5 anos após Massacre de Paraisópolis, PM de SP continua dispersando bailes funk com violência

Vídeos mostram multidão correndo de policiais na zona norte da capital; PMs aparecem batendo com cassetete em quem fugia e também em motociclistas. “Podemos estar prestes a ter de novo uma Paraisópolis”, diz especialista

Quase cinco anos se passaram desde o Massacre de Paraisópolis. A ação da Polícia Militar de São Paulo encurralou participantes do Baile da DZ7, tradicional baile funk de rua, na comunidade da zona sul da capital. Ao todo, nove jovens morreram e outros 12 ficaram feridos. Nesta segunda-feira (6/5), vídeos registrados por moradores do Jardim Carumbé, na zona norte, mostram que a PM segue dispersando festas nas comunidades de maneira violenta. 

“É uma situação dolorosa para mim saber que outros jovens estão passando pelas mesmas coisas e correm os mesmos riscos que o meu filho. Isso é cruel”, diz Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique, uma das vítimas de Paraisópolis. 

Indignada, Cristina diz que o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) dá aval para que essas situações se repitam. “Depois que nossos filhos foram assassinados, a violência policial está aumentando e muito”, fala. 

As imagens mostram uma multidão correndo de policiais. Munidos de cassetetes, eles tentam bater com o equipamento contra quem passava. O vídeo também mostra pessoas caindo ao correr e até mesmo quem estava em motocicletas se desequilibrando.

Outro vídeo mostra policiais batendo em um motociclista com um cassetete. O homem consegue escapar da abordagem sem parar o veículo. Um carro passa instantes depois e também é parado pelos PMs com o cassetete. 

Os PMs agiram de forma equivocada, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. Carolina afirma que a atuação expôs os próprios policiais e, ao gerar a correria registrada nos vídeos, colocou todos em risco. “Isso passa longe de qualquer protocolo que a Polícia Militar tenha de controle de multidões”, diz. 

A especialista diz que é um desafio para qualquer gestor (seja ele prefeito, governador) lidar com baile funk. As questões relacionadas a isso envolvem, por exemplo, os moradores que têm o sossego perturbado e os jovens que buscam diversão e ocupar um espaço público. Justamente por ser uma questão complexa, parece pouco profissional a atuação policial vista nos vídeos, analisa. 

“Temos o exemplo histórico de Paraisópolis, uma marca muito ruim na história da PM de São Paulo. Assim como foi a Favela Naval, Paraisópolis foi um marco e nós podemos estar prestes a ter de novo uma Paraisópolis”, afirma Carolina Ricardo. 

A situação registrada nos vídeos aconteceu durante um baile que começou informalmente, contaram à Ponte moradores da comunidade. Segundo relatos, um comerciante da região fez uma festa de aniversário durante a tarde de domingo (5/5). “Estava tudo tranquilo com a comemoração até que foi anoitecendo e começaram a chegar os paredões”, contou uma moradora que pediu para não ser identificada.

Com o passar das horas, a rua foi tomada por uma multidão que, pelo aglomero, dificultava a passagem de carros e locomoção dos moradores. Também começaram a circular por ali pessoas armadas, contam. A polícia apareceu já na madrugada de segunda-feira (6/5).

O corre-corre desesperado iniciou logo que as viaturas chegaram. Moradores ouvidos pela Ponte confirmaram que os policiais agiram com violência. Um dos relatos é de que um PM jogou o cassetete em um motociclista, que acabou caindo.

A situação chama a atenção pela repetição de ação que levou à morte de um jovem na Brasilândia, também zona norte. Em fevereiro deste ano, Matheus Menezes Simões, 21 anos, morreu após ter o pescoço atingido pelo cabo de um fuzil. Ele passava de moto quando um policial o feriu. 

Os moradores também contam que alguns dos participantes do baile revidaram com violência. Foram arremessadas garrafas de vidro contra os PMs, relatam. Um grupo também teria avançado contra os policiais. Em nota enviada à Ponte, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que um policial ficou ferido e recebeu atendimento médico. Não houve maior detalhamento sobre a situação. 

Foi a primeira vez em quatro anos que um baile ocorreu na região. “Não é comum porque tem festas maiores perto, como o Israel e o Elisa Maria”, falou um morador. Dono de uma loja na região, ele se mostrou descontente com o evento. 

