natureza do protesto. “Eu disse a eles que era um ato oficial, porque as Mães de Maio já fazem parte do Calendário do Estado de São Paulo”, conta Débora, referindo-se a uma lei estadual, sancionada neste ano, que transformou o dia 12 em Dia das Mães de Maio.
Artistas do hip hop também deram seu recado. Um deles foi Emicida, que preferiu não cantar. No microfone, o rapper apontou para as cruzes pretas e os cartazes com as fotos dos mortos e disse: “Esse aqui, ó, é o destino final desse tipo de política que está vigente no estado de São Paulo, na figura do governador Geraldo Alckmin, que a gente tem que dar nome aos bois”.
Neto, do Influência Positiva, cantou à capela o rap Guerra Declarada, em homenagem às Mães de Maio: “O alvo é sempre o pobre, ainda mais da pele escura/ Inimigo declarado se trombar com a viatura/ Vida dura, cabulosa, no final não existe rosa/ Só o sangue do meu filho derramado pela Rota”.
Já Yzalú levou seu violão para cantar uma música que levava as Mães de Maio no título: “Aquele rosto inocente que fere a maldade de quem faz a tristeza ecoar da dor, da alma que se foi. Aquela flor, Mães de Maio, aquela flor, não se calou. Se você pensa que as flores dos jardins secaram, se enganou”.
Às 18h50, levando à frente uma faixa com a frase “Nossos mortos têm voz”, o grupo saiu numa marcha que passou em frente à Secretaria da Segurança Pública, chegou à Praça do Patriarca e voltou para a Sé. O percurso teve o batuque do Bloco Afro Ilú Oba De Min. Rodeado pelas cruzes pretas e pelas fotos dos mortos e coberto de fitas coloridas, um estandarte levava a imagem de Xangô, o orixá da justiça.
Excelente cobertura, Ponte! Todo apoio às Mães de Maio.
Esse site não tem nenhum compromisso com a legalidade. Quem prega a justiça deve no mínimo atuar de maneira justa. Assassinos são vocês, que usam do conhecimento adquirido em escolas particulares com seu dinheiro burguês para massacrar policiais trabalhadores, estimulando por consequência a criminalidade e os criminosos. Vocês sim são os verdadeiros facistas!
[…] Fonte: https://ponte.org/maes-de-maio-denunciam-9-anos-de-mortes-e-impunidade/ […]
Todo apoio às Mães de Maio, todo apoio aos Brasileiros, ou melhor, aos familiares das pessoas assassinadas injusta e cruelmente, pelos policiais, a mando de péssimos governantes!