PM é preso acusado de furtar empresa onde fazia ‘bico’ de segurança

David Caetano Ribeiro teria participado do furto de R$ 112,4 mil em materiais de construção de consórcio que faz despoluição do Rio Tietê. Empresário que o contratou diz que costuma ir aos batalhões atrás de PMs para trabalhos ilegais de segurança

Funcional do cabo David Caetano Ribeiro, que entrou na corporação em 2002, e disse em depoimento que fazia bicos de segurança desde 2007 | Foto: Reprodução

O cabo da Polícia Militar David Caetano Ribeiro acaba de completar três meses preso sob a acusação de furtar materiais de construção de um consórcio que faz a despoluição do rio Tietê, no Tremembé, zona norte da cidade de São Paulo, onde fazia “bico” como segurança particular. Além de exercer uma atividade proibida pela corporação, o PM fazia esse trabalho para uma empresa ilegal, sem autorização para atuar na área de segurança.

David é suspeito de participar do furto de 100 telas de aço e 20 vigas de aço, avaliadas em R$ 112,4 mil, que estavam em um canteiro das construtoras Augusto Velloso, Trail Infraestrutura e Vad Engenharia, que integram o consórcio CT Bacias, responsável pelo projeto de despoluição.

O crime foi descoberto em fevereiro do ano passado, quando um gerente de logística do consórcio deu falta do material, que deveria estar guardado em um canteiro de obras localizado a poucos metros de distância do local da obra, na Rua dos Mártires Armênios. O portão não tinha sinais de arrombamento e o canteiro não tinha câmeras de segurança.

Em depoimento que deu à Polícia Civil, no mês seguinte, o gerente contou que resolveu verificar as câmeras que ficavam instaladas no local das obras. Ali, viu imagens, registradas na madrugada de 20 de fevereiro, que mostrariam um caminhão com carroceria aberta deixando o canteiro onde estavam os materiais de construção furtados. As câmeras também teria flagrado um outro carro entrando no pátio da administração, no mesmo horário, e o gerente afirma ter reconhecido seu ocupante como sendo o PM David.

O gerente afirma que identificou nas imagens um “entra e sai” de duas pessoas, que seriam o vigia Jurandir Nascimento e o segurança Ricardo Gomes Ferreira, que teriam “dando apoio à retirada de material”.

As imagens disponibilizadas no processo não mostram com clareza os veículos que entram e saem do canteiro, já que a câmera do endereço da administração não alcança toda a rua, mas, a partir das 0h13, é possível visualizar um carro pequeno e depois um caminhão saindo. Em seguida, um homem vai andando até o endereço do pátio da administração do consórcio, onde entra. Às 0h24, sai um veículo preto do pátio. Já às 0h43, um carro preto estaciona em frente ao local, o motorista desce, parece entregar algo ao vigia e sai.

O relatório da Polícia Civil aponta que um dos carros envolvidos na ação pertence à esposa de David e o outro, a um homem que não foi encontrado. Já o caminhão teria sido identificado por câmeras de empresas vizinhas e os policiais descobriram que era clonada. A delegada Fabiana Sarmento de Sena Angerami, do 20º DP (Água Fria), pediu as prisões temporárias de David, Ricardo e Jurandir, que foram cumpridas em novembro de 2021.

Recrutamento de policiais

Em depoimento na delegacia, David negou o crime. Declarou que atuava como vigilante no local desde 2007 e que fazia os bicos nos horários de folga, “fiscalizando as obras da empresa”, contratado por alguém chamado Costa. Trata-se do empresário Luiz Roberto Costa, que tem registro de microempreendedor individual com nome fantasia de Sparta Portaria. A empresa, aberta em 2008 na cidade de São Vicente, no litoral paulista, tem como atividade econômica registrada apenas o serviço de apoio a edifícios e não de segurança privada. Também não consta registro junto à Polícia Federal, instituição responsável por emitir licenças de autorização para vigilantes e empresas de segurança privada. Como a Ponte já mostrou em outras reportagens, essa é uma tática para driblar a fiscalização, já que porteiro não depende da mesma regulamentação que um segurança particular.

Lotado no 4º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), na zona oeste da capital, David ingressou na PM em 2002. No depoimento, ele afirmou que recebia R$ 4 mil e que depois dividia esse valor pela metade com seu amigo Ricardo porque ele também atuava como vigilante, mas “não tinha formação para tal”. O PM contou que fazia rondas diárias em companhia de Ricardo no perímetro do canteiro de obras e onde ocorriam as perfurações no solo, mas não vigiava o terreno onde os materiais de construção estavam localizados e que só conhecia Jurandir como porteiro do pátio da administração do consórcio, já que o terreno não tinha porteiro nem câmeras de segurança.