O aborrecimento é compartilhado por outros moradores ouvidos pela reportagem. Apesar de reconhecerem a violência da PM, eles não enxergam outro meio para impedir os eventos na rua. “Se os policiais não chegassem, eles iam estar aqui até agora bebendo”, diz uma moradora. 

Revisão de protocolos

Mãe de uma das vítimas de Paraisópolis e ativista social, Maria Cristina Quirino diz que não é a primeira vez que recebe vídeos de dispersão violenta de bailes funks em São Paulo. Ela defende que a juventude precisa ter espaços para festejar e, para que isso não aconteça nas vielas e ruas de comunidades, é preciso de investimento governamental em cultura.

“Nossa juventude precisa curtir, precisa viver. É o que eles gostam. Para não acontecerem os bailes nas comunidades, o governo tem de oferecer o aparato da cultura”, diz. 

Há também um dever do poder público em regulamentar os bailes e festas nas periferias, diz Carolina Ricardo, do Sou da Paz. Isso passa por garantir que as comunidades tenham respeitado seu direito ao sossego, mas que os jovens não sejam privados de se divertir. “Como o poder público não se apresenta antes, só quem vai é o 190”, fala.

Assim como ocorre nas periferias, esse tipo de festa acontece em outros espaços (como nos entornos de universidades), só que com outros nomes e públicos e, nestes casos, é permitida. “A periferia também quer ir para a balada”, afirma.

Outro ponto é que é preciso um protocolo de identificação das chamadas ao 190, para a polícia chegar a esse tipo de ocorrência de forma mais preparada, com protocolos e procedimentos que não coloquem em risco a vida da população. “Se chegar desse jeito, vai ser tragédia atrás de tragédia”, diz. 

“Tem que ter protocolos e vias muito firmes de como atuar neste tipo de caso, se nós não quisermos ver uma nova Paraisópolis acontecer. Não é isso que vemos nos vídeos”, completa. 

Ajude a Ponte!

A pesquisadora do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Caaf/Unifesp) Desirée de Lemos Azevedo diz ser evidente que a situação registrada nos vídeos não seguiu nenhum protocolo. “Ela não foge dos protocolos, ela ignora”, afirma. 

A atuação na dispersão de bailes funk tem que ser algo planejado, garantindo a segurança e a vida de todos os envolvidos, defende a pesquisadora. Isso inclui, por exemplo, pensar o direcionamento da tropa em função do lugar para onde se deseja levar a multidão. 

“Você precisa agir de um lado e deixar o outro lado livre para essa multidão escapar. É por isso que houve as mortes no Massacre de Paraisópolis. Foi uma atuação de dispersão vinda simultaneamente dos dois lados, ou seja, criando um cerco em torno da multidão com o intuito de fustigar, agredir aquelas pessoas, que obviamente está fora de qualquer previsão de atuação da Polícia Militar”, diz.

No caso registrado nos vídeos, os policiais parados no caminho da multidão se colocam como obstáculo para a dispersão, diz a pesquisadora.  

Desirée afimra que é necessário avaliar se a polícia é órgão indicado para lidar com os bailes. Ela argumenta que o poder público tem de oferecer condições e estrutura para que a juventude preta e periférica tenha acesso ao lazer.

O que dizem as autoridades 

A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) sobre a atuação dos policiais militares. Em nota, a assessoria informou que os vídeos serão analisados pela Polícia Militar. 

A nota também fala que a ação dos policiais resultou em 39 motocicletas apreendidas, sendo duas delas roubadas. Não foi explicado no texto o que levou à apreensão dos demais veículos. 

Veja nota na íntegra

As imagens veiculadas pela reportagem serão analisadas pela Polícia Militar. Uma ação foi realizada na noite de segunda-feira (7), na Estrada Lázaro Amâncio de Barros, na zona norte da Capital, para desobstruir a via, que estava interditada em decorrência da aglomeração de pessoas em um baile funk. A operação policial resultou em 39 motocicletas, sendo duas roubadas, e outros 12 veículos apreendidos. Além disso, um policial ficou ferido e recebeu atendimento médico imediato. Qualquer denúncia contra os agentes pode ser oficializada junto à Corregedoria.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude
Inscrever-se
Notifique me de
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

mais lidas

0
Deixe seu comentáriox