200 doentes, 6 mortos e nenhuma resposta em prisão no Piauí

    Promotor apontou que presos foram envenenados por dedetização, mas ninguém foi punido; familiares dizem que governo esconde informações

    Cadeia Pública de Altos foi inaugurada em 2019 e apresentou diversos problemas desde então | Foto: Governo do Piauí

    Entre maio e junho, seis presos morreram e 200 ficaram doentes na Cadeia Pública de Altos, localizada a 38 km de Teresina, no Piauí. Sem visitas, familiares se desesperaram para obter informações dos parentes em privação e liberdade. A suspeita inicial era de intoxicação pela água ou alimentar.

    Uma investigação feita pelo Ministério Público do Piauí apontou que os presos foram envenenados por conta de uma dedetização realizada sem os cuidados necessários, no começo de maio.

    De lá para cá, familiares se queixam de falta de transparência da Secretaria de Estado de Justiça, do Governo do Piauí, responsável pelo presídio. A cadeia objeto de investigação foi inaugurada em setembro de 2019 para receber presos provisórios e, desde então, familiares apontam torturas e agressões aos detentos.

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    Segundo o promotor Elói Pereira Júnior, da Vara de Execuções Penais do MP, a dedetização não teve os cuidados necessários: deveria deixar as pessoas distantes do local da aplicação por 12h, o que não aconteceu.

    Por meio de um Inquérito Civil Público, o MP apurou o adoecimento coletivo. Entre os sintomas apresentados pelos presos estavam dor abdominal, falta de apetite, constipação intestinal, retenção urinária e parestesia nos membros inferiores.

    Na denúncia, o MP aponta que, um mês depois da primeira morte, a secretaria informava que o motivo das mortes e do adoecimento ainda era desconhecido.

    Com o apoio do setor médico e do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde do Ministério Público, afirma o documento, foram examinados prontuários médicos fornecidos pela unidade prisional e pelos hospitais públicos onde estiveram internados os detentos.

    Foram analisados exames laboratoriais e de imagem, e, após uma reunião realizada por videoconferência com os médicos que atenderam os presos, os profissionais de saúde chegaram à conclusão e comprovação de que os presos foram vítimas de uma intoxicação por envenenamento.

    Diante dos resultados, o Ministério Público recomendou a exoneração do secretário de Justiça Carlos Edilson, afirmando que ele estaria “omitindo informações e prestando outras não verdadeiras, mesmo diante da gravidade e repercussão dos fatos”. Além disso, no documento, o MP exige uma investigação profunda e imparcial dos fatos.

    Uma mãe ouvida pela Ponte, que pediu para não ser identificada, contou que o filho está na Cadeia Pública de Altos há dois meses, mas que o envenenamento não chegou ao pavilhão onde ele cumpre pena. Ela denunciou torturas e falta de transparência.

    “Os rapazes que saíram de lá contaram que acontecem torturas, que chegavam na cela e já apanhavam, jogando spray de pimenta, bala de borracha. Nessa dedetização colocaram eles para fora, na chuva, e depois jogaram dentro das celas todos molhados. Foi aí que eles começaram a passar mal”, detalha.

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    “Eu sei que eles erraram, estão pagando pelos seus erros, mas não é justo o que estão fazendo com eles lá dentro. Tem preso que, quando faz a videochamada com o parente, está com o canto da boca roxo, perto do pescoço roxo, pedindo socorro. Eles torturam os presos. Você liga lá e eles omitem as informações, isso quando nos atendem. A gente só sabe que a situação lá não está boa”, lamenta a matriarca.

    Até o momento, o governo do Piauí não confiram mortes pela Covid-19 nas prisões do estado. Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, o estado do Piauí tem 120 confirmações de coronavírus, 237 suspeitas e 83 recuperados.

    A Associação das Mães com os Filhos Encarcerados de Teresina informou à Ponte, em nota, que “as famílias estão sem acesso aos seus doentes, sem acesso às videoconferências, sem informação de quem tá doente e quem não tá. As famílias estão desinformadas”.

    “Mudaram de diretor que inventou um recadastramento nos vídeos, que é o único meio de contato. Com isso, tá atrasando mais ainda os contatos. Tem mãe sem dormir, desesperada, porque não consegue falar com os filhos. Com os vídeos, as mães conseguiam ver as agressões”, afirma.

    Especialista critica falta de transparência e irregularidade na cadeia pública

    A advogada Maria Sueli Rodrigues, professora da UFPI (Universidade Federal do Piauí), que também é membra do Grupo de Estudo Direitos Humanos e Cidadania e integrante da Frente Estadual do Piauí pelo Desencarceramento, critica o fato de a unidade abrigar presos não julgados.

    “Altos fica a mais ou menos 40 km de Teresina e é uma unidade para cumprimento de pena”, pontua, lembrando que o desencarceramento deveria estar sendo usado para conter a proliferação do vírus nas cadeias.

    “No começo, pensamos que era a Covid-19 e aí os familiares começaram a se manifestar na frente do palácio do Governo, fizeram manifestação em frente ao Tribunal de Justiça e a Secretaria de Justiça. O governo do estado nunca deu transparência. A gente ficou sem saber o que de fato estava acontecendo. Aí aconteceu a primeira morte e o governo começou a ser pressionado”, relata. 

    Outro lado

    Procurada pela reportagem, a Secretaria de Justiça do Piauí não se manifestou até o momento da publicação deste reportagem.

    No dia 15 de junho, ao G1, a pasta negou que o motivo das mortes tenha sido envenenamento. O coronel Luís Antônio Pitombeira, diretor de assistência militar da Secretaria de Justiça, argumentou em entrevista à TV Clube que os detentos começaram a apresentar sintomas dias antes da dedetização citada pelo Ministério Público, e que a dedetização teria sido realizada apenas na parte externa da unidade, e não dentro das celas ou áreas com que os presos tenham tido contato. Pitombeira também disse que nove dos presos doentes tiveram diagnóstico de leptospirose, doença transmitida pela urina de ratos.

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    Ainda à TV Clube, a empresa que executou o serviço de dedetização confirmou a versão do porta-voz de que apenas no dia 16 de maio, data posterior ao aparecimento de sintomas nos detentos, é que o trabalho foi feito apenas em áreas externas da unidade, e não dentro de celas.

    Até o momento, a recomendação de exoneração do titular da Justiça no estado, Carlos Edilson, feito pelo MP, não foi atendido.

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