Enterro de Gabriel Augusto Hoytil de Araújo, 19 anos, será neste sábado. “Como vou contar para meus filhos que o irmão deles morreu com um tiro na cara dado pela polícia?”, lamenta Fabiana Hoytil da Silva
“Eu quero saber como é que eu vou contar para os meus dois filhos que o irmão mais velho deles morreu com um tiro na cara dado pela polícia?” O questionamento é de Fabiana Hoytil da Silva, 41 anos, mãe de Gabriel Augusto Hoytil de Araújo, morto na última quarta-feira (20/10), em uma ação da Polícia Civil, na Comunidade do Piolho, na zona sul de São Paulo.
Ainda muito abalada com a forma com que o filho de 19 anos foi morto, a profissional da rede municipal de saúde, lembra com saudade da última vez que esteve com o filho. “Ele foi na minha casa no domingo. Ele sempre foi um menino muito extrovertido, mas ele estava mais brincalhão do que o comum. Jogou bola com os irmãos, ficou fazendo piada, abraçou e beijou o padrasto. Parecia realmente que estava se despedindo da gente”.
Outro ponto destacada por Fabiana era a dedicação que Gabriel tinha pela família, principalmente pela saúde dela. “Eu tive um AVC e fiquei um ano e meio sem andar e sem falar, e ele me ajudou muito. Ele vivia pedindo para eu me cuidar, me alimentar e tomar os meus remédios. Da mesma forma, eu pedia para ele se cuidar”.
Fabiana dá como exemplo de como esse jeito do filho cativava as pessoas com as ações que estão fazendo para a despedida de Gabriel. Segundo ela, está previsto que seis ônibus estejam neste sábado (23/10), no Cemitério do Campo Grande. “Nós não tínhamos dinheiro para fazer o velório, mas os amigos fizeram uma vaquinha e conseguimos R$ 4.500 para realizar o enterro dele.”
Mãe e filho conversaram horas antes da polícia invadir um dos becos da comunidade e atirar em Gabriel enquanto ele almoçava segurando um marmitex. “Ele escreveu uma mensagem desejando bom dia e perguntando como eu estava. Amanhã quando eu enterrar ele, isso vai acabar. Nunca mais ele vai me mandar mensagens para falar comigo”, declarou Fabiana sem conseguir conter as lágrimas.
Polícia alega que Gabriel portava arma e drogas. Testemunhas desmentem versão
De acordo com o boletim de ocorrência elaborado pelo delegado Fabio Guedes Rosa, do 96º DP, na noite de quarta (20), participaram da ação que resultou na morte de Gabriel os policiais civis Gilmar Guilon Silva, Thiago de Almeida Fonseca Albuquerque, Sergio Augusto Tolomei Teixeira de Monteiro Palmei e André Ricardo Hernandes, todos também do 96º DP. Apesar disso, não há informação de quem efetuou os disparos que atingiram o jovem.
Segundo os policiais, Gabriel estaria traficando e carregava 499 porções de entorpecentes, entre maconha, cocaína e crack, sem especificar o peso total das drogas encontradas . Os policiais também afirmam que ele estaria com uma arma de brinquedo. De acordo com o BO, policiais “avistaram um indivíduo (vítima) em atividade de mercancia de drogas. Em seguida, os policiais tentaram abordá-lo, ocasião em que esse reagiu, exibindo uma pistola preta, sendo efetuado disparos pelo polícias, bem como sendo ouvidos outros disparos oriundos da comunidade. No local foram localizados entorpecentes e um simulacro de arma de fogo”. A arma de brinquedo, assim como as armas dos policiais, teriam sido apreendidas pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), responsável pela investigação do homicídio, registrado no BO como “morte decorrente de intervenção policial”.
No dia do crime, testemunhas que estavam no local, na hora do homicídio, já refutaram essa informação. Segundo os moradores, Gabriel não vendia drogas e estava apenas com seu almoço nas mãos.
“Entraram dois policiais disfarçados no beco gritando ‘perdeu!’, só que o pessoal do tráfico não estava nesse local. Só tinha gente que não tinha nada a ver e correram assustados. O Gabriel estava com um marmitex na mão e o policial atirou na cara dele. Nós escutamos um policial falar para o outro: ‘não era para você atirar nele’”, relatou um morador que não quis ser identificado.
“Eu só quero a verdade, e que a justiça seja feita. Nada vai trazer o meu filho de volta, mas eu mereço saber o que aconteceu de verdade”, diz Fabiana Hoytil.
O que diz a polícia
A reportagem solicitou informações sobre o andamento da investigação para a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública, de responsabildiade da terceirizada InPress, mas desde a morte de Gabriel Augusto Hoytil a pasta não respondeu nenhum dos questionamentos da Ponte.