Cenário de massacre no último domingo (20), com a morte de sete jovens, comunidade segue ocupada pela PM e sob tiroteio neste final de semana
Uma semana após o assassinato de sete pessoas na Cidade de Deus, a comunidade, localizada na zona oeste do Rio de Janeiro, permanece ocupada pela Polícia Militar e vive novo tiroteio neste domingo. O clima é de tensão constante, segundo moradores, que realizaram um protesto na quinta-feira (24) contra o mandado coletivo de busca e apreensão cumprido na comunidade pela DCOD (Delegacia de Combate às Drogas) no dia anterior. “A gente sai de casa com medo de não voltar”, diz uma moradora. “A polícia está muito abusada, toda hora para as pessoas, esculacha os moradores. Não temos mais paz”, relata outra moradora.
Os corpos de Leonardo Camilo da Silva, de 29 anos, Marlon César Jesus de Araújo, de 22, Renan da Silva Monteiro, de 20, Leonardo Martins da Silva Júnior, de 22, Robert Souza dos Anjos, de 24, e do adolescente Enzo João Beija da Silva, de 17, foram encontrados na manhã de domingo na localidade conhecida como brejo, na Comunidade do Karatê, por familiares dos jovens, que estavam desaparecidos desde a tarde de sábado (19). As vítimas foram sepultadas na terça-feira (22).
“Meu marido estava cheio de facada, com um tiro no crânio, cheio de hematoma. No enterro do meu esposo, eu senti a testa dele afundada por uma coronhada. Os olhos dele estavam roxos. Do lado das sobrancelhas tinham umas marcas roxas. Então bateram tanto nele, mas tanto. Fizeram muita covardia com ele”, relata Rafaela Alves Silva, de 22 anos, esposa do eletricista Leonardo Camilo da Silva, pai de seus dois filhos – um de um ano e sete meses e outro de apenas um mês. Ele foi sepultado no cemitério São Francisco Xavier, no Caju, zona norte do Rio, onde também foram sepultados Marlon César Jesus de Araújo e Renan da Silva Monteiro.
“Acabaram com a minha vida”, diz esposa de eletricista morto
Rafaela agora carrega a missão de cuidar, sozinha, dos dois filhos do casal. Além dos dois menores, há o filho de 10 anos de Leonardo, que vive na casa de baixo da dela com os avós. “Ele era um excelente marido, não deixava faltar nada pros filhos, e era um excelente filho pros pais dele. Muito querido por todos, muito amoroso. Ele era um homem maravilhoso”, conta a viúva, a voz carregada de dor.
“Antes de acontecer essa barbaridade, eu era uma mulher feliz, tinha uma família completa e alegre. Meu marido fazia tudo pelos nossos filhos. Depois de sábado, minha família ficou totalmente sem chão, sem estrutura, sem nada. Acabaram com a minha vida, totalmente”, encerra a jovem.
Sete corpos no brejo
Moradores da comunidade haviam tentado entrar no lugar conhecido como brejo (amontoado de barracos), na Comunidade do Karatê, na Cidade de Deus, em busca das vítimas durante toda a tarde de sábado, mas foram impedidos por policiais, que não deixaram ninguém ingressar no local. À noite, uma parte do grupo conseguiu entrar, mas não encontrou nada no local onde, na manhã de domingo, os corpos apareceram, relatam moradores.
“Domingo de manhã, todo mundo pedindo pra entrar e eles [policiais] não deixaram. Quando deu 9h e pouco, eles conseguiram entrar e acharam os corpos onde eles tinham passado na noite de sábado e visto que não tinha nada. Ou seja, eles levaram os corpos depois. Estavam todos de bruço, com a cara pro chão e com tiro na cabeça, perto um do outro. E os corpos só foram retirados porque os próprios familiares entraram e foram tirando”, conta a familiar de uma das vítimas. “Mataram até uma cachorra que vivia na comunidade! A gente via ela pra tudo quanto é lado. Uma covardia”, revolta-se.
Os familiares dos jovens acreditam que as mortes ocorreram por vingança, já que por volta das 19h30 de sábado, após intenso tiroteio entre policiais e traficantes, um helicóptero do GAM (Grupamento Aeromóvel) da Polícia Militar caiu na comunidade Gardênia Azul, próximo à Cidade de Deus. No acidente, morreram quatro PMs: o major Rogério Melo (piloto), o capitão Willian de Freitas Schorcht, o subtenente Camilo Barbosa Carvalho e o sargento Rogério Felix Rainha. Já no domingo (20), perícia inicial apontou que não havia marcas de perfurações por arma de fogo nos corpos dos policiais e na aeronave, segundo o secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Sá. Foi descartada, então, a hipótese de que criminosos da Cidade de Deus teriam sido responsáveis pela queda do helicóptero.
O acidente resultou em uma megaoperação que reuniu na comunidade, no domingo em que os corpos foram encontrados, unidades do COE (Comando de Operações Especiais) do Bope (Batalhão de Operações Especiais), o Batalhão de Choque, do BAC (Batalhão de Ações com Cães) e do GAM (Grupamento Aeromóvel), além dos batalhões do 2º Comando de Policiamento de Área. Desde então, as operações policiais não cessaram na Cidade de Deus, que segue ocupada por policiais militares.
Outro lado
Segundo a Polícia Civil, a Divisão de Homicídios está investigando a autoria dos crimes. “Novas informações, passíveis de divulgação, serão transmitidas no seu devido tempo na medida em que não prejudiquem as investigações”, diz nota da assessoria.
Sobre a situação da Cidade de Deus neste domingo (27), a assessoria da Polícia Militar limitou-se a dizer que não possui “o balanço de hoje” ainda. Não respondeu que unidades da PMERJ estão na região nem o objetivo da operação. Mas uma postagem da corporação no Twitter, por volta das 8h, afirmava “PMERJ realiza operação na Cidade de Deus, na manhã deste domingo (27)”.