Uma semana após onda de ataques à periferia que matou 18 pessoas, moradores de Osasco se reuniram para protestar diante do bar onde oito pessoas foram mortas
Um minuto de silêncio para chorar os sete dias da morte e um aplauso para relembrar os 34 anos vividos por Fernando Luiz de Paula, que todo mundo nesse canto do Jardim Munhoz Junior, em Osasco, conhecia como Abuse, pintor de profissão e goleiro do time Bola Mais Um. E o mesmo minuto de silêncio para outros sete mortos por um grupo de homens encapuzados que, no último 13 de agosto, invadiram o bar do Juvenal e atiraram em todos que viram pela frente.
Abuse era o único filho da empregada doméstica Zilda Maria Paula, 62 anos. Ela lembra que estava com o filho quando viu na tevê a cena da morte do policial militar cabo Ademilson Pereira de Oliveira, executado por criminosos enquanto pagava a conta em um posto de combustíveis da cidade, no dia 7. “Que covardia, Fernando”, ela comentou. E o filho concordou: “É cruel”. Nesta noite de quinta-feira (20), ela e seus vizinhos se juntaram para protestar contra uma covardia muito maior: as mortes de 24 pessoas em dois ataques realizados contra as periferias de Osasco e Barueri nos dias 8 e 13. “Espero que seja feita justiça”, pede Zilda.
Questionada se acreditam que os assassinos encapuzados seriam policiais interessados em vingar a morte de Ademilson, uma suspeita admitida pelo próprio secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, a maioria dos moradores do bairro evita responder com todas as letras. “Isso é uma coisa que eu já não falo. A gente não tem segurança. Quem sabe quem fez isso são só eles e os comparsas deles”, responde o segurança Fabiano Custódio, 28 anos, que na noite da chacina ajudou a levar amigos baleados para o hospital. Mas dá o recado: “Só uma coisa que eu te falo é que bandido não faz uma coisa dessas, não, de matar um monte de pai de família”.
No protesto, teve padre, pastor e filho de santo rezando, juntos, para pedir a Deus que traga justiça e ajude as autoridades a encontrar os assassinos. Os pedidos de paz estavam nas rezas, em faixas penduradas e pichações feitas no bar do Juvenal, que funcionava ali há oito anos. “Quando o PM foi morto, eu tinha certeza de que teria represália nas quebradas. É o que acontece o tempo todo aqui”, disse o pichador Djan Ivson, 31 anos, presente ao protesto.
Quando falam, os sobreviventes fazem questão de defender a memória dos mortos e a imagem da comunidade. Como se o preconceito embaralhasse tanto os papeis que as vítimas das periferias se vissem obrigados a reafirmar que são vítimas. “O Munhoz sempre foi um bairro falado, mas essas coisas aconteciam lá por longe. Aqui é um lugar sossegado, de gente trabalhadora. As pessoas moram há muito tempo aqui e todo mundo se conhece”, conta Maria da Conceição, 72 anos, sogra de uma das vítimas, que está hospitalizada.
“Acham que quem mora na periferia não merece respeito, mas também somos filhos de Deus”, afirma o dono do bar, Juvenal Teixeira de Souza, 34 anos. Na chacina, ele perdeu seu irmão, Tiago Teixeira de Souza, com quem veio do Piauí para ganhar a vida em São Paulo. “Estou arrasado”, diz.
Diante das portas de ferro baixadas do bar do Juvenal, o proprietário revela que a tragédia não mudou os horizontes da sua vida. “Vou reabrir o bar”, diz. “Não sei fazer outra coisa.”
Errata – A primeira versão do texto informava que o cabo Ademilson teria sido morto num assalto, mas as imagens das câmeras mostram uma execução. Quem foi morto num assalto foi o guarda civil metropolitano Jefferson Luiz Rodrigues da Silva, 40 anos, em 12/8. O erro foi corrigido.