Vila Independência: a prisão das denúncias e abusos

    Fotos registradas pela Defensoria Pública de São Paulo mostram presos feridos supostamente após ação do GIR (Grupo de Intervenção Rápida) em fevereiro e celas superlotadas no “pior presídio do Estado”

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    Superlotação evidente em foto de 2014 no CDP Vila Independência (Imagens enviadas pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo)

    É madrugada em São Paulo. O silêncio que tranquiliza os plantonistas que trabalham na noite quente de verão é interrompido. Os gritos ecoam pelas alas escuras do Centro de Detenção Provisória (CDP) Vila Independência, no bairro de mesmo nome, na Zona Sudeste da capital Paulista. Um dos presos está com dores. Os detentos chamam por funcionários. Querem o socorro até o hospital. “Só tem dipirona”, diz uma voz vinda do outro lado das grades. Os “funças”, como são chamados pelos presidiários, têm poucos recursos, não são culpados pela superlotação nem pelo fiasco penitenciário brasileiro e paulista.

    A narrativa vem de dentro, de funcionários que conhecem o cotidiano de sofrimento do local.

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    O número de funcionários naquela noite está reduzido. São faltas de servidores escalados para o plantão, licenças médicas, além de carros quebrados, falta de escolta. “Às tantas da madrugada, é um perigo até mesmo ir socorrer um dos detentos”, diz um funcionário, que, por temer represálias internas, esconde a identidade. Indagada sobre o número de profissionais no local, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) informou que por questão de segurança não passa essa informação.

    Se falta funcionário e efetivo para trabalhar nos 8 raios (divisões internas) do CDP, o que não falta é preso. Embora a capacidade seja de 828 homens, em 7 de abril 2.537 detentos disputavam um espaço nas celas. A superlotação fica ainda mais evidente em virtude de uma reforma interminável em um dos raios da unidade inaugurada em 1º de julho de 2000. “O Independência vive em reforma” diz Bruno Shimizu, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

    “O CDP Vila Independência é o pior do Estado. É muito ruim em termo de torturas e punições coletivas (prática proibida por lei). A administração é truculenta, há várias violações aos direitos humanos”

    Atualmente, além de um dos raios, o CDP passa por reformas de automação das portas das celas, medida que vem sendo tomada em várias unidades prisionais e visa o menor contato possível entre funcionários e detentos.

    Um agente penitenciário que trabalha no local informou que não são raros os casos como o narrado acima. “O preso doente precisa ser levado até um Pronto-Socorro, mas não temos essa condição. Na madrugada, sem escolta, sem chance. Muitas das vezes pedimos escolta emergencial, porém, quase nunca somos atendidos, deixando o apenado à base de dipirona”, conclui.

    O CDP Vila Independência é uma unidade problemática do sistema prisional paulista. Um local sobre o qual há várias denuncias de agressões mútuas compartilhadas em páginas na internet. Funcionários que reclamam de agressões por parte do “ladrão” e familiares que reclamam da truculência dos servidores.

    Indagado sobre a situação do CDP, o defensor público Bruno Shimizu é taxativo: “O CDP Vila Independência é o pior do Estado. É muito ruim em termo de torturas e punições coletivas (prática proibida por lei). A administração é truculenta, há várias violações aos direitos humanos”, diz.

    A última visita de Shimizu ao local ocorreu em 20 de fevereiro deste ano, após denúncias que resultaram em um relatório de provas. Após uma briga entre funcionários e detentos, o GIR (Grupo de Intervenção Rápida) teria ido ao local e acertado 20 presos com balas de borracha e, ainda, feito usos de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. A SAP nega a intervenção violenta. Fotos mostram presos feridos.

    “Em 2014 tivemos cerca de 800 mortes no Estado, menos de 50 foram violentas. São doenças simples como pneumonia e tuberculose que levam à morte jovens entre 18 e 25 anos”

    A ação dos homens do GIR teria ocorrido entre a noite do dia 17 e madrugada do dia 18. Os agentes teriam ordenado que os presos ficassem só de cueca e sentados com a cabeça baixa. Dos presos feridos a balas de borracha na ação, a grande maioria, segundo a defensoria, foi transferida para CDPs e penitenciárias espalhadas pelo interior. Sem direito a visita, os presos tiveram produtos de higiene pessoal como creme dental e sabonete proibidos de entrar, além de vestimentas, como um chinelo feito artesanalmente por um preso, como mostra uma das fotos.

    Atualmente, o GIR exerce as funções que até meados de 2006 eram de responsabilidade do 3º Batalhão de Choque, a Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo. O grupo que reúne servidores da SAP com especialização em controle de distúrbios passou a ser chamado para intervenções após o Estado ser tomado por uma onda de rebeliões nos presídios em 2006, quando a entrada do Choque nos presídios foi reduzida.

    Doenças matam mais que brigas

    Quanto à saúde dos presos, Shimizu disse que o Vila Independência tem uma das enfermarias mais precárias do sistema penitenciário paulista, e que a negligência em relação à essa questão é a maior responsável pelas mortes de detentos no Estado. “Em 2014 tivemos cerca de 800 mortes no Estado, menos de 50 foram violentas. São doenças simples como pneumonia e tuberculose que levam à morte jovens entre 18 e 25 anos. As facções, em principal o PCC, tem uma parcela na redução das mortes violentas dentro da prisão, que se reflete na diminuição de mortes nas ruas e quebradas.”

    Questionado sobre a calmaria nas cadeias do Estado, ele sentencia: “a calmaria é muito frágil, delicada, que pode estourar a qualquer momento, assim que você tiver uma quebra nesse equilíbrio [vivido atualmente]. É fruto de uma compreensão entre as facções e a administração”.

    Indagada sobre a dificuldade em remover presos até os hospitais, a SAP informou que “todos os reeducandos têm atendimento garantido pelas equipes de saúde dos presídios e os casos de maior complexidade são encaminhados ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário ou aos hospitais municipais. A estrutura de saúde das unidades será ampliada com a contratação de mais 252 médicos (Clínico Geral, Ginecologista e Psiquiatra),42 psicólogos e 51 Técnicos de Enfermagem. O concurso já foi autorizado”.

    Procurado, o Sindicato dos Agentes Penitenciários de São Paulo (Sindasp) não havia se pronunciado até a publicação desta reportagem.

    Veja abaixo as imagens de superlotação nas celas e detentos feridos enviadas à Ponte pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo:

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    Os chamados voadores em foto tirada em 2014 no CDP Vila Independência
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    Superlotação evidente em foto de 2014 no CDP Vila Independência
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    Detento teria se cortado ao se abrigar da ação do GIR
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    Preso teria se machucado ao se abrigar de intervenção do GIR
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    Detento produziu seu próprio chinelo com barbante e papelão
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    Presos fazem o sinal típico de superlotação

     

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