Ajudante de pedreiro teria passado por três sessões de espancamento antes de ser forjado com drogas na delegacia. Polícia diz que rapaz fugiu de abordagem e carregava maconha na cueca
O ajudante de pedreiro Carlos Eduardo Narcizo, de 20 anos, foi preso na última quinta-feira (16/9), sob acusação de tráfico de drogas, no município de Barretos, a cerca de 430 km de São Paulo. O jovem havia ido negociar um carro que pretendia comprar, quando foi abordado, juntamente com outros dois amigos, no veículo de um deles.
Segundo um familiar, que prefere o anonimato por medo de represália, um dos policiais que prendeu Carlos tem histórico conhecido de perseguição ao jovem há alguns anos, e afirma que a prisão da última quinta-feira foi forjada e após muita violência.
Leia também: Instrutor de surfe é atingido na cabeça por tiro de metralhadora dado pela polícia, diz família
De acordo com informações da advogada Raíssa Zago Leite, da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, Carlos foi abordado e entrou na viatura da Polícia Militar por volta das 16h. Como os familiares sabem do histórico de perseguição, acompanharam o carro policial que levaria o jovem para a delegacia.
Enquanto a mãe acompanhava a viatura de motocicleta, os policiais pararam em uma casa abandonada, levaram o jovem para dentro e, segundo familiares, iniciaram uma sessão de tortura afim de que o jovem assumisse algum crime que não cometeu. As agressões só teriam acabado quando a mãe apareceu no local, surpreendendo os PMs, que não sabiam que estavam sendo acompanhados.
Saindo dessa casa abandonada, os policiais teriam voltado a circular com o jovem e o conduzido para outra casa vazia em um bairro vizinho. No local, o mesmo procedimento: nova sessão de tortura e a intervenção da mãe, que havia continuado seguindo os policiais militares com o filho.
Após esse segundo período de agressões, Carlos foi novamente colocado na viatura e a mãe acabou perdendo a localização. No entanto, entrou em contato com a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio e acionou a Corregedoria da Polícia Militar. Depois disso, foi informada que os PMs haviam atravessado a cidade para levar o jovem em um canavial.
Temendo que o rapaz pudesse ser morto, a mãe foi ao local indicado, acompanhada por outros familiares. Chegando no canavial, umpa tia de Carlos, que tentou filmar a ação, também foi agredida e teve o celular confiscado, conforme relatam.
Somente depois dessa terceira sessão de tortura que o jovem foi conduzido para a Delegacia Seccional de Barretos. Até esse momento, a família havia sido informada que o jovem seria liberado, pois não tinham encontrado nada de ilícito com ele.
Os familiares foram para delegacia acreditando que jovem seria solto rapidamente, por ele já ter passado por procedimento semelhantes. Conforme a família, o rapaz começou a ser perseguido depois de ter sido preso por tráfico de drogas, e sofre violência policial mesmo não cometendo mais crimes.
Na delegacia, segundo o familiar do jovem, a todo momento os PMs cobravam por uma arma para liberar o rapaz. “Isso de pedir arma não é o primeiro caso, está virando uma prática: abordarem qualquer pessoa e querer uma arma para liberar”, diz.
Ainda segundo a família, como os PMs não conseguiram a arma que exigiram, momentos depois outra viatura chegou na delegacia, levando drogas que foram atribuídas ao jovem. No registro feito na Polícia Civil, a PM diz que Carlos estava com 59 porções de maconha dentro da cueca e R$ 1.010 no bolso na bermuda, e afirma que dentro do carro que o jovem estava meio tijolo de maconha.
Veja também: Justiça nega indenização a fotógrafo agredido por seguranças do Metrô de SP
Na versão policial, embora os jovens estivessem em um carro dentro da lei, eles seriam abordados por serem “pessoas já conhecidas dos policiais pela prática de tráfico de drogas”. Os três, então, teriam fugido da viatura no carro e, em determinado momento, parado para correr a pé dos policiais.
Os jovens, segundo a versão da PM, teriam pulado muros de casas da região e fugido por telhados, e apenas Carlos foi capturado. A polícia também diz que os machucados registrados pela família em fotos foram consequência da suposta tentativa de fuga do rapaz.
A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo sobre a ação. No entanto, não houve retorno até a publicação desta reportagem.