Caio Muratori disparou contra carro furtado em perseguição e acertou Waldik Gabriel Chagas na cabeça em junho de 2016; juiz entendeu que há contradições sobre versão de troca de tiros
O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o ex-guarda civil metropolitano Caio Muratori, 48, seja julgado por um júri popular pela morte de Waldik Gabriel Silva Chagas, então com 11 anos, em 26 de junho de 2016. A decisão de pronúncia foi proferida em 23 de setembro, mas apenas ficou disponível em 13 de outubro. O acusado pode recorrer em liberdade.
Ele foi acusado por homicídio qualificado por meio empregado que possa resultar perigo comum porque, segundo a denúncia, assumiu o risco de matar ao disparar contra o veículo Chevette em movimento que o menino estava e por estar em uma via movimentada de pessoas.
Ao decidir que o então guarda seja julgado por um Conselho de Sentença, ou seja, membros da sociedade civil, o juiz Roberto Zanichelli Cintra entendeu haver contradições na versão de Muratori em relação aos colegas que estavam com ele, já que os vidros do carro em que Waldik estava eram escuros, não permitindo visualizar quem o ocupava, e a janela estava fechada e com a trava de abrir o vidro danificada, ou seja, o menino não conseguiria abrí-la para fazer disparos. Os guardas Guilherme Achilles Gomes Pommer e Fabio de Jesus Inacio da Silva não conseguiram ver se os ocupantes do Chevette atiraram e confirmaram que apenas Muratori atirou. A perícia também não localizou arma no carro.
“Tal dúvida acerca da dinâmica dos fatos, a meu ver, já é suficiente para o decreto de pronúncia [para ser levado a júri], sendo possível inferir a partir da prova oral e pericial, e da contradição existente entre elas, que o réu poderia, em tese, ter cometido o delito ora apurado, agindo com dolo eventual, ou seja, assumindo o risco de produzir o resultado morte, agindo com indiferença ao efetuar os disparos em direção ao veículo, sem que houvesse ameaça concreta”, argumentou o magistrado.
Na época, Waldik e outros dois adolescentes furtaram um veículo, modelo Chevette, de cor prata. Na Rua Saturnino, em Cidade Tiradentes, na zona leste da cidade de São Paulo, o garupa de uma moto viu a viatura e avisou a GCM que um carro havia sido roubado. Na Avenida Doutor Guilherme de Abreu Sodré, altura do número 90, os agentes encontraram o Chevette, afirmam ter dado sinal de parada, mas os jovens fugiram atirando, segundo a versão oficial. Caio estava com outros dois guardas na viatura, mas somente ele ordenou a perseguição e atirou.
Durante a ação, Muratori disparou quatro vezes na direção do Chevette, acertando um disparo no vidro traseiro e, em seguida, na cabeça de Waldik. A perseguição teve fim na rua Regresso Feliz, 131, próximo a uma quermesse. Os dois adolescentes fugiram correndo. Frequentadores da festa cobraram os guardas para que resgatassem a criança que agonizava dentro do carro. Socorrido, Waldik morreu antes de chegar ao Pronto Socorro da região. A perícia feita no veículo indicou que apenas um disparo foi feito, de fora para dentro do Chevette, que estava com suas janelas fechadas durante a perseguição.
Um dos adolescentes que estava com Waldik e foi apreendido dois dias depois do crime disse nas audiências que eles furtaram o veículo, mas não estavam armados, e resolveram “passear pela cidade” quando passaram a ser perseguidos pela viatura da guarda, que efetuou os disparos.
No dia seguinte, o então prefeito Fernando Haddad (PT) declarou que a “abordagem foi equivocada”. “A abordagem não deveria ser essa. Não estou pré-julgando o guarda, mas, pelas primeiras investigações, você nota que a abordagem não segue o protocolo de uma Guarda Civil. É muito mais afeita à Polícia Militar do que propriamente à Guarda Civil”, disse Haddad.
Muratori foi demitido da GCM em novembro de 2016, conforme publicação do Diário Oficial da cidade. Uma das normas apontadas para a corporação é de não disparar contra veículo em fuga ou que fure bloqueio Ele argumentou que viu um dos ocupantes do carro furtado efetuar três disparos em sua direção e que tentou revidar atirando nos pneus do veículo. Já durante as audiências, disse que “viu um clarão no interior do Chevette e julgou ser disparo com arma de fogo” e que ele deu quatro tiros em legítima defesa.
Tentamos buscar o contato da defesa de Caio Muratori pelos contatos dos advogados informados no site da OAB, mas não tivemos retorno.