Fundação Casa mantém ‘mini Carandiru’ no centro de SP

    Oito unidades abrigam cerca de 1.600 adolescentes que estão apreendidos em uma das regiões mais populosas da capital. Desativação tinha sido prometida para o ano de 2008
    Entrada do Complexo Brás pela rua Coronel Mursa, 270 - Foto Paulo Eduardo Dias
    Entrada do Complexo Brás pela rua Coronel Mursa, 270 – Foto Paulo Eduardo Dias

    O relógio marca 15h10 da sexta-feira (13) quando a reportagem chega à plataforma da estação Brás do Metrô. Assim como em todo final de expediente o corre-corre de trabalhadores deixando seus afazeres rumo ao destino que lhes é permitido é grande. Talvez por problemas alheios, o prédio velho em uma tonalidade amarelo ovo e outro num cinza gelo, quase sem cor, nem é percebido, mas ali está o “novo Carandiru” mantido pelo governo do Estado.

    A semelhança com o presídio desativado em 2002 não está apenas em sua estrutura física, que tem arquitetura de cadeia, mas também com os números elevados. Com seis unidades que, antigamente, à época da Febem, eram chamadas de alas. O antigo prédio instalado na rua Coronel Mursa, 270, abriga cerca de 1.400 menores infratores sob a tutela da Fundação Casa. São prédios verticais velhos e em condições precárias como cita a Promotoria da Infância e da Juventude, do Ministério Público, em inquérito aberto no final do ano passado, e que espera uma decisão da Justiça em relação ao chamado Complexo Brás.

    O Complexo Brás, maior centro de internação para menores infratores do país, reúne oito unidades, sendo seis em uma única área, que deveriam ter no máximo 600 internos. No terreno entre as ruas Coronel Mursa e Rua Domingos Paiva estão instaladas as unidades Rio Tâmisa, Rio Paraná e Rio Turiassu; além das unidades Itaparica, Juquiá e Topázio. Apenas a Rio Tâmisa deveria ser de internação, sendo as outras destinadas a internação provisória, como descrito no próprio site da Fundação Casa, mas de fato não é isso o que ocorre.

    O tempo médio de internação deveria ser de apenas 45 dias e após as audiências serem colocados em liberdade ou enviados a centros de internação para cumprir as medidas socio-educativas, mas com a falta de vagas em unidades destinadas à internação integral os adolescentes acabam por ficar. Além da superlotação, em que os menores necessitam dormir em colchões finos no chão ao invés de beliche, faltam materiais de higiene e roupas adequadas, segundo o promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude, Tiago Toledo Rodrigues.

    O promotor conta que, em uma das suas últimas visitas à unidade Itaparica, notou, que haviam cerca de sete chuveiros para atender cerca de 270 adolescentes. Em um banho médio de cinco minutos, todos levariam cerca de 4 horas para conseguir se banhar.

    Uma funcionária do Complexo Brás que preferiu não se identificar disse que, quando os meninos ficam de dois a três meses a mais por falta de vaga em unidades de internação começam a dar trabalho. “Não querem fazer as atividades, brigam, se tornam arredios, principalmente quando a família abandona”, diz.

    Apenas 300 metros dali estão mais duas unidades, a Rio Tocantins e a Rio Nilo, localizadas na rua Piratininga, 85, geminadas ao Fórum da Infância e da Juventude, conhecido pelos mais antigos como “SOS Criança”. Nesses dois centros, com a capacidade também excedida chega-se aos 1.600 menores apreendidos em um espaço cerca de 500 metros do metrô Brás e do Largo da Concórdia, um dos principais centros de comércio popular da capital.

    A reportagem apurou que por diversas vezes os garotos ficam sem banho de sol ou proibidos de jogar futebol e praticar atividades físicas. Como as quadras ficam no piso superior, muitas das vezes não há funcionários para acompanhar os internos, que são obrigados a exercer atividades em salas fechadas.

    A reportagem da Ponte Jornalismo solicitou à Fundação Casa a autorização para conhecer uma das unidades do Complexo Brás, mas teve o pedido negado sob o pretexto de que não é permitido visitas em unidades de internação provisória. O MP rechaça o pretexto e sugeriu que a reportagem procurasse o magistrado responsável. A reportagem enviou pedido ao Tribunal de Justiça, mas até a publicação do texto não havia tido resposta.

    Nesse ano, o orçamento liberado pelo governo do Estado para a Fundação Casa gira em torno de R$ 1,4 bilhão; no ano passado o valor foi de R$ 1,2 bilhão.

    Medo

    Com a onda de violência que tem tomado grandes proporções em 2015 como o aumento no número de fugas, já que 528 menores conseguiram fugir, o maior número registrado na história Fundação Casa (criada em 2005), o Ministério Público e os funcionários temem por rebeliões e tentativas de fuga no Complexo Brás dado a suas condições estruturais e de superlotação.

    “Está muito perto do metrô, da CPTM, do centro em geral. Só não tivemos rebeliões e fugas porque os meninos sabem da grande quantidade de polícia na região, além de serem na maior parte internos provisórios, sem sentença, que têm a chance de serem liberados a qualquer momento. Agora com a demora na definição de sua situação e a superlotação podem tentar qualquer coisa”, pondera a funcionária.

    Para o promotor Tiago Toledo Rodrigues, que faz vistoria a cada dois meses às unidades, que estão a localizadas a poucas quadras de seu gabinete, no Fórum do Brás, “os locais possuem situação precária, habitação insalubre e com notícias de agressões”. Indagado sobre as medidas tomadas pelo MP, Rodrigues ressalta que a medida a ele atribuída é de fiscalizar e acompanhar e, solicitar providências tanto à Fundação quanto ao Judiciário.

    Descentralização está só no papel

    Se a principal ideia em se desfazer da Febem era criar unidades pequenas e descentralizar demandas como as dos antigos Complexos Imigrantes, no bairro da Água Funda (zona sul) e Tatuapé, no Belém (zona leste), desativados, respectivamente, em 1999 e 2007, na prática, a descentralização está longe de ocorrer. O chamado Complexo Brás, que compreende oito unidades deveria ter no máximo 800 adolescentes, ou a metade disso ao seguir as promessas de manter centros nos moldes escolares.

    A reportagem levantou que a promessa da presidente da Fundação Casa, Berenice Maria Giannella (que entre destituições pela Justiça e voltas, ocupa o cargo desde junho de 2005), em reduzir a capacidade das unidades, tem tomado um rumo contraditório e perigoso. A reportagem apurou que, ao invés de diminuir a capacidade dos centros, em tese, se tem aumentado. No antigo site da Fundação Casa as unidades tinham entre 50 e 63 vagas para menores infratores, hoje, no site as mesmas unidades possuem entre 108 e 122 vagas. A Fundação Casa também resolveu esconder o número de internos nos locais. No antigo site número de internos em cada unidade eram públicos.

    Questionada sobre o sumiço nos números a assessoria de imprensa não respondeu.

    A contradição na descentralização de unidades pode ser notada na descrição que a Fundação mantém em seu site “as novas casas têm capacidade máxima para receber 56 adolescentes – 40 deles em internação e 16 em internação provisória. Com esta capacidade reduzida, é possível fazer um trabalho de atendimento individualizado com os jovens”. De fato, a ideia de descentralizar daria mais segurança aos internos e funcionários, e melhoria nas condições de ressocialização dos reducandos, porém, na prática, as unidades continuam a receber um alto número de menores

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