O policial alegou não ter visto os veículos das imagens, “somente escutou barulhos de ronco de motores de caminhão, o que [é] normal durante suas rondas”. Sobre o distintivo de carcereiro policial que foi encontrado na sua casa durante cumprimento de mandado de busca e apreensão, disse que desconhecia a origem e que o filho costumava brincar com o objeto.

Momento em que GM Celta do PM David Caetano Ribeiro deixa pátio da administração do consórcio, em 19/2/2021 | Foto: reprodução

Segundo depoimento à Polícia Civil, o empresário afirmou que conhece David e Ricardo há sete anos, sendo que Ricardo se apresentou a ele como policial militar, embora não seja, e que Jurandir foi contratado por ele como porteiro para trabalhar das 18h às 6h. Declarou que, “quando há obras em um local, visita o Batalhão da Policia Militar da área da obra para verificar se algum policial quer fazer ‘bico’ de segurança”.

O empresário Luiz Roberto Costa também disse que as chaves do terreno onde ficavam os materiais estavam sob guarda de Jurandir e que “a função de David e Ricardo era realizar rondas nos terrenos e na empresa, caso fosse acionado”, sendo que no dia do furto não houve acionamento formal. Após o empresário ficar sabendo do crime, segundo ele, Jurandir foi afastado para outro posto de trabalho e depois dispensado em agosto de 2021. David e Ricardo também foram demitidos no mesmo período.

Na delegacia, Ricardo decidiu se manter em silêncio. Jurandir negou participação no furto. Confirmou ser contratado da Sparta para trabalhar como porteiro, mas desconhecia o tipo de material que havia no terreno e que o espaço não era de sua responsabilidade. Negou ser o único que guardava as chaves do local, dizendo que “qualquer funcionário podia entrar no terreno, era só pedir a chave que ficava na portaria, sem nenhum controle” e que “nos finais de semana, o terreno fica cheio de pessoas empinando pipas e fazendo churrasco”. E que David e Ricardo tinham livre acesso, mas nunca pediram a chave do terreno.

A delegada Fabiana Angerami representou pelas prisões preventivas (sem tempo determinado) e pela quebra de sigilo de dados telefônicos dos três, o que foi acatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A juíza Fernanda Galizia Noriega também aceitou a denúncia do Ministério Público Estadual, que acusou os três de associação criminosa e furto qualificado (com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; e com emprego de chave falsa) cujas penas variam de um a 10 anos de prisão.

Agora, o processo está em fase de instrução, em que são realizadas audiências, ouvidos os acusados, testemunhas e colhidas provas para que o Tribunal de Justiça tome uma decisão. Os materiais furtados ainda não foram encontrados.

O que dizem as defesas

A reportagem procurou o advogado Mauro Ribas, que representa o PM David Caetano Ribeiro. Ele afirma que seu cliente é inocente porque as imagens não comprovam o furto nem a atuação de David no terreno onde os materiais estavam localizados, já que o carro dele aparece apenas saindo do pátio da administração do consórcio. “O galpão que atesta o furto era um galpão de descarte de materiais e nós temos imagens, que inclusive estão no processo, de que o David estava em outro galpão”, declarou.

Ele apontou que as notas fiscais das mercadorias não comprovam que os itens estavam de fato no local por conta dos endereços diversos dos remetentes. No entanto, a Ponte mostrou que, em consulta ao site do Ministério da Fazenda, as notas têm informações sobre transferência da carga para o endereço do consórcio. Mauro afirma que vai oficiar a pasta sobre a tramitação dos produtos.

Quanto ao bico de segurança, que é proibido pela Polícia Militar, Ribas disse que vai ser apurado em procedimento administrativo disciplinar da corporação. “Infelizmente, a questão do serviço extra-corporação é amplamente debatida dentro da Polícia Militar, a gente tem toda uma questão cultural, desde o salário, condições, até escravizar o policial com DEJEM e Delegada [respectivamente, Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho da PM, e operação Delegada, quando a prefeitura paga policiais de folga para reforçar patrulhamento na cidade]”.

Ajude a Ponte!

A Ponte procurou os advogados Edilson Queiroz e Mikael Silva, que representam, respectivamente, Ricardo e Jurandir, mas não tivemos retorno até a publicação.

O que diz a polícia

A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) e aguarda uma resposta.

O que diz o consórcio

A reportagem procurou a construtora Augusto Velloso pelos contatos informados no site da empresa e não teve resposta.

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