Índice é o mais alto entre 30 países que avaliaram tratamento dado por instituições públicas a homens e mulheres, segundo pesquisa de opinião do Instituto Ipsos
Os brasileiros acreditam que o governo (59%), a mídia (40%), a polícia (41%) e os sistema de justiça e penitenciário (37%) tratam pior as mulheres do que homens, revela a pesquisa de opinião feita pelo Instituto Ipsos, que ouviu 20.524 pessoas ao redor de 30 países entre 21 de janeiro e 4 de fevereiro de 2022. Os índices foram os mais negativos quando comparados com as demais nações. No Brasil, cerca de 1 mil pessoas foram ouvidas.
Em cada categoria, foi respondida a seguinte pergunta: “no geral, você acha que as mulheres são tratadas melhor, pior ou da mesma forma que os homens?”. Foram consideradas respostas de pessoas de 16 a 74 anos que selecionaram alguma das três possibilidades. “Não sabem” ou “não responderam” não foram incluídas na pesquisa, que pode ser lida na íntegra aqui em inglês e também abrange questões voltadas à carreira, saúde, família etc. Segundo Priscilla Branco, gerente de Assuntos Públicos do Ipsos, nas informações coletadas, não foi destacada a questão de cor porque a diferença de autodeclaração nos países impediria uma comparação.
Depois do Brasil, Colômbia (40%), África do Sul (39%), Coréia do Sul e Peru (38%) consideraram que a polícia trata pior as mulheres com relação aos homens. As nações que acreditam que as mulheres recebem um tratamento melhor são Arábia Saudita (52%), Índia (42%) e China (36%). Já as que atribuem mais igualdade de tratamento são Cingapura (50%), Espanha e Itália (48%) e Turquia (47%).
Já sobre os sistema de justiça e penitenciário, depois do Brasil, Colômbia (34%) e Chile (33%) acreditam que as mulheres são tratadas de forma pior do que os homens. Consideraram tratamento superior Arábia Saudita (42%), Índia (41%) e Malásia (31%). Os com tratamento equivalente prevaleceram em Suécia e Itália (47%), Turquia, Holanda e Japão (46%) e Polônia, Espanha e Cingapura (45%).
A gerente do Ipsos aponta que uma percepção mais equilibrada na pesquisa é vista em instituições educacionais e ao serviço de saúde, em que metade ou quase metade das pessoas ouvidas entendem que há um tratamento mais igualitário entre os dois sexos, o que não se vê em outras entidades, como órgãos de Estado. “Quando a gente olha o recorte demográfico, ou seja, só a percepção dos homens em relação à das mulheres, fica bastante evidente como esse viés de gênero existe de fato. O percentual de homens que acham que as instituições tratam melhor as mulheres é significativamente maior em comparação com as mulheres, como o sistema judiciário e as prisões: 18% dos homens acham que as mulheres são tratadas melhor; já as mulheres que acham isso são 7%. Isso vêm muito da vivência, do olhar com essas instituições”, aponta.
Priscilla Branco entende que uma das justificativas da visão negativa com relação à polícia e aos sistemas de justiça e penitenciário têm relação com o machismo estrutural, mas também “a falta de apoio às mulheres quando elas procuram essas instituições”. “São instituições que acolhem crimes, denúncias e deveriam acolher as mulheres e prestar amparo. O que a gente percebe é que para quase todas as instituições existe a percepção de que as mulheres não são tratadas como deveriam”, explica. “Um ponto é que os índices de ‘não sei’ em relação ao sistema de justiça e às prisões são um pouco maiores, diferente do indicador do governo e da polícia, o que mostra o desconhecimento da população a que tipo de tratamento o judiciário e as prisões conferem às mulheres”, prossegue.
Para a pesquisadora, para além de uma questão de imagem, o país deveria colocar em prática ações que promovam de fato o respeito às mulheres e coíbam violações de direitos. “O Brasil é um país extremamente conservador, a gente ainda não tem uma quantidade satisfatória de líderes mulheres na política, o que dificulta muito o avanço, é um país que vivenciou há pouco tempo atrás o caso Mariana Ferrer, que infelizmente viveu uma situação de extremo machismo durante uma sessão da corte e foi atacada por um advogado, e muitos relatos de mulheres que vão buscar ajuda na polícia, ainda que tenham delegacias da mulher, mas que não sabem como receber e ela acaba sendo tratada de uma forma que o trauma que ela sofreu piora”, pontua. “As instituições que deveriam dar suporte acabam replicando o machismo da sociedade ao invés de dar uma resposta rápida e eficiente porque, ao repudiar um comportamento, a sociedade entende que aquilo é coibido e não tem mais espaço para acontecer”.
O instituto realiza mensalmente pesquisas voltadas a temas sociais, chamado de Global Advisor. De acordo com Branco, essa foi a primeira vez que foram incluídas sobre instituições públicas nesse estudo que integra um especial do Dia Internacional da Mulher. Nessa pesquisa, Priscilla Branco também destaca que ainda existe um estigma com a palavra feminismo: no Brazil, 44% das pessoas responderam que não se definem como feministas, enquanto 43% responderam que sim.
“As pessoas querem igualdade entre homens e mulheres e entendem que, por exemplo, ter mulheres líderes em empresas e governo é uma condição necessária para a igualdade acontecer”, pondera. “Feminismo é um tema muito espinhoso particularmente no Brasil porque as pessoas não sabem o que é, o que pauta, as demandas. Enxergam no geral como um movimento de confrontação e isso não agrada, seja por uma questão simbólica pela forma de contestação ou o que está sendo proposto, até mesmo entre as próprias mulheres. Nosso país é muito conservador e há buracos na agenda pública que precisam ser ocupados, ninguém fala de tirar direitos dos homens, mas garantir os das mulheres. Nas nossas pesquisas, existe uma percepção de que para se ter um direito, se perde outro e não é isso”.