Eduardo Felipe, 17, foi baleado dentro da casa de amiga da família; “disseram que foi troca de tiros, mas como é confronto se a jaqueta dele tinha 10 tiros nas costas e um na mão?”, questiona moradora
Luísa* conta que os filhos de 11 e 13 anos estavam em sua casa e a avó ouviu tiros na rua e decidiu levá-los para a residência dela, que fica ao lado. “Não deu 10 minutos e depois executaram ele”, denuncia. Eduardo Felipe dos Santos Oliveira, 17, foi morto dentro da casa de Luísa em uma ação da Polícia Militar do Paraná, no sábado (6/11). Ela, que mora há mais de nove anos na comunidade da Portelinha, em Curitiba, fala revoltada sobre as marcas que sobraram: um rastro de sangue no piso de madeira da sala e um tiro na geladeira. “Eu sou madrinha dos irmãos dele, ele morava com a minha mãe e era uma pessoa tranquila, que trabalhava… A gente está abalado, revoltado, não aceita, eles [policiais] têm que parar, por isso não vamos mais nos calar”.
Ela conta que ninguém viu o momento dos disparos e que, naquela hora, por volta das 22h30, estava na residência de uma amiga. “Ele ia para uma festa de uma colega da escola, mas a gente não sabe por que ele decidiu voltar para a minha casa, só sabemos que veio a viatura, ele correu para a minha casa e os policiais foram atrás dele. Disseram que foi troca de tiros, mas como é confronto se a jaqueta dele tinha 10 tiros nas costas e um na mão?”, questiona. Ela também aponta que o menino não estava armado.
De acordo com ela, Eduardo era o caçula de três irmãos. Enquanto os dois maiores de idade vivem com a avó biológica, na mesma comunidade, o adolescente morava com a mãe de Luísa, a quem chamava de madrinha. Os pais biológicos são falecidos. “Ele trabalhava catando papel, como servente de pedreiro, se chamava para fazer serviço de jardinagem, ele fazia, por isso a gente está revoltado, não tinha o porquê de matar ele”, lamenta.
No dia seguinte à morte do menino, no domingo (7/11), familiares, moradores e amigos fizeram um protesto na Rua Rezala Simão, que dá acesso à comunidade. Foram queimados alguns objetos na rua e gritaram palavras de ordem: “justiça”, “Eduardo Felipe, presente” e “assassinos”. Ao site Banda B, os parentes mostraram a jaqueta vermelha e as perfurações na parte das costas.
Nem a madrinha de Eduardo nem os irmãos estavam em condições de falar com a reportagem e ainda estão em buscas de informações porque não acessaram o boletim de ocorrência. O enterro ainda não aconteceu. Luísa conta que conhecia o menino desde pequeno. “A gente viu ele crescer, sempre foi um menino carismático”, lembra. “A gente é pobre, trabalha e não tem muito tempo para sonho, mas ele queria comprar uma moto para andar”.
O que diz a polícia
A Ponte procurou a assessoria das polícias Civil e Militar paranaense sobre o caso.
A assessoria da Polícia Civil do estado disse que o órgão não foi acionado para investigar o caso. “Mortes em confronto com a Polícia Militar são investigadas em inquérito policial militar”, declarou.
Já o 12º Batalhão da PM encaminhou a seguinte nota** e não informou os nomes dos policiais envolvidos:
De acordo com as informações do Boletim de Ocorrência, a situação aconteceu, por volta das 23 horas de sábado (06/11) em uma região conhecida como Comunidade da Portelinha, no bairro Portão, em Curitiba. Segundo o documento, a Polícia Militar, por meio do 12⁰ Batalhão, recebeu duas denúncias de disparos de arma de fogo, uma às 22 horas e a segunda por volta das 23 horas.
Logo após o primeiro acionamento, segundo o boletim, uma equipe da ROTAM fez patrulhamento na região, mas ninguém foi localizado. Já após a segunda ligação, as equipes retornaram a fazer buscas e, na Rua Irati, avistaram um homem com um objeto nas mãos. Os policiais então tentaram fazer a abordagem, mas ele fugiu da equipe correndo pelas ruas da região.
Durante o acompanhamento, de acordo com o documento, os militares estaduais constataram que ele estava com uma arma de fogo e tentaram novamente fazer a abordagem, momento que o rapaz teria apontado a arma para a equipe e efetuado os disparos. Para revidar a injusta agressão, os policiais também efetuaram disparos, porém o homem fugiu.
Ao tentar novamente uma abordagem, diz o boletim, o rapaz voltou a apontar a arma aos policiais, que revidaram e o homem acabou atingido. Imediatamente foi acionado o SIATE, que ao chegar no local constatou o óbito.
A Criminalística recolheu a arma de fogo usada pelo homem sendo, conforme boletim, um revólver, de calibre .38, com três munições intactas e duas deflagradas. Com ele está relatado que também havia 123 pinos de cocaína, que foram apreendidos e encaminhados à Central de Flagrantes.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada que teme represálias.
**Reportagem atualizada às 18h46, de 9/11/2021, após recebimento de resposta da PM